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2. A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE: DAS INTERAÇÕES

2.2 A REVISTA NO CONTEXTO DA IMPRENSA FEMININA

2.2.3 Imprensa feminina e imprensa feminista

Ao refletir sobre o jornalismo de revista feminina, Buitoni (2009, p. 21) diz que a imprensa feminina é mais ideologizada do que a imprensa dedicada ao público geral, pois entre pautas de culinária, beleza e moda, trazem temas “fortes”. Segundo a autora, a ideologia está enraizada no discurso e não, necessariamente, imbuído em um texto ideológico específico. Para isso, a autora apresenta duas vertentes como forma de classificação da imprensa dedicada às mulheres. Ela afirma que já no século XIX, foi possível identificar duas vertentes na imprensa voltada para as mulheres: “a imprensa feminina: a tradicional, que não permite liberdade de ação fora do lar e que engrandece as virtudes domésticas e as qualidades ‘femininas’; e a progressista, que defende os direitos das mulheres, dando grande ênfase à educação” (BUITONI, 2009, p. 47).

Esta última, por sua vez, se preocupa com as relações de poder, opressão e protagonismo político, econômico e social da mulher (BANDEIRA, 2015, p. 194). Embora, muitas vezes essas características se mesclem. Como já vimos,

O Espelho Diamantino (RJ/1827-1828) é considerado o primeiro folhetim feminino, e desde sua primeira edição se posicionava a favor da instrução das mulheres. A educação das mulheres foi tema recorrente em publicações progressistas desde o século XIX.

No Brasil, os segmentos feminino e feminista surgiram no século XIX e, no decorrer da história, os caminhos seguiram de forma paralela. A partir da segunda metade do século XX, ambos ganharam força. O ano de 1975 foi um divisor de águas no que se refere aos avanços das ideias feministas no Brasil. Foi quando as reivindicações e questionamentos, como igualdade de direitos e o papel submisso das mulheres, respectivamente, começaram a ganhar eco na sociedade. Houve ali o ressurgimento da imprensa feminista, que havia perdido força após a conquista do voto. (BANDEIRA, 2015, p. 196)

É preciso ressaltar, que mesmo alguns folhetins ou revistas consideradas progressistas, ao mesmo tempo que lutavam pelos direitos das mulheres à educação, à maternidade, à adesão à moda e às manifestações literárias, também reforçavam papeis atribuídos tradicionalmente às mulheres, como mulher dona de casa, esposa e mãe, “característica que aproxima o jornalismo feminista de muitas das publicações do jornalismo feminino”. (BANDEIRA, 2015, p. 195).

Woitowicz (2014), ao falar de mídia alternativa, explica que o movimento feminista incorporou suas ações a partir de processos midiáticos à medida que se constituiu como um espaço de luta e resistência.

Os jornais, a partir de orientações distintas (que circulam entre o enfoque político, a luta de classes e questões ligadas à desigualdade entre homens e mulheres), promovem o debate sobre as causas do feminismo a partir da publicização de determinados assuntos na esfera pública. (WOITOWICZ, 2014, p. 108)

A publicização de pautas feministas na imprensa, seja ela alternativa ou não, é uma forma de divulgar e visibilizar pautas marginalizadas ou exclusivas às identificadas como feministas, lembrando que uma vertente dentre vários “feminismos” acaba por excluir particularidades de outros grupos. De forma, generalizada, entretanto, o jornalismo feminista é uma extensão do feminismo, uma das formas de se propagar o(s) movimento(s) (BANDEIRA, 2015, p. 194).

Ao contrário, e como vimos no contexto do jornalismo de revistas femininas, Miguel (2014) reforça que um discurso de senso comum, muito vivo no jornalismo, mostra o feminismo como “superado”, já que, de forma simplista, ao longo da história, “as mulheres obtiveram acesso à educação, direitos políticos, igualdade formal no casamento e uma presença maior e mais diversificada no mercado de trabalho” (MIGUEL, 2014, p. 17). Entretanto, como reitera o autor, são conquistas de direitos com evidências da permanência da dominação masculina.

Como corrente intelectual, o feminismo, em suas várias vertentes, combina a militância pela igualdade de gênero com a investigação relativa às causas e aos mecanismo de reprodução da dominação masculina. Pertence, portanto, à mesma linhagem do pensamento socialista, em que o ímpeto para mudar o mundo está sempre colado à necessidade de interpretá- lo. (MIGUEL, 2014, p. 17).

Uma vez que não se trata do objeto deste estudo, buscamos neste espaço tratar a imprensa feminista como forma de contextualização histórica da imprensa voltada para as mulheres, bem como trazer alguns conceitos e diferenciações importantes para o andamento deste estudo. Entendemos que, como se mostrou no decorrer de sua história, as revistas femininas sempre trataram de temas que buscavam a emancipação das mulheres, umas mais do que outras, mas que temas assim fizeram parte da história dessas publicações. Em seu vasto estudo sobre a imprensa feminina e feminista, Duarte (2016, p. 14) questiona a própria nomenclatura adotada ao longo da história, uma imprensa que se define pelo sexo de seus consumidores. “E se esta imprensa é dirigida e pensada para mulheres, a feminista – também destinada ao mesmo público – se diferenciará por protestar contra a opressão e a discriminação e exigir ampliação de direitos civis e políticos” (DUARTE, 2016, p. 14).

Assim como Bandeira (2015, p. 196), entendemos a “imprensa feminina que, em dois ‘planos’ ou dois ‘grupos’, segue caminhos paralelos para alcançar mulheres com interesses que podem convergir ou divergir, em diferentes momentos”. Embora, aqui façamos a diferenciação entre imprensa feminina e imprensa feminista (ou imprensa progressista), o importante da citação da autora está no entendimento de que ambas podem convergir ou divergir em muitos momentos. Lembramos ainda que a própria imprensa feminista diverge entre si

de acordo com os interesses específicos de seus grupos e divisões no interior do próprio movimento.

Com essa diferenciação, ressaltamos que entendemos por “pautas feministas” todas aquelas matérias que trazem temas discutidos pela agenda feminista, sobretudo aquelas com foco na agenda política de diferentes grupos de mulheres, ou melhor, pautas de interesse de diferentes feminismos. Uma vez que é impossível abarcar todos os movimentos feministas ou de mulheres, nosso foco se volta às pautas, neste caso, pautas jornalísticas, destacadas em chamadas de capa das revistas em estudo, que se apresentam em tom reivindicatório, político e, sobretudo, sobre o direito das mulheres, bem como a violação desses direitos. Lembramos que um dos objetivos dos movimentos sociais, assim como dos movimentos feministas, é a visibilidade da sua agenda. Essa agenda foi compreendida nesta dissertação a partir da revisão histórica do feminismo dominante, com articulações interseccionais, como melhor discutido no capítulo 4.