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3 ARAMANDO DE LEVE TEOREMAS, CUBOS DE LUZ E NAVES NO

3.3 Inéditas matemáticas

No meio do arquivo de Esmeraldo, encontramos projetos ainda não realizados, como os livros-objetos Carnet d’adresses38 e Os Numerais. A ideia para o primeiro surge ainda na França, nos anos 70, quando os antigos telefones de disco são substituídos pelos de tecla, impressionando o artista pelo “ballet dos dedos das telefonistas”. Utilizando os números de telefones de familiares e amigos, Esmeraldo traça linhas curvas em seis combinações possíveis para cada número, fazendo aparecer formas variadas. Para esse projeto há até um texto assinado por Décio Pignatari, intitulado Infodanças em que, em certo trecho, resume o trabalho de Sérvulo a um “[...] rap sem palavras de protesto, um diagrama folclórico de

vanguarda colhido no ar quotidiano dos elétrons faiscantes das infovias de nossa vida diária, quando as infovias captam, ou vão captar tudo, exceto as infovidas [...]”. (A3.1.9).

O segundo projeto liga-se ao amor do artista pela matemática. Os numerais 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 0 ganham do artista uma inusitada forma através da tridimensionalidade sugerida pelo entrelaçamento de tiras a uma moldura quadrada. Esse trabalho intitulado

Números Esmeraldinos seria acompanhado por uma poesia em que cada estrofe representaria

um numeral.

Projetos inéditos: Carnet d’adresses (B5) e Os Numerais (B4), encontrados no arquivo do artista em Fortaleza. O artista ainda chega a comentar sobre outro projeto, chamado Au sujet de la

diagonale39, em entrevista ao jornalista Ari Cunha nos anos 70. O álbum, que seria publicado no início de 1975, seria composto por oito gravuras. “Outro dia falávamos de Mondrian e da ojeriza que tinha o mestre pelas diagonais, a ponto de romper com os amigos que ‘ousavam’ utilizá-las. Não sei se historicamente isso é verdade ou não. Certo é que daí saiu minha idéia”. (A3.3.1).

Em outra anotação, datada de 12 de julho de 1997, em Juazeiro do Norte, (A1.2.7) o artista se refere ao escrito com o qual se debruçava como “um roteiro deste livro de compilação” sobre a “beleza poética, lúdica, plástica e gráfica” das matemáticas. Diz se basear em Les Mathématiques, tradução de Robert Lafont, de 1969, do livro em inglês de

autoria de David Bergami Sérvulo utiliza a matemátic mais como um meio de exp

É do livro de matemáticos, destacando su matemático italiano renasc época dos gregos, por Diof no século XVII, na Aleman cruz de santo André, pois o foi usado por J.E. Gallimard

Mais adiante, o trabalhos: “Apenas aramei com “belíssimas descrições

Livros da biblioteca de Sérv

Ao final, Esme significado também”, sem inusitada, acabando por cria

mini, editado nos EUA pela TIME INCORP tica, segundo ele, menos como “um conjunto xpressão do qual utiliza textos e imagens.

e Bergamini que Esmeraldo extrai formas sua beleza gráfica. O símbolo , por exem

scentista, Tartaglia, para significar adição. O iofanto, para significar subtração. O foi em

anha, para significar multiplicação, substituin s o achava muito parecido com a incógnita “x”

ard para simbolizar a divisão.

o artista comenta que “timidamente” explorou ei de leve os teoremas”. Utilizou livros antigos

es gráficas de teoremas e soluções”.

rvulo na França (D1; D2; D3). Crédito: Fundo Arquivís Contemporânea

eraldo fala do desejo de utilizar “os teorema m desmembrar a ideia, interferindo e utili riar um outro problema.

RPORATED em 1965. to de conhecimentos” e

s antigas dos símbolos emplo, foi utilizado pelo foi escolhido, na empregado por Leibniz indo o “X”, baseado na x” da álgebra. Já o

rou a geometria em seus os comprados na França

ístico/ Instituto de Arte

mas, o lado gráfico e o ilizando-os de maneira

É interessante que o artista utiliza como epígrafe, nesse escrito, o pensamento de François Le Lionnais, que diz o seguinte:

Se se perguntar a um verdadeiro matemático, o que para ele sua disciplina representa, ele responderá, certamente, que antes de tudo, para ele, a matemática é bela e fascinante, que é a maneira de viver a ventura exaltante do pensamento e que, por isso, merece que alguns homens a ela consagrem o melhor de si. (A1.2.7).

