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Incidência e Prevalência da Violência Sexual Doméstica contra Meninos

Abuso Sexual Corrupção de

1.4 A VIOLÊNCIA SEXUAL DOMÉSTICA CONTRA MENINOS

1.4.1 Incidência e Prevalência da Violência Sexual Doméstica contra Meninos

A violência sexual contra meninos, por diversos motivos já expostos, têm visibilidade muito menor. Pinto Júnior (2003) aponta que são poucos os estudos existentes, muitos dos quais trazem algumas limitações metodológicas. Geralmente, as pesquisas abordam a violência sexual doméstica, não fazendo a devida diferenciação entre a violência intra e a extrafamiliar, cujos condicionantes históricos, sociais e psicológicos são específicos. Por outro lado, estudos sobre a questão ou usam amostras estritamente compostas por meninas ou apresentam um número muito pequeno de meninos. Um outro aspecto trazido por este autor é o fato de que muitas pesquisas trabalham apenas com amostras clínicas, desconsiderando o estudo com a população geral, que pode apresentar números e configurações diferentes e específicos (vide Quadro de Revisão de Literatura, em anexo).

Para dimensionar o fenômeno com mais precisão é necessário verificar sua ocorrência, tanto em termos de prevalência quanto de incidência. Uma dificuldade levantada por Kristensen, C. H., Flores, R. & Gomes, W. B (2001) com relação à prevalência é, em primeiro lugar, quanto problemas conceituais que envolvem o fenômeno, pois dependendo do que se considera ser um abuso sexual irá interferir na forma como ele será mostrado e quantificado. A segunda dificuldade é no que se refere à amostra utilizada, segundo esses autores existe uma grande variabilidade que está também diretamente relacionada a questão conceitual. Por outro lado, os

diversos estudiosos compreendem amostras muito diversificadas o que poderá causar uma subestimação dos dados relacionados a vitimização e/ou das informações obtidas.

Em um estudo de prevalência realizado em 21 países, Finkelhor (1994) identificou uma percentagem de 3% a 29% de homens abusados em relação a 7% a 36% de mulheres abusadas. Esses dados são confirmados, segundo Kristensen, Flores & Gomes, (2001) pelos dados do

National Incidence Study of Child Abuse and Neglect, conduzidas nos Estados Unidos nos anos de 1979,1986 e 1993, os quais apontam para uma distribuição de um menino para três meninas abusadas.

Selbold (1987) sustenta em seus estudos que existem muito mais vítimas do sexo masculino do que os relatórios documentam. Avaliando dados de estudo de prevalência esse autor sugere que em torno de 3,5% a 5% de abuso sexual de meninos poderiam ocorrer a cada ano além dos que os profissionais tomam conhecimento. Isso significa dizer que o aspecto da sub-notificação se apresenta de forma premente, principalmente quando as vítimas são do sexo masculino. Kristensen, & Col., 2001, em seu estudo sobre a questão, constata a mesma tendência ao citar dados do The Child Abuse Program Annual Report o qual revela que a incidência de abuso sexual em meninos é expressiva nos últimos anos.

No Brasil a questão da violência sexual contra meninos torna-se um tanto mais obscura, pois a legislaçao vigente considera o estupro como um crime que só pode ser praticado por um homem contra a mulher, incluídas, neste caso, meninas e adolescentes. A violência sexual praticada contra meninos se restringe ao artigo 214 que trata do Atentado Violento ao Pudor. E, sendo assim, não apresenta a visibilidade sobre o fenômeno com uma incidência aquém do que a realidade poderia demonstrar. Dessa maneira reduz a importância da violência sexual contra essa parcela da população infanto-juvenil.

Aqui podemos destacar a legislação brasileira onde a violência sexual é identificada com base no Código Penal, de 1940, o qual estabelece o Capítulo VI que trata Dos Crimes Contra os Costumes que se insere no Capítulo I Dos Crimes Contra a Liberdade Sexual:

ƒ Corrupção de menores - Art.218: Corromper ou facilitar a corrupção de pessoa maior de quatorze e menor de dezoito anos, com ela praticando ato de libidinagem ou induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-lo.

ƒ Sedução - Art.217: Seduzir mulher virgem, menor de dezoito anos e maior de quatorze, e ter com ela conjunção carnal, aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável confiança.

ƒ Atentado Violento ao Pudor - Art.214: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal.

ƒ Estupro - Art.213: Constranger à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. Por conjunção carnal entende-se a penetração do pênis na vagina completa ou não, com ou sem ejaculação.

Vale ressaltar que o Comitê Nacional de Enfretamento à Violência Sexual de Crianças e Adolescentes, instituída por entidades governamentais e não governamentais está lutando para mudanças substanciais no Código Penal Brasileiro. Em primeiro lugar, no sentido de aumentar o rigor das penas para os crimes sexuais contra crianças e adolescentes. Em segundo lugar, para a ampliação da definição de estupro como um crime contra qualquer pessoa e estabelecer como crime a produção de fotos ou filmes, a posse ou envio de cenas de sexo envolvendo crianças em qualquer meio de comunicação, inclusive a Internet.

