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INÊS COMO INSPIRAÇÃO LITERÁRIA NO SÉCULO ROMÂNTICO O modo como D Inês foi tratada pelos seus historiógrafos fez aumentar a aura

1.2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA:

2.1.3. INÊS COMO INSPIRAÇÃO LITERÁRIA NO SÉCULO ROMÂNTICO O modo como D Inês foi tratada pelos seus historiógrafos fez aumentar a aura

que a rodeava. A luz dos princípios do Romantismo, D. Inês surgiu no século XIX como a frágil donzela medieval sacrificada em nome das razões de Estado.

O episódio inesiano, quer na área da literatura, quer na da historiografia, apresenta uma Inês bela, loira, amante e frágil, um Pedro apaixonado e violento, um rei vencido pela argumentação mal intencionada de três conselheiros que teimavam em ver na sua relação com Inês um perigo nacional e que não hesitam em assassiná-la cruamente. A terrível vingança de Pedro e a saudade que o acompanha, para além da morte, perpetuam o drama na memória dos homens244.

Nos finais do século XVIII e no século XIX, surge, sob a égide do Romantismo, uma tendência de recuperação da mentalidade medieval, já que esta trazia a paz, a ordem e a espiritualidade necessária aos românticos. A Idade Média era, agora, redescoberta e reabilitada. Nenhuma época histórica foi por mais tempo menos compreendida que a

Idade Média. A sua hora de justiça veio tarde, só começando com o Romantismo245. Os

homens de letras deixaram-se envolver por um espírito e ambiente fantasiosos, poéticos e pitorescos. Cria-se uma ideia de Idade Média distanciada da realidade e demasiado marcada por castelãs e trovadores.246 A Idade Média surge para a ideologia romântica,

como a idade magnífica da poesia e a terra virgem do génio nacional247. Os historiadores

oitocentistas, estavam, tal como, Michelet, um historiador romântico por excelência, votados à ressurreição do passado integral da História. O historiador deve, segundo Michelet, estar presente com as suas paixões e emoções, a todos os níveis do seu trabalho, pois só uma relação mais íntima com o objecto permite atingir uma outra percepção do mesmo e o ponto no qual o relato histórico passa de inerte e passivo a força viva. Esta proximidade e presença só pode ser comparável à relação existente entre o artista criador e a sua obra248. No fundo é esta a ambição do historiador romântico:

reencontrar a vida histórica em toda a sua plenitude, daí que este se sinta implicado em todo o processo que realiza. O historiador deixa de viver o seu presente, passando a

SOUSA, Maria Leonor Machado de - Inês de Castro na literatura portuguesa. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Ministério da Educação, 1984 (Biblioteca Breve; Série Literatura)

CEREJEIRA, D. Manuel Gonçalves - A Idade Média na História da Civilização. 2a edição. Coimbra:

Coimbra Editora, Lda., 1953.

246 CEREJEIRA, D. Manuel Gonçalves - A Idade Média na História da Civilização, p. 16. 47 CEREJEIRA, D. Manuel Gonçalves - A Idade Média na História da Civilização, p. 23.

2.1.3.

INÊS COMO INSPIRAÇÃO LITERÁRIA NO SÉCULO ROMÂNTICO O modo como D. Inês foi tratada pelos seus historiógrafos fez aumentar a aura que a rodeava. A luz dos princípios do Romantismo, D. Inês surgiu no século XIX como a frágil donzela medieval sacrificada em nome das razões de Estado.

O episódio inesiano, quer na área da literatura, quer na da historiografia, apresenta uma Inês bela, loira, amante e frágil, um Pedro apaixonado e violento, um rei vencido pela argumentação mal intencionada de três conselheiros que teimavam em ver na sua relação com Inês um perigo nacional e que não hesitam em assassiná-la cruamente. A terrível vingança de Pedro e a saudade que o acompanha, para além da morte, perpetuam o drama na memória dos homens244.

