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TEMA INESIANO: UM LEGADO LITERÁRIO

1.2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA:

1.2.1.0 TEMA INESIANO: UM LEGADO LITERÁRIO

Os amores de Pedro e Inês, quer pela sua intensidade quer pela tragicidade que apresentam, foram, através do tratamento a que foram sujeitos, convertidos em lenda, tornando-se, assim, no paradigma do amor imortal português.

Contrariamente ao que se possa pensar, a lenda dos amores de Inês de Castro e o Infante D. Pedro não são originários da tradição popular. É natural que o povo tenha exacerbado um ou outro pormenor mas, na verdade, amplos sectores da sociedade portuguesa de então, apesar de admiradora de D. Pedro, duvidavam das boas intenções da amante, que manipulada pelos irmãos Álvaro e Fernando de Castro poderia exercer um certo poder nefasto sobre o príncipe, trazendo consequências políticas graves para Portugal180.

Nas crónicas da época, nem Fernão Lopes nem Rui de Pina, deixam antever esta má vontade do povo contra Inês. Antes pelo contrário, há uma tendência para mostrar Inês como a mulher submetida a uma razão de Estado. Por outro lado, tal como acabámos de referir, o povo considerá-la-ia uma figura antipática e intriguista, tão pouca ou nenhuma era a empatia, que no norte do País chamava-se a uma mulher

perversa uma Inês de Castro . A par desta tendência negativista em torno de Inês de

Castro, também o outro apelido pela qual ficaria conhecida - Colo de Garça - adquiriria uma conotação negativa, na qual a ave seria sinónimo de prostituta, visto ser a única da sua espécie que acasala fora do tempo da procriação182.

Inès est une simple maîtresse royale ambitieuse et malfaisante, une de ces « méchantes femmes » qui font le malheur des princes et mènent les États à leur perte. Telle est l'image d'Inès à la fin duXIVe

siècles. Or un siècle plus tard tout est changé: Inès est une héroïne et une martyre, une martyre de l'Amour. Cette transforation s ' est faite, semble-t-il, dans les milieux de la court portugaise. Cf.

TEYSSIER, Paul - Le Mythe d'Inès de Castro: la reine morte. Paris: Fundação Calouste Gulbenkian, 1974. Sep. de: "Arquivos do Centro Cultural Português", 7, p. 570.

Inês ha dejado de ser su amante para convertir-se en el personaje que da la talla trágica ai Príncipe y al Rey Alfonso IV. El mito efectivamente, ha ido evolucionando, y también las razones que llevaron a la ejeculación de Inês: de ser considerada en su tiempo una mujer capaz de manipular, junto con sus hermanos, a Don Pedro, lo cualpodría hacer peligrar la estabilidadpolítica entre los dos reinos, ha pasado a ser una victima inocente cuyo pecado es haber amado por encima de deberes o delitos. Cf.

ALVAREZ SELLERS, Maria Rosa - Una história convertida en mito: Inês de Castro, de António

Ferreira a Luiz Velez de Guevara. Inês de Castro Studi. Estudos. Estúdios a cura di Patrizia Botta.

Ravenna: Longo Editore, 1999 p. 163.

181 Inês de Castro in Dicionário de História de Portugal, vol. II. Porto: Livraria Figueirinhas, 1997

(Dirigido por Joel Serrão), p. 14-15.

182 LUÍS, Agustina Bessa - Adivinhas de Pedro e Inês. Lisboa: Guimarães, Ed., 1983, p. 60; MARINHO,

Maria de Fátima - Inês de Castro: outra era a vez. Porto: [s.n.], 1990. Separata da Revista da Faculdade de Letras, Línguas e Literaturas, II Série, vol. VII, 1990, p. 15.

Talvez este sentimento de menosprezo que o povo mantém por Inês seja uma possível resposta para o facto da lenda e do mito inesianos não encontrarem a sua origem na tradição popular. Aliás, esta aversão do povo pela amante real persistia ainda na memória colectiva no século XVI e até no XVIII. Podemos verificar este comportamento nas obras de António Ferreira, Luís de Camões e no poeta setecentista Reis Quita, as quais remetem para o papel activo do povo na decisão real que levou à

~ 183

execução .