Só a título de ilustração, poderemos rever o quadro com os dados registrados pela Delegacia Especial de Proteção às Crianças e Adolescentes – DPCA no ano de 2005 a qual retrata a seguinte tabela já mostrada anteriormente:

Tabela 13 – Quadro de Crimes Sexuais segundo Sexo

Crimes Meninas Meninos Total

Corrupção de Menores 06 X 06 Estupro 36 X 36 Atentado Violento ao Pudor 65 15 80 Assédio Sexual 01 X 01 Total 108 15 123

Fonte: PCDF/DPCA – Dados Estatísticos Referentes ao ano de 2005

Segundo informações do Projeto Ciranda – Central de Notícias dos Direitos da Infância e Adolescência, o número de notificações de violência sexual tem aumentado nos últimos anos, principalmente a da violência sexual contra meninos, que chega a 21% das ocorrências gerais, sendo a média mundial de 10%, o que significa uma maior visibilidade sobre o fenômeno. (Jornal do Estado do Paraná, p. A5 – Mara Andrich, set/2003). Podemos avaliar que o aumento da incidência se deve ao fato de que uma maior discussão que tem sido feita pela sociedade civil e política, pelos organismos governamentais e não governamentais e também devido a implantação de uma política de enfrentamento mundial contra a violência sexual de crianças e adolescentes.

Em relação ao gênero dos perpetradores de abuso sexual, Sanderson (2005) constata que entre 91% e 97% dos abusadores são do sexo masculino e 20% e 25% são do sexo feminino. Tais diferenças vêm revelar a diferença na socialização dos sexos.

“Tradicionalmente, os homens são encorajados a revidar ou a externar quaisquer

agressões perpetradas contra eles, enquanto as mulheres são encorajadas a ignorar ou internalizar quaisquer atos de agressão. Embora isso seja menos específico hoje em dia, ainda é possível encontrar exemplos dessa situação.”(p. 20).

Dentro desse aspecto, Sanderson (2005) ainda ressalta que essa diferença poderá explicar a forma como homens e mulheres lidam com a situação do abuso sexual, os homens revidando e perpetrando a violência e as mulheres demonstrando mais problemas de saúde mental, tais como depressão e auto-mutilação.

Ao tratar do abuso sexual de meninos perpetrados por mulheres, Munro (2002) afirma que este fato não é aceito em muitas culturas, pois, segundo está posto em sociedades patriarcais, os homens estão sempre querendo e necessitando de sexo, eles são ativos e as mulheres passivas. Por outro lado, em muitas culturas os meninos são iniciados sexualmente pelas mulheres. Logo, tais experiências não são consideradas como abuso sexual, criando assim um mito em torno dessa questão, aumentando o silêncio de suas vítimas. Quando as perpetradoras são as próprias mães ou parentes mais próximos, como tias e avós, esse silêncio é ainda mais perturbador, sendo muitas vezes quebrado somente no espaço psicoterapêutico quando a vítima se torna adulta. A partir de sua experiência clínica, Munro (2002) relata que esse tipo de abuso cria uma lealdade maligna, onde o filho é comumente colocado na posição de marido, dentro da relação familiar. Ainda segundo esse autor, o abuso perpetrado pelo pai poderá parecer mais ameaçador, contudo quando o abusador é a mãe os efeitos poderão ser devastadores.

Cohen (2000) afirma que a violência sexual é muito mais ampla do que imaginamos e vai além das provas forenses, pois envolve atos por demais subjetivos: são trocas e carícias, quase que imperceptíveis, que fogem do alcance não só de nossos códigos penais, como também muitas vezes dos olhares de familiares e de profissionais "capacitados" e treinados para atuar. Ou, como nos diz Pinto Júnior (2003), é fundamental que se possam trabalhar os mitos, tabus e fobias, para uma melhor compreensão e entendimento de um problema que profissionais, pesquisadores e a sociedade como um todo, por várias razões, vêm negligenciando há muito tempo: a violência sexual doméstica contra meninos.

Em sua tese de doutoramento Pinto Júnior (2003) aponta que os homens não revelam o abuso sofrido mediante questões fechadas, pois a visão que cada um tem de ser ou não abusado pode ser muito diferente. Dessa forma, os resultados estatísticos podem variar amplamente, dependendo da habilidade do entrevistador e do tipo de instrumento que irá utilizar. Pesquisadores(as) podem também contribuir para a manutenção dos mitos e a baixa notificação da violência sexual de meninos ao fazer perguntas erradas em momentos errados.

Falar de violência sexual contra meninos nos remete necessariamente a duas categorias fundamentais para abordarmos melhor esse fenômeno, a saber: gênero e masculinidade. A

primeira é condição si ne qua non para compreensão das relações que se estabelecem no meio familiar, de que modo homens e mulheres se relacionam e lidam com questões como poder e dominação, desde que estamos tratando de violência doméstica. E, entendendo que a família é o

lócus vivendi dos seres humanos, entender como são construídas as relações de gênero e como se articulam com a violência passa a ser uma questão fundamental neste estudo. Em seguida, refletiremos acerca da condição de masculinidade, construída no processo de socialização de meninos e expressa nas relações familiares diversas. Dessa forma, a violência sexual contra meninos poderá começar a ser entendida e quiçá explicada. Discutiremos mais detidamente no próximo capítulo alguns elementos dessas dimensões.