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INCLUSÃO/EXCLUSÃO E DIFERENÇA

Tomando como referência os PCN para a construção da escola inclusiva, percebe-se a contradição quando as necessidades educacionais dos alunos são oficialmente definidas como necessidades educacionais normais ou especiais a partir do critério da diferença significativa.

Segundo Amaral (1998), pode-se chegar à definição de diferença significativa, desvio, anomalia ou anormalidade a partir de três critérios: o estatístico, o estrutural/funcional e a comparação entre alguém e o tipo ideal. O critério utilizado, na escola observada, foi a comparação, com a substituição do tipo ideal pelo tipo normal como subsídio para verificar aproximação ou distanciamento.

Amaral afirma que todas as pessoas, consciente ou inconscientemente, buscam se aproximar dessa idealização (nesse caso, normalização) porque o afastamento do tipo idealizado (normal), construído e sedimentado pelo grupo dominante, caracteriza a diferença significativa, o desvio, a anormalidade. Velho (1989) alerta sobre a patologização do desvio, colocando-a como “armadilha” que aprisiona aqueles que são assim categorizados.

Na perspectiva de uma proposta de inclusão tão ambígua, considera-se próprio denominá-la de inclusão classificatória. Nesse tipo especial de inclusão, a definição da

necessidade educacional fundamenta-se numa explicitação da diferença a partir de uma avaliação que leva a um juízo de valor evidenciando a superioridade de uns e a inferioridade de outros. Na escola observada, os professores e os alunos normais passam a “suportar” a presença dos D.A. e D.M. que ainda podem ser incluídos num único rótulo: os deficientes.

A identificação da diferença como deficiência invariavelmente resulta na atribuição de um rótulo. Para Goffmann (1982), quando as pessoas ou instituições atribuem rótulos, aquelas pessoas que são rotuladas, os desviados, são geralmente vistas como moralmente inferiores e, freqüentemente, interpreta-se sua condição ou comportamento como prova de sua culpabilidade moral. Segundo Apple (1982), avaliações e rótulos, clínicos, psicológicos e terapêuticos especializados (científicos) utilizados pelas escolas, podem ser interpretados não como algo que pode contribuir para o planejamento de intervenções, mas, de um ponto de vista crítico, como mecanismos pelos quais as escolas se empenham em anonimizar e classificar indivíduos abstratos. O aluno passa a ser aquilo que o rótulo diz que ele é e pode ser encaixado num determinado grupo que tenha esse mesmo rótulo. Qualquer aluno que não ouve ou não fala é incluído na categoria D.A. e qualquer aluno que apresenta dificuldade para aprender da maneira como o professor ensina é incluído na categoria D.M.

Olhando a pessoa na perspectiva clínica e de reforço, corre-se o risco de considerar a dificuldade como um problema com o indivíduo, como alguma coisa que falta antes no indivíduo que na instituição. Tomando o diagnóstico feito pelos profissionais como uma definição oficial e, portanto, correta, em geral toda ação se centraliza em mudar o indivíduo já que aqueles que o definem, os profissionais e o contexto institucional mais amplo, são inquestionáveis.

Os rótulos institucionais, especialmente aqueles que implicam algum tipo de desvio, podem atribuir um status inferior aos que são rotulados. Além disso, a relação do educando rotulado com a instituição geralmente é condicionada pela categoria que o identifica. A pessoa (o educando) passa a ser apenas seu rótulo que, em geral, se torna permanente pelo fato de as instituições, colocando o desvio no aluno, muitas vezes não conseguirem descobrir as condições que fizeram com que aquele aluno chegasse àquele rótulo, impedindo sua reclassificação e, muitas vezes, desenvolvendo formas de tratamento que tendem a confirmar a pessoa na categoria institucionalmente adotada.

Os rótulos não são neutros, eles têm um significado moral e social. Quando uma pessoa é rotulada como deficiente, ela não recebe simplesmente um rótulo, ela recebe a

marca do desvio, da anormalidade, da inferioridade e sua aplicação na escola produz um impacto profundo e permanente.