Como sabemos, foi Fernão Lopes o primeiro historiador que tratou o tema dos amores de Pedro e Inês. Talvez, por isso mesmo, tenha sido com ele que se introduziu na literatura o primeiro esboço da lenda inesiana. À medida que construía um discurso panegírico, pretendia registar um legítimo episódio da História Portuguesa, ia também criando as condições necessárias para o desenvolvimento da lenda, que se encontrava já nas suas crónicas. Um outro autor determinante foi Rui de Pina. De facto, o

momento que este descreve como sendo aquele em que D. Afonso, chegado a Coimbra com os seus conselheiros, se dirige à casa onde Inês se encontrava e, esta, perante tão real presença e apercebendo-se ao que veio, lhe cai aos pés e implora misericórdia, apelando que não deixe órfãos seus netos184 é, de certo modo, inverosímil, segundo

António de Vasconcelos185. Era difícil o bravo D. Afonso IV deixar-se abalar pelas

palavras de uma mulher que estava a concorrer para a instabilidade do país. No entanto, D. Afonso adquiriu uma nova dimensão nesta tragédia, a partir do momento em que se arrepende da decisão tomada e acaba por ser coagido pelos seus conselheiros, que queriam aniquilar Inês, a prosseguir com a inicial intenção. Foi então Rui de Pina, o primeiro e na sua qualidade de cronista, a sugerir a lenda e a modificar a impressão que se tinha, na generalidade, de Inês enquanto amante do príncipe. A

travers ce récit, Inès apparaît comme une innocente victime. Elle représente l'Amour immolé à la raison d'État^.

A grande influência das crónicas de Fernão Lopes nos escritos de Rui de Pina, permite colocar a hipótese de já o primeiro cronista ter a intenção de divulgar esta

VASCONCELOS, António de - Inês de Castro: estudo para uma série de lições no curso de História

de Portugal, p. 99-100.

184 PINA, Rui de - Crónicas de Rui de Pina: D. Sancho I, D. Afonso II, D. Sancho II, D. Afonso III, D.

Dinis, D. Afonso IV, D. Duarte, D, Afonso V, D. João II. Porto: Lello & Irmão-Editores, 1977, cap. LXIV e LXV, p. 465-466.

VASCONCELOS, António de - Inês de Castro: estudo para uma série de lições no curso de História

de Portugal, p. 102.

TEYSSIER, Paul - Le Mythe d'Inès de Castro: la reine morte. Paris: Fundação Calouste Gulbenkian, 1974. Sep. de: "Arquivos do Centro Cultural Português", 7, p. 570.

reacção de D. Afonso IV. Já numa das edículas gravadas no túmulo de D. Pedro, se podem ver duas figuras, tidas como D. Afonso IV e D. Inês em afectuosa conversação187.

Estes elementos permitem considerar a hipótese da origem da lenda inesiana provir da maior fonte da época ainda hoje existente - os túmulos de Alcobaça188.

Se o ponto de partida para a construção e evolução do mito se situa na pena dos poetas, será interessante apresentá-los, ainda que de forma sucinta. A primeira obra de carácter literário que nos aparece inspirada na morte de Inês é de Garcia de Resende189

(1516): Trovas que Garcia de rresende fez a morte de dõa Ynes de castro, que el rrey

dõ Afonso o quarto de Portugual matou em Coimbra por o principe dom Pedro seu filho a ter como mulher, & polo bem que lhe queria nam queria casar, endereçadas has damas . É na obra de Resende que aparece, pela primeira vez, inspirado nas

crónicas de Rui de Pina, o grande quadro trágico, no qual Inês, rodeada de seus filhos implora e apela à compaixão do rei com palavras fortes e eloquentes e não chorando por sua defesa como fará nos versos de António Ferreira nem sabiamente citando exemplos clássicos como nas estâncias de Camões191. Inês explora a sua condição de

vítima inocente que, consciente da sua inculpabilidade, se defende corajosa e dignamente, sem gritos nem lamentos exagerados.

Lembra Suzanne Cornil que Garcia de Resende a le mérité d'avoir ainsi, le

premier, saisi l'intérêt poétique de l'histoire d'Inès, dando início à tradição e

revelando ao público a heroína de Coimbra192. É também na sua obra que se

encontram alguns elementos inovadores que servirão a dimensão da tragédia. Além do já mencionado encontro ou entrevista entre D. Afonso IV e Inês imediatamente antes

A génese, pois, da lenda inesiana deve, ao que me parece, ir procurar-se à iconografia dos túmulos. Fernão Lopes foi quem a transplantou para o domínio da literatura; e depois Acenheiro, e os outros historiógrafos que se seguiram, não fizeram mais do que reforçar o esboço primitivo, acrescentando-lhe novos traços. Cf. VASCONCELOS, António de - Inês de Castro: estudo para uma série de lições no curso de História de Portugal. 2a ed., rev. Barcelos: Portucalense Editora Lda,1933, p. 103.

