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O início das vendas para o PNAE, as motivações dos membros da Cooperacra e as

3. PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR HISTÓRIA,

3.4. COOPERATIVA DE AGRICULTURA FAMILIAR E AGROECOLÓGICA DE AMERICANA

3.4.2. O início das vendas para o PNAE, as motivações dos membros da Cooperacra e as

O primeiro contrato de fornecimento da Cooperacra para o PNAE ocorreu em 2010, com o município de Santa Bárbara do Oeste/SP, vizinho a Americana/SP onde está a sede da Cooperativa.

Como já apontado, o grande gargalo que a cooperativa vinha enfrentando estava relacionado à comercialização. O fornecimento de alimentos para as escolas graças ao PNAE foi um divisor de águas, que proporcionou melhores condições para os produtores, aproximou novos agricultores à Cooperativa e ajudou a sua estruturação administrativa e física.

Só veio a resolver a situação através do escoamento da produção a partir da política pública (...) que saiu a lei do PNAE, da merenda escolar, e a gente correu atrás disso, sabe assim?! (...) E esse projeto, a gente correu atrás dele, fez o contato com o pessoal da administração da parte da educação, trouxe até o local, mostrou a demanda e aí eles entenderam. E a primeira prefeitura que entendeu isso foi Santa Bárbara e a gente começou o trabalho por lá (Pres.Cooperacra).

O fornecimento de gêneros alimentícios para o PNAE, efetivamente, garantiu um meio de escoamento seguro, estável e volumoso dos produtos da Cooperativa, o que gerou forte motivação, como explicado pelo vice-presidente:

Garantia de retorno, garantia de que não haverá devolução. Uma quantidade, volume que se pega grande. Da para fazer uma programação... dependendo da situação para fazer uma programação de plantios, entendeu? Uma certa estabilidade. Mas ao mesmo tempo gera algumas inseguranças. E acho que é por isso mesmo, não tem essa de hoje não quero, sabe?! Sempre está pegando, a merenda escolar está sempre pegando (VP.Cooperacra).

A possibilidade do planejamento da produção, como citado, é um fator de grande importância para a agricultura familiar e um ponto forte do fornecimento para a alimentação escolar. Esta estabilidade depende de cada prefeitura, pois nem sempre há um planejamento regular. No entanto, quando estabelecido o contrato da forma adequada em termos de planejamento de cardápios com antecedência, aos agricultores o planejamento de suas produções, já que os produtos de horta levam em média de três a seis meses para serem colhidos, a depender da cultura.

A valorização da agricultura familiar, através de um programa público e por causa do potencial de comercialização, também é mencionada como uma motivação. Como referido anteriormente, nas diferentes tentativas de comercialização pela Cooperativa, houve muitos momentos de ausência de pagamento pelo produto entregue, o que refletia tanto num sério

problema de sobrevivência das famílias que estavam produzindo, quanto numa questão de falta de reconhecimento do trabalho desenvolvido.

Bom, as vantagens, é que a gente sobrevive sobre esse trabalho né?! Trata da família, a gente faz o cultivo na terra, planta, entrega para a merenda e recebe por isso, e sobrevive por isso. (A1.Cooperacra)

A possibilidade de viver com o que é produzido na terra e a questão do reconhecimento trabalho realizado ocorreram, efetivamente, graças à participação no PNAE. As motivações tanto para o início do fornecimento de alimentos para a escola, como para sua continuidade, se relacionam com esta perspectiva de alcance de uma atividade agrícola capaz de oferecer os meios de satisfação das necessidades das famílias.

O produtor sempre teve dificuldade de plantar e não saber se vai vender. (...) Então no PNAE houve essa coisa, uma política do governo. Então isso passou segurança. Porque até então você levava no mercadinho e se perdia os produtos. Você levava a alface e tinha que deixar um brinde lá, que era justamente o seu lucro, cheiro verde e tal. Então essas coisas degrada a agricultura familiar. Então na política pública não existe isso. É coisa mais séria, é no papel, é no contrato. Então assim, eles têm que ser fiéis. Acho que isso daí motiva, é isso que deixa a Cooperativa próxima das políticas públicas (VP.Cooperacra).

Além das motivações financeiras, de garantia de mercado e de valorização do trabalho de agricultor, nossos interlocutores também mencionam sua satisfação pelo reconhecimento de seu importante papel de enviar produtos de qualidade para as crianças das escolas.

Foi essa ideia de você saber que você está alimentando as crianças que é o foco do Brasil e a esperança nossa, que vem da criança. E uma criança bem alimentada vai produzir muito mais. Então quando a gente viu essa ideia, viu esse programa, nós ficamos muito felizes (A2.Cooperacra).