Nos finais do século XVIII e no século XIX, surge, sob a égide do Romantismo, uma tendência de recuperação da mentalidade medieval, já que esta trazia a paz, a ordem e a espiritualidade necessária aos românticos. A Idade Média era, agora, redescoberta e reabilitada. Nenhuma época histórica foi por mais tempo menos compreendida que a

Idade Média. A sua hora de justiça veio tarde, só começando com o Romantismo245. Os

homens de letras deixaram-se envolver por um espírito e ambiente fantasiosos, poéticos e pitorescos. Cria-se uma ideia de Idade Média distanciada da realidade e demasiado marcada por castelãs e trovadores.246 A Idade Média surge para a ideologia romântica,

como a idade magnífica da poesia e a terra virgem do génio nacional247. Os historiadores

oitocentistas, estavam, tal como, Michelet, um historiador romântico por excelência, votados à ressurreição do passado integral da História. O historiador deve, segundo Michelet, estar presente com as suas paixões e emoções, a todos os níveis do seu trabalho, pois só uma relação mais íntima com o objecto permite atingir uma outra percepção do mesmo e o ponto no qual o relato histórico passa de inerte e passivo a força viva. Esta proximidade e presença só pode ser comparável à relação existente entre o artista criador e a sua obra248. No fundo é esta a ambição do historiador romântico:

reencontrar a vida histórica em toda a sua plenitude, daí que este se sinta implicado em todo o processo que realiza. O historiador deixa de viver o seu presente, passando a

SOUSA, Maria Leonor Machado de - Inês de Castro na literatura portuguesa. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Ministério da Educação, 1984 (Biblioteca Breve; Série Literatura)

245 CEREJEIRA, D. Manuel Gonçalves - A Idade Média na História da Civilização. 2a edição. Coimbra:

Coimbra Editora, Lda., 1953.

CEREJEIRA, D. Manuel Gonçalves - A Idade Média na História da Civilização, p. 16.

conviver, por procuração, com as personagens do passado . No entanto, esta proximidade com o objecto de estudo pode diminuir o ângulo visual e deturpar a plenitude dos acontecimentos, que foi o que aconteceu com a maioria dos estudiosos inesianos, que inebriados pelo génio e beleza de Inês, dificilmente conseguiram ser imparciais. Estes desejavam ouvir da boca de Inês o relato da sua vida e serem eles o arauto da verdade inesiana. Tal como Michelet estavam obcecados pelo desejo de contactar os mortos, reencontrando assim os factos e serem capazes de devolver-lhes uma vida plena, ao desvendarem o sentido supremo da sua existência250.

No contexto romântico, o binómio amor/morte é um vector de tanto fascínio, tanto pela medievalidade como, consequentemente, pelo mito de Inês de Castro. Só através da Morte, da qual o Amor é o irmão gémeo251, pode este triunfar, imortalizar-se,

perpetuar-se, sublimar-se ao ponto de se tornar espiritual, inocente e puro. Ao morrer, Inês deixa as suas vestes terrenas, a sua pele, tal como Cristo, um dia, profetizou relativamente a S. Bartolomeu. Os seus pecados, pelo sofrimento que lhe é infligido, são perdoados e, uma nova alma, purificada pelo amor, sobe ao céu. O amor venceu a morte e esse mesmo amor, vivido agora por D. Pedro, tornará a história dos seus amores de Inês inesquecível, admirada, inspiradora e imortal.

A partir do século XVI, a história de Inês de Castro triunfava por todo o panorama literário, vulgarizando-se através de paródias, bailados, óperas, entre outros géneros. Inês era, agora, apresentada, sob uma imagem burguesa, piegas e romanesca, que fizeram desta, mais do que uma grande amorosa, uma digna e infeliz mãe de família, esposa legítima rodeada de crianças indefesas, vítima do ciúme de uma rival ou do despeito de um amante repelido. Com estas novas variantes da sua história, adaptada, também, à comédia e à paródia, a tragédia simples e terrível dos amores de Pedro e Inês começa a perder a sua profundidade e grandeza. O sentido mítico do amor fatal e o valor lendário especialmente português parecem esquecidos. As lágrimas dão lugar ao riso e o tema inesiano perde um pouco da sua carga dramática.

Com o Romantismo do século XIX, verifica-se um retomar do carácter dramático. Esta nova corrente literária daria novos aspectos ao tema, aliás, o tema de

Inês parecia feito para cativar o gosto romântico: medievalismo, amor fatal e

BOURDÉ, Guy e MARTIN, Hervé -As Escolas Históricas. Mem Martins: Publicações Europa- América, 1983, p. 85.

249 BOURDÉ, Guy e MARTIN, Hervé - As Escolas Históricas, p. 86. 250 BOURDÉ, Guy e MARTIN, Hervé -As Escolas Históricas, p. 88.

VIEIRA, Afonso Lopes - Inês de Castro na poesia e na lenda: conferência realizada no claustro do

irresistível, oposição do Estado ao indivíduo, triunfo final da paixão excessiva, aparato fúnebre - nada faltava25 .