188 SOUSA, Maria Leonor Machado de - Pedro e Inês - Um Tema de Sempre. Coimbra: Fernandes e

Terceiro, 1996, p. 4.

RESENDE, Garcia de - Cancioneiro Geral. Fixação do texto e estudo Aida Fernanda Dias. Lisboa: Impr. Nac.-Casa da Moeda, 1993

VASCONCELOS, António de - Inês de Castro: estudo para uma série de lições no curso de História

de Portugal, p. 104.

VIEIRA, Afonso Lopes -Inês de Castro na poesia e na lenda. Alcobaça: Of. A. M. Oliveira, 1913, p. 27.

CORNIL, Suzanne - Inês de Castro: contribution à l'étude du développement littéraire du thème dans

da execução desta, Garcia de Resende aponta ainda la fatalité de l'amour, le rôle

néfaste des conseillers, l'hésitation du roi .

Relativamente aos carrascos de Inês, cujo nome, a História e a cruel vingança de D. Pedro perpetuou, Garcia de Resende e, mais tarde, Camões, parecem não os conhecer, já que nunca os nomeiam, referindo-se apenas a dois cavaleiros. Perante este facto, defende Suzanne Cornil que para os poetas, le meurtre ne sert qu'a donner plus

de triste noblesse à l'héroïne, et que, en somme la personnalité des meurtriers a peu d'importance. Pelo contrário, na Castro de António Ferreira, la psychologie des conseillers d'Alphonse IV, le motif de leur ardeur ou de leur violence créent des personnages intéressants, au point de vue dramatique; d'ailleurs, les meurtries sont anonymes dans presque tous les textes lyriques consacrés à Inès, tandis que dans certaines tragédies, leur rôle se développe jus qu 'à devenir le centre de l'action194.

Parece ter sido em Resende que se inspirou Camões, ao retomar o assunto no canto III dos Lusíadas'95, durante a narração da História de Portugal feita por Vasco da

Gama ao rei de Melinde. Camões contribuiu para a evolução da lenda com a indicação da toponímia e a consequente adstrição dos nomes do rio (Mondego) e dos lugares a este caso, acrescentando-lhe, assim, um elemento de perenidade, ligando-o a realidades vivas e duráveis, e assegurando-lhe uma espécie de veracidade. Pela primeira vez é, também, devidamente celebrada a beleza de Inês, a par da exaltação da dor e amor por ela sentidos. Foi Camões e o seu génio literário que conferiram ao tema da Castro a auréola que o fez atravessar séculos e gerações, sem nunca perder esse misticismo e atracção ainda hoje latentes196.

Se estes dois primeiros poetas contribuíram para a solidificação da lenda, António Ferreira com a sua obra de teatro clássico A Castro197, publicada em 1598

mas escrita por volta de 1550198, atribui ao assunto uma dimensão humanista, formada

nos moldes do Renascimento Italiano. O elemento dramático desta peça vem - seguindo, mais uma vez, a tendência de reabilitação de D. Pedro relativamente a seu

CORNIL, Suzanne - Inês de Castro: contribution à l'étude du développement littéraire du thème dans

les littératures romanes, p. 58.

CORNIL, Suzanne - Inês de Castro: contribution à l'étude du développement littéraire du thème dans

les littératures romanes, p. 59.

195 CAMÕES, Luís Vaz de - Os Lusíadas. Porto: Porto Editora, Lda., 1999, canto III, estâncias 120 a 143,

p.159-164.

196 Inês de Castro In Dicionário de Literatura. 2o Volume. 4a Edição. Porto: Mário Figueirinhas Editora,

1994 (direcção de Jacinto Prado Coelho) p. 464.

FERREIRA, António - The tragedy of Inês de Castro. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1987. (Actas Universitatis Conimbrigensis ). Ed. Bilingue.

pai - centrar a problemática da tragédia na pessoa do rei, que se sente dividido entre a piedade que tem por D. Inês e pelo dever de fazer cumprir as razões de Estado. A obra-prima de António Ferreira é também um marco histórico-literário, cujo significado transcendeu as fronteiras nacionais: foi a primeira tragédia europeia escrita sobre um tema moderno e rigorosamente construída dentro dos moldes clássicos. Nela, Inês mantém a submissão da heroína a um destino adverso, é a vítima do Amor que acabará por destruí-la. Pedro é o enamorado para quem a vida sem Inês não tem sentido e Afonso IV incarna o poder real, que afinal tiraniza aqueles que o servem e representam. A Castro é sobretudo uma tragédia política, que valoriza a força dos

princípios e sacrifica o indivíduo ao bem comum199.