Le Lionnais (1901-1984) foi um engenheiro químico de formação, um dos fundadores do OULIPO, grupo criado na França em 1960, formado por nomes como os de Georges Perec (1936-1982), Ítalo Calvino (1923-1985) e Marcel Duchamp (1887-1968). A sigla, que é a junção das primeiras sílabas das palavras Ouvroir, Littératture e Potentielle40, existe até hoje e reúne escritores e matemáticos interessados em utilizar a matemática “em trabalhos literários através dos métodos restritivos, os chamados contraintes” (FUX, 2010, p. 287). No texto do site do grupo41, diz-se que um autor oulipiano “[...] c'est un rat qui construit lui-même le labyrinthe dont il se propose de sortir”42.

Um grupo nesse sentido, com proposta interdisciplinar – cujo começo coincide com o período do artista cearense na França –, seria reverenciado por Esmeraldo, que mostra, em um de seus textos, o desejo de que os artistas se aproximem dos cientistas quando isso é de importância para o desenvolvimento de seus trabalhos:

Tomemos como exemplo Zananzanan.43 Ele trabalha com luz, mas não entende de

ótica, nem tampouco de física ondulatória. Os cientistas seriam da maior importância para ele e para tantos outros, como os escultores que não entendem de estática, por exemplo44. (A1.4.3).

O físico C. P. Snow defende justamente que o encontro entre a cultura humanista e a científica poderia ser uma “oportunidade criadora”. Em 1959, ele publicou, pela primeira vez, a palestra intitulada The Two Cultures, dirigida a uma plateia de Cambridge, em que discorre sobre a incompreensão mútua entre cientistas e não cientistas (aqui, ele se refere aos homens das artes e letras) a partir de sua experiência na sociedade inglesa: cientista de formação, também convivia com escritores.

40 Atelier, Literatura e Potencial. 41 <http://oulipo.net/fr/oulipiens/o>.

42 “É um rato que constrói ele mesmo o labirinto a que se propõe sair”. (tradução minha). 43 Zananzanan é um artista cearense nascido em 1972.

O ponto de colisão de dois tópicos, duas disciplinas, duas culturas – de duas galáxias, até onde se pode ir nessa suposição – deveria produzir oportunidades criadoras [...] As oportunidades estão agora aí. Mas estão aí como que num vácuo, porque aqueles que pertencem às duas culturas não se falam entre si. (SNOW, 1995, p.34-35).

Assim, defendia como solução para esse abismo o surgimento de uma terceira

cultura, formada pelo diálogo entre as duas culturas, proporcionando um ganho para ambos os lados. Atualmente, entretanto, esse termo vem sendo usado para denominar a divulgação científica feita pelos próprios cientistas, como o biólogo Richard Dawkins, o astrônomo Carl Sagan e tantos outros.

Em Proust foi um neurocientista, o escritor Jonah Lehrer publica sua pesquisa sobre artistas que, de alguma maneira, anteciparam a ciência. A ideia nasceu durante o período no qual trabalhava como técnico de um laboratório de neurociência e lia Em busca do

tempo perdido. Ele notou que o escritor Marcel Proust havia previsto suas experiências. “Proust e a neurociência compartilhavam uma concepção de como a memória funciona. Se ouvíssemos com atenção, descobriríamos que, na verdade, diziam a mesma coisa” (LEHRER, 2010, p. 12). Assim, traz nesse livro sua investigação acerca do trabalho de outros artistas que, segundo ele, também anteciparam descobertas da neurociência, como o poeta Walt Whitman, a romancista George Eliot, o chef Auguste Escoffier, o pintor Paul Cézanne, o compositor Igor Stravisnky e as escritoras Gertude Stein e Virginia Woolf.

No prefácio, Leher faz uma crítica à abordagem científica que exclui tudo que não pode ser mensurado e reforça a pluralidade da realidade:

Mas a ciência se esquece de que não é assim que experimentamos o mundo. (Sentimos como o fantasma, não como a máquina.) É irônico, porém verdadeiro: a única realidade que a ciência não consegue reduzir é a única realidade que podemos conhecer. É por essa razão que necessitamos da arte. Ao expressar nossa experiência real, o artista nos lembra de que nossa ciência é incompleta, de que nenhum mapa da matéria jamais explicará a imaterialidade de nossa consciência.

O teórico Jorge Vieira vai falar também nesse sentido sobre as muitas facetas do real. De acordo com ele, a arte e a ciência, como formas de conhecimento, trabalham sobre representações distintas da realidade: enquanto a ciência reflete sobre a “organização objetiva do mundo” (2006, p. 77), a arte, além de explorar a realidade, estuda as possibilidades do real. “Nesse sentido, o conhecimento artístico é mais flexível, e assim sendo, consegue ser efetivamente mais criativo” (idem, p. 98).