O tema da morte de Inês tornou-se num tema habitual, recorrente, vulgar durante o século XIX, muito mais até que nos séculos anteriores. A personalidade de Inês de Castro interessava vivamente aos românticos, atraídos pelas desventuras, pela fatalidade do seu destino e pelos detalhes romanescos que envolviam a sua história. Daí que a sua história fosse tão frequentemente escolhida como tema para as obras a que os autores românticos se dedicavam. De acordo com Suzanne Cornil, a Inês romântica tornou-se muito mais verosímil e viva do que a heroína que outrora fora durante o neoclassicismo francês, ao mesmo tempo que acentua o toque medieval e a existência da luta social entre o Estado e o indivíduo253. Nesta época são publicadas, pelos menos e, de acordo

com a mesma autora, cerca de sessenta obras, tanto de cariz dramático como lírico, dedicadas a Inês de Castro . De facto, o universo é extenso e não podemos fazer uma análise da sua globalidade, pelo que optamos por apresentar alguns autores portugueses dos quais nomeamos: Afonso Lopes Vieira, Aníbal Fernandes Tomás, Antero de Figueiredo, António de Vasconcelos, Carolina de Michaëlis e Vasconcelos, Faustino da Fonseca, Flório de Oliveira, Francisco da Fonseca Benevides, Vieira Natividade. Muitos destes autores foram já aqui citados, numa tentativa de enaltecer e reconhecer o trabalho que tiveram na sua busca pela heroína nacional. Os mais representativos serão ainda explorados, a fim de ilustrarem o caso português da difusão do tema inesiano.

Logo no início do século XIX, João Baptista Gomes escreve a Nova Castro255,

numa tentativa de igualar a sua obra à de António Ferreira, escrita quatro séculos antes. A Nova Castro mostra-nos uma Inês possuída pelo espectro de Constança que, entretanto, morrera de tristeza; um D. Pedro demente, que detesta todos os homens e, a quem somente Inês poderá acalmar. Talvez o pecado de Gomes tenha sido o exagerado uso de efeitos patéticos inspirados na literatura de cordel, que contribuíram para o descrédito da sua obra e da sua intenção inicial. No entanto, esta obra também tem o seu mérito pelo facto de ter concentrado na personagem de Inês todo o desenrolar da

Inês de Castro in Dicionário de Literatura. 4a Edição. Porto: Mário Figueirinhas Editora, 1994

(direcção de Jacinto Prado Coelho), p. 464-467.

CORNIL, Suzanne - Inês de Castro : contribution à l'étude du développement littéraire du thème dans

les littératures romanes. Bruxelles: Palais des Académies, 1952, p. 99.

CORNIL, Suzanne - Inês de Castro : contribution à l'étude du développement littéraire du thème dans

les littératures romanes, p. 99 e SOUSA, Maria Leonor Machado de - Inês de Castro na literatura portuguesa. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Ministério da Educação, 1984, p. 145-153.

acção . Assim, a Nova Castro soube suplantar as suas falhas quando, na quinta edição apresenta a cena da coroação de Inês, que tão bem aglutina e representa as características dos românticos.

Em 1826, Bocage publica Cantata à morte de D. Ignez, onde renasce a tradição portuguesa de simplicidade e emoção, mas o verdadeiro sucesso da morte de Inês não acontecerá senão alguns anos mais tarde.

Ao mesmo tempo, a geração francesa da primeira metade do século XIX apaixonara-se por Camões, pela sua obra, pela sua vida, aparecendo inúmeras novas traduções da obra-prima de Camões, os Lusíadas e diversas gravuras representando algumas das mais emblemáticas cenas dos versos camonianos. Esta reacção ao grande poeta português, desencadeou um ressurgimento do mito inesiano e aparecimento de inúmeras obras concebidas à volta deste tema histórico português258. Algumas destas

obras serão posteriormente aqui apresentadas e sujeitas a uma pequena análise, relativamente ao seu conteúdo.

O mito inesiano difundira-se por toda a Europa, ainda no século XVI, aquando do aparecimento das primeiras obras sobre os amores de Pedro e Inês, e ressurgiu fortalecido no século XIX, altura em que a recuperação dos ideais nacionalistas e a evocação das origens fazem ressurgir episódios do passado259. Tanto em Portugal, como

em Espanha, França, Alemanha, Inglaterra, Itália ou Holanda, este tema difundia-se através das letras, do bailado, da ópera, da arte em geral. Finalmente o nosso tema nacional atingia um estatuto universal, onde todos queriam um pouco de Inês para si. Será também desta diversidade que o mito inesiano renascerá, assistindo-se a uma evolução do mesmo e das personagens que o compõem260.