Mas foram os Castelhanos que introduziram novos elementos à história de Inês. Fr. Jerónimo Bermúdez, sob o pseudónimo António de Sylva, importou para a literatura espanhola este assunto português, publicando, em 1577, a tragédia Nise

Lastimosa, que, segundo António de Vasconcelos, não passa duma tradução livre, ou dum escandaloso plagiato, da Castro de Ferreira200. Por sua vez, e com um discurso

mais suave, Maria Leonor Machado de Sousa prefere avançar que a Castro foi a

primeira obra portuguesa a ser transposta para uma língua estrangeira - tornando-se a Nise Lastimosa . A esta primeira importação literária de um tema português,

sucede Nise Laureada e, então pela primeira vez, aparece num texto literário - e em cena - a coroação póstuma que é um acto de proclamação tardia do casamento, feita

por D. Pedro, e a pomposa trasladação para Alcobaça, bem como o túmulo, onde Inês aparece coroada 202.

Diz Paul Teyssier que, apesar de nascido e criado em Portugal, o mito de Inês de Castro vai-se desenvolver e ganhar novos contornos em Espanha203. Atribui-se, de

facto, a introdução da cena da coroação e do beija-mão real na literatura inesiana, aos

SOUSA, Maria Leonor Machado de - Inês de Castro na literatura portuguesa. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Ministério da Educação, 1984 (Biblioteca Breve; Série Literatura), p. 13.

VASCONCELOS, António de - Inês de Castro: estudo para uma série de lições no curso de História

de Portugal. 2a ed., rev. Barcelos: Portucalense Editora Lda., 1933, p. 104.

SOUSA, Maria Leonor Machado de - Inês de Castro na literatura portuguesa. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Ministério da Educação, 1984 (Biblioteca Breve; Série Literatura), p.12

Inês de Castro In Dicionário de Literatura. 2o volume. 4a Edição. Porto: Mário Figueirinhas Editora,

1994 (direcção de Jacinto Prado Coelho) p. 464.

TEYSSIER, Paul - Le Mythe d'Inès de Castro: la reine morte. Paris: Fundação Calouste Gulbenkian, 1974. Sep. de: "Arquivos do Centro Cultural Português", 7, p. 570. ; Também Belén Tejerina partilha da mesma opinião: Sabido es que los amores y la muerte de Inês de Castro han suscitado gran interès en los

escritores de todas las épocas, no solo en la península ibérica sino también en las literaturas europeus. Ci.

TEJERINA, Bélen - Dona Inês de Castro de Luciano Francisco Cornelia: Génesis de una leyenda

europeia. In Inês de Castro Studi. Estudos. Estúdios a cura di Patrizia Botta. Ravenna: Longo Editore,

poetas e dramaturgos castelhanos. Mas a origem talvez seja portuguesa embora o desenvolvimento se deva realmente à Espanha de Seiscentos2^. Não nos esqueçamos

de Manuel de Faria e Sousa, já anteriormente mencionado, que afirmou ter tido em seu poder o instrumento comprovativo da coroação de Inês. Não terá, portanto, tudo passado de uma criação poética e aristocrática que muito bem veio servir e complementar a tragédia dos amantes portugueses.

Deste modo, podemos concluir que é, de todo, impossível dissociar o surgimento da lenda e mito inesianos da proliferação de obras literárias dedicadas a este assunto. Inês de Castro é o símbolo do amor frágil e sacrificado que comoveu e absorveu as almas do povo e dos poetas e, assim, tudo o que lhe diz respeito, facilmente, se cristalizou em lenda205.

É verdade que, actualmente, os factos históricos e a lenda inesiana estão de tal modo interligados, que é necessário um maior esforço para conseguir apurar a realidade, ao mesmo tempo, que lhe retiramos tão importantes pormenores que lhe conferem um maior colorido e que mais contraste farão com o que se segue após a execução de Inês. Os factos históricos foram já introduzidos no primeiro capítulo desta primeira parte do presente trabalho. Cabe-nos agora evidenciar os elementos pertencentes ao mundo do imaginário/literário.