Também há um auto reconhecimento em razão da realização da produção de um alimento de qualidade, sobretudo pela ausência de contaminação por agrotóxicos. Trata-se, desta maneira, de um alimento mais saudável, mais favorável à saúde das crianças. “A gente fica feliz de vender o alimento para uma criança estar comendo, se alimentando de uma coisa saudável” (A4.Cooperacra).

Algumas mudanças estruturais ocorreram na Cooperacra com a adesão ao PNAE, como obtenção de um caminhão e a compra de materiais para transporte adequado dos alimentos. Além desta estruturação, também houve mudanças na produção. Com o aumento das vendas devido à grande demanda do PNAE, a produção foi intensificada. A técnica produtiva foi sempre a mesma – orgânica, de base agroecológica – sendo frequentemente aprimorada. Inicialmente, as adequações se relacionaram às exigências para a obtenção do

selo orgânico da Fundação Mokiti Okada, em 2006. Esta adequação se associou igualmente à qualidade da apresentação do produto.

A qualidade a gente sempre foi melhorando, foi cuidando. A partir dos retornos que vinham das merendeiras, das cozinheiras, da nutricionista. A gente sempre cuidou né, de melhorar. O tamanho, a forma de apresentação, o peso, tudo né?! [...] E aprender a comercializar, de aprender a encontrar a qualidade do produto... qual a cenoura que é interessante, qual a berinjela que é interessante, como ela deve estar. Como deve estar o repolho, a apresentação do repolho. [...] O acabamento do produto os cooperados com certeza tiveram que aprender. Isso vem do retorno do PNAE. […] Quantidade também, melhoramos. Tivemos que aumentar (VP.Cooperacra).

Os produtos de horta mantiveram-se diversos, compondo uma extensa lista de variedades cultivadas. Ademais, começaram a produzir em área de agrofloresta e ampliando o leque de oferta com produção de frutíferas, conforme relato de um agricultor:

O que o pessoal sabia fazer, continuou fazendo. Alface, brócolis, tudo de hortaliça eles continuam fazendo a mesma produção. Agora, o que mudou são as frutas. Hoje a gente pensa no sistema agroflorestal, então a gente está produzindo bastante frutíferas, que era uma coisa que a gente não trabalhava antes. [...] não tirando o foco das hortaliças, que o domínio que a gente tem, mas tentando aprender a produzir algumas frutas para que aumente a quantidade de diversidade do nosso produto e consiga atender a merenda melhor (A4.Cooperacra).

Além de ser favorável para a merenda, como citado pelo agricultor, por oferecer mais diversidade de produtos às escolas, essa diversidade de produtos também é um ponto favorável para a Cooperativa, uma vez que a lista de produtos solicitados é extensa. Assim, com mais variedades para oferecer, a Cooperacra tem sua posição fortalecida como fornecedor de alimentos para as escolas.

Outra mudança significativa para a Cooperativa se refere às alterações, a partir de duas resoluções do governo federal20, do limite de venda por DAP/física/ano e a possibilidade de venda para mais de uma Entidade Executora. A partir da Resolução no 04/2015, a Cooperacra passa a vender para outros municípios além de Santa Bárbara do Oeste. Outro fator favorável foi, no caso de Americana, sua participação no COMSEA. Desta forma, os representantes da Cooperativa conseguiram pleitear espaço de venda neste município que, conforme relatado, apresentava certa resistência para compra de seus produtos.

Porque tinha na composição do conselho [...] as nutricionistas da merenda. [...] E ai quando falava que a Cooperacra fornecia para Santa Bárbara, perguntavam para Americana “Vocês compram produtos da agricultura familiar?”, a pessoa falava

20 A primeira foi a Resolução no 25/2012, dispondo sobre o aumento do limite de venda por DAP física/ano de

R$ 9.000,00 para R$20.000,00. A outra foi a Resolução no 04/2015, com a qual o valor de R$ 20.000,00/DAP/ano passa a ser por Entidade Executora, o que significa que cada DAP pode chegar a este limite em cada município para o qual fornece.

“Compra”, “Ah, mas o que vocês compram?”, “Nós compramos suco [...] iogurte, não sei o que...”, “Ah, mas por que vocês não compram produto da Cooperacra?”. Então elas eram colocadas numa saia justa na frente dessas autoridades todas, até um dia que elas abriram a chamada (Pres.Cooperacra).

O intenso envolvimento em instâncias de participação popular, como é o caso da participação no COMSEA, com importante engajamento por parte dos membros da Cooperativa, é favorável tanto para ampliar suas vendas, já que a partir desses movimentos muitas conquistas neste campo aconteceram, como para o próprio município, por exemplo, em razão de um abastecimento das escolas com alimentos frescos e orgânicos.

3.4.3. A relação da Cooperacra com as prefeituras e a logística de fornecimento