O Romantismo promoveu uma nova forma de ver Inês. A tragédia que, até então, se apresentava, tendencialmente, mais complexa e plena de intrigas, revestia-se, agora, de um sentido trágico simplista, com maior enfoque na personalidade de cada interveniente e na sua evolução dentro da tragédia. D. Pedro, de roi magnifique et

emporté, vê-se reduzido ao papel de mari ou de père éploré aux côtes de sa femme

CORNIL, Suzanne - Inès de Castro : contribution à l'étude du développement littéraire du thème dans

les littératures romanes. Bruxelles: Palais des Académies, 1952, p. 100.

2^7

GOMES, João Baptista - Nova Castro, augmentada com a brilhante escena da coroação. Lisboa: 1830 TOMAS, Aníbal Fernandes - Ignez de Castro: iconographia: historia: litteratura. Tricentenário de Camões 1580-1880. Lisboa: Typographia Castro Irmão, 1880, p. 114.

259 TORGAL, Luís Reis; MENDES, José Amado; CATROGA, Fernando - História da História em Portugal. Séculos XIX e XX. A História através da História. Vol. I. Lisboa:Temas e Debates, 1998, p. 46-

héroïque, victime de l'injustice humaine, enquanto Inês continua a ser o centro de

interesse do drama. A verdadeira vítima, aquela que sofre sem culpa e que sem culpa há- de morrer .

É interessante, também, verificar a evolução literária no que toca a D. Afonso IV. No século XIX, a literatura apresenta um D. Afonso cada vez mais velho, mais abatido, um velho monarca cansado de reinar e de lutar contra os seus verdadeiros sentimentos e vontades. Mas não foi sem um objectivo que se efectuou esta mudança na personalidade do monarca. O seu envelhecimento rápido e precoce foi a forma encontrada para atenuar a sua responsabilidade perante o crime cometido em D. Inês. Alguns autores apresentam até um D. Afonso perseguidor dos seus desobedientes conselheiros. Apesar destas transformações, a época romântica também introduziu uma nova personagem: a rainha, madrasta de D. Pedro e que prejudica D. Inês por inveja ou despeito.

Ainda no contexto das alterações introduzidas pela nova corrente literária, não poderemos deixar de mencionar a inacabada intenção de Almeida Garrett em tratar o tema inesiano. Tudo o que resta é um resumo das primeiras cenas de um drama, que teria, com certeza, valorizado, ainda mais, o tema dos amores de Pedro e Inês e que, à semelhança de Frei Luís de Sousa, alcançaria o zénite do panorama literário nacional262.

Também o carácter inovador que a peça Ignez de Castro - A Vingança apresenta ao iniciar-se durante a Guerra Civil e, portanto, somente após a morte de Inês, a tornaria ainda mais interessante e num profundo objecto de atenção e estudo. Ao iniciar-se a acção num momento tão mais tardio do evoluir dos acontecimentos que compõem o episódio inesiano, esta centrar-se-ia, certamente, na dimensão psicológica dos restantes protagonistas e, através do olhar astuto de Garrett, poderíamos conhecer uma nova faceta de D. Afonso IV e de D. Pedro, que em muito ajudaria a compreender e desmontar a tragédia de Inês . Mas Garrett tinha, também, outras intenções ao iniciar mais um

FONSECA, Gondin da - Inês de Castro (13107-1355) A verdade histórica e a realidade psíquica, após

seis séculos de fantasia e nevoeiro. 2a edição. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1956, p.126-148.

CORNIL, Suzanne - Inês de Castro : contribution à l'étude du développement littéraire du thème dans

les littératures romanes. Bruxelles: Palais des Académies, 1952, p. 134.

O execerto da obra de garret encontra-se anexado à obra de Aníbal Fernandes Tomás - Ignez de

Castro: iconographia: historia: litteratura. Tricentenário de Camões 1580-1880. Lisboa: Typographia

Castro Irmão, 1880.