Conta-se, então, que Inês chegou a Portugal na comitiva de sua prima D. Constança, que vinha para casar com o herdeiro do trono e que, assim que Pedro viu as duas amigas e ainda antes de saber quais as suas identidades, desejou que aquela bela loira, cujos cabelos emolduravam tão esbelto colo, fosse a sua Constança prometida. Claro que tal não poderia ser. A adversidade e a injustiça serão elementos eternos destas histórias de amor. A primeira vez que o príncipe a viu, logo dela ficou preso, e

para sempre . O casamento realizou-se como esperado, mas há quem diga que o

príncipe nunca desejou D. Constança para sua mulher e companheira.

Entretanto o amor de Pedro e Inês vai tomando forma e D. Constança, à espera do nascimento do seu primeiro filho, convida Inês para madrinha, convencida que aquela ligação espiritual será um impedimento para tal relação amorosa. Mas o pequeno infante morre poucos dias depois, desfazendo tal ligação de compadrio.

CORNIL, Suzanne - Inês de Castro : contribution à l'étude du développement littéraire du thème dans

les littératures romanes. Bruxelles: Palais des Académies, 1952, p.41.

FIGUEIREDO, Antero de - D. Pedro e D. Inês : o grande desvaryo (1320-1367). 3a edição rev. Paris:

Livraria Aillaud e Bertrand , 1916, p. 26.

06 FIGUEIREDO, Antero de - D. Pedro e D. Inês: o grande desvaryo (1320-1367). 3a edição rev. .Paris:

Se após estes primeiros sinais de ligação entre D. Pedro e a aia de sua mulher, D. Afonso envia D. Inês para Albuquerque, diz-se, no plano da lenda, que D. Pedro teria levado Inês para os Paços reais na serra da Atouguia, o mesmo paço onde Pedro cresceu até chegar à corte, após seu pai e avô, então desavindos, proclamarem tréguas 207

Entretanto D. Constança morre, em 1345, pouco tempo depois de atingir o seu vigésimo primeiro aniversario . Perante a inexistência de um real impedimento, instala-se D. Pedro com D. Inês em Coimbra onde nascem D. Afonso, que morre em criança, D. João, D. Dinis e D. Beatriz. Diz a lenda que tendo D. Inês se refugiado no convento de Santa Clara em Coimbra para escapar à fúria de D. Afonso IV e, não se podendo encontrar com o príncipe as vezes que desejava, este lhe enviava bilhetes de amor pelo cano da água que, vindo de fora, desaguava no tanque do claustro, onde ela os ia buscar209.

Não obstante o romantismo impregnado nesta troca de bilhetes, tal nunca poderia ter acontecido, uma vez que Pedro e Inês viviam em Santa Clara, onde faziam

maridança .

Se em Lisboa se arquitectava um plano que garantisse a integridade e sobrevivência do Estado, em Coimbra, nos saudosos campos do Mondego2", Pedro e

Inês viviam a sua paixão e toda a natureza acompanhava aquele estado de alma ledo e

cego . Esta alusão à natureza envolvente, enquanto espelho dos sentimentos dos dois

amantes, nasceu sob a pena de Camões que deu, também, vida à eternizada Fonte dos Amores. Na verdade, esta fonte localizava-se fora do convento clarista, num quinta então chamada Quinta do Pombal e a água que dum rochedo irrompia, formava um pequeno lago, dirigindo-se para o convento, regando o jardim das Claristas. Segundo António de Vasconcelos, esta fonte, que terá testemunhado os sentimentos de Pedro e Inês, era já chamada fonte dos Amores. No entanto, tal denominação não aludia a

FIGUEIREDO, Antero de - D. Pedro e D. Inês: o grande desvaryo (1320-1367), p. 264.

208 FIGUEIREDO, Antero de - D. Pedro e D. Inês: o grande desvaryo (1320-1367), p.86.

VASCONCELOS, António de - Inês de Castro: estudo para uma série de lições no curso de História

de Portugal. 2a ed., rev. Barcelos: Portucalense Editora Lda., 1933, p.109.

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LOPES, Fernão - Crónica do senhor rei Dom Pedro oitavo rei destes regnos. Porto: Civilização [19—]. (Biblioteca histórica), p. 131.

211 CAMÕES, Luís Vaz de - Os Lusíadas. Porto: Porto Editora, Lda., 1999, canto III, p. 159. 212 CAMÕES, Luís Vaz de - Os Lusíadas. Porto: Porto Editora, Lda., 1999, canto III, p. 159.

nenhum facto em concreto mas a mente prodigiosa de Camões explicou que na sua origem estavam, claro, os amores dos apaixonados de Coimbra2".