Refere Thomas Strãter acerca do esboço da peça teatral de Almeida Garrett: O novo enfoque é notável. Os acontecimentos políticos depois da morte de Inês ganham perfil mais importante: a guerra civil e o futuro inseguro do país, ameaçado em sua soberania por Castela. A partir desta publicação, a figura de Pedro, e não a de Inês, torna-se cada vez mais crucial. Não estranha que o simbolismo, com sua preferência pelo obscuro e o anormal, explore com entusiasmo a crueldade e o fascínio necrológico do drama. Cf. STRÃTER, Thomas -A Tragédia como Farsa: Inês de Castro num Drama Fragmentário/

drama inspirado num tema nacional. Através da sua manifestação artística, procurava na Idade Média, livre e altiva, uma acusação ao partido miguelista264.

Com este projecto inacabado, ficou o teatro português sem a sua melhor tragédia moderna, segundo Aníbal Fernandes Tomás265.

Apesar de tantas alterações, que vêm enriquecer o tema inesiano, este comportará, sempre, alguns elementos essenciais que resistiram desde o início do seu desenvolvimento a todas as transformações e a todas as correntes literárias. A inocência de Inês, a hesitação do rei, o papel dos conselheiros e a coroação póstuma, são os elementos vitais e essenciais que fundamentam e suportam a tragédia de Pedro e Inês ao longo dos tempos.

Estas permanências não serão alheias ao facto da propagação da história de Inês se dever, indubitavelmente, às obras de Camões e António Ferreira266. O sucesso

internacional do tema deve-se aos factos históricos que o compõem, à lenda que originou e à divulgação europeia dos Lusíadas, que envolveram Inês num véu mitológico ao qual se enredou para todo o sempre267. A vida de Inês de Castro e o seu triste fim, ao

representarem a imagem do eterno conflito entre o sentimento e a razão, o amor e o dever, o indivíduo e o Estado consistiram e consistem, ainda, hoje em dia, num tema que demonstra a importância conferida ao amor.

Por fim, queremos ainda lembrar que o romantismo português, ao contrário das literaturas italiana e francesa, que acentuaram o aspecto melodramático dos amores de Pedro e Inês, pretendeu ressurgir a glória de um passado nacional integrado num espírito pleno de orgulho histórico. Note-se que os autores portugueses não se preocuparam, apenas, em utilizar e divulgar um tema nacional, tiveram em atenção, isso sim, que o tema fosse tratado como um episódio glorioso da nossa história. Glorioso no sentido de que demonstrava como Portugal não se deixava, inicialmente, abalar pelos sentimentos,

Thomas Stráter - Braga: Centro de Estudos Humanísticos, Univ. Minho, 2003. Sep. de: "Portugal - Alemanha - Brasil: actas do VI Encontro Luso-Alemão", vol.2, p. 140.

CORNIL, Suzanne - Inês de Castro: contribution à l'étude du développement littéraire du thème dans

les littératures romanes, p. 105-106; Inês de Castro In Dicionário de Literatura. 4a Edição. Porto: Mário

Figueirinhas Editora, 1994 (direcção de Jacinto Prado Coelho), p. 464-467.

Com o fino gosto de Garrett, com a sua viva sensibilidade, o que não faria elle d'um assumpto que tanto o enamorava? Cf. TOMÁS, Aníbal Fernandes - Ignez de Castro: iconographia. Historia, litteratura .

- Lisboa: Typographia Castro Irmão, 1880. Tricentenário de Camões, 1580-1880, p. 114.

Les deux influences profondes qui se sont exercées sur le développement de la tradition inésienne sont celles de Camões qui fit d'Inès une héroïne «nationale» et «poétique», et celle de Ferreira qui en portant la Castro à la scène classique, détermina la vogue «dramatique» de ce sujet. Cf. CORNIL, Suzanne - Inês de Castro: contribution à l'étude du développement littéraire du thème dans les littératures romanes, p.

136.

CORNIL, Suzanne - Inês de Castro: contribution à l'étude du développement littéraire du thème dans

tendo sempre em mente a continuidade e a segurança do reino e, glorioso, também, por testemunhar a vitória do amor sobre a morte e por reconhecer que havia provocado a morte de uma inocente, perpetuando-a na pedra fria, nas brancas páginas e na memória do povo, como remissão de tão grande pecado.

Depois de apresentadas as razões que fizeram da Idade Média a época escolhida e preferida dos românticos, é fácil compreender porque é que o tema inesiano foi tão trabalhado no século XIX, apesar da sua introdução no panorama literário europeu ter acontecido no século XVI, através da literatura castelhana. Inês personificava o ideal romântico da donzela medieval que se torna vítima de um amor proibido, que é mandada prender pelo rei num castelo longínquo para que não se encontre com o príncipe e que