Para Goffmann (1982), qualquer rótulo, no caso deficiente, e tudo o que vem com ele, será usado por todos (comunidade escolar) para defini-lo. O rótulo é o que vai definir a conduta de todos para com o rotulado. Essa relação permeada pela diferença do outro apóia uma profecia de auto-realização. O professor e toda a comunidade escolar lidam com a pessoa que foi rotulada pela instituição como diferente ou desviado, adotando os valores do sistema social que a definiu, assumindo que os juízos feitos pela instituição e baseados nesses valores são as medidas válidas de normalidade e competência sem questioná-los seriamente.

A avaliação como processo de rotulação, portanto, tende a funcionar como uma forma de controle social, um sucedâneo avaliativo, tornando-se um dos mecanismos com que as escolas procuram homogeneizar a realidade social. A rotulação, por ser precisa e ter um cunho de cientificidade, possibilita um consenso moral, ético e intelectual.

Dessa forma, desviando o problema para o educando, o educador exime-se de examinar o contexto institucional, social e econômico que fez com que esses rótulos abstratos fossem atribuídos a um indivíduo concreto.

Na escola observada, os professores se referiam aos D.A. e aos D.M. como se não fossem pessoas, indivíduos, mas uma massa amorfa. Percebeu-se que “os incluídos”, os D.A. e os D.M., eram ignorados pela maioria dos professores que consideravam que a obrigação deles era com os alunos normais, pois se formaram para trabalhar com esses e não com os deficientes, se quisessem trabalhar com deficientes teriam feito a formação em educação especial. Paradoxalmente, pareciam esperar que os deficientes, por terem a concessão de estarem naquele ambiente, se tornassem iguais aos colegas para merecerem permanecer ali.

Segundo os PCN, a avaliação dos alunos com deficiência para definir quais adequações curriculares serão feitas para ele visa oferecer o tratamento adequado. Para Apple (1982), a própria definição de um estudante como alguém com necessidades desse determinado tratamento é prejudicial, pois essas definições são essencializadoras, levam a confundir o estudante com sua deficiência e tendem a ser generalizadas a todas as situações com que se defronta o indivíduo. Apple aponta o perigo de dar ao educador o direito de definir outro indivíduo, no caso, o aluno, como um aluno atrasado, um problema disciplinar ou outra categoria, pois isso possibilita ao educador prescrever tratamentos gerais: todos os alunos atrasados ou indisciplinados receberão o mesmo

tratamento. Muitas vezes, os tratamentos são prescritos a partir de uma generalização simplista e perigosa para o aluno. Esses tratamentos gerais, aparentemente neutros e úteis, podem ser ineficazes e, muitas vezes, prejudiciais.

No caso específico da escola observada, as salas de apoio foram montadas para que os alunos deficientes recebam tratamento adequado. Todos os alunos D.M. freqüentam a sala de apoio dos D.M. e recebem o mesmo tratamento; todos os alunos D.A. freqüentam a sala de apoio dos D.A. e recebem o mesmo tratamento. As pessoas que têm deficiência auditiva têm em comum a perda auditiva e, algumas vezes, dentro de uma comunidade, podem precisar dos mesmos recursos para a comunicação, mas isso não as torna idênticas; portanto, podem apresentar necessidades educacionais iguais em alguns aspectos e diferentes em outros. Com as pessoas que são rotuladas como deficientes mentais, essas diferenças são mais evidentes. Apesar de terem em comum a afirmação da escola de que elas não aprendem, a razão disso é muito variada: umas são rotuladas de deficientes mentais porque sua dificuldade para aprender está vinculada a questões de cunho afetivo-emocional, outras por questões cognitivas e outras ainda por questões socioeconômicas. Assumir que há diferenças individuais, mesmo entre aqueles que recebem o mesmo rótulo, é razão suficiente para inviabilizar o oferecimento de um único tratamento para todos.

Apple(2000) afirma que a escola não é um espelho passivo, mas uma força ativa que legitima as ideologias e as formas econômicas e sociais tão estreitamente ligadas a ela, demonstrando haver uma finalidade ideológica na rotulação social e a conseqüente diferença na distribuição do conhecimento em sala de aula, quando diferentes tipos de estudante recebem diferentes tipos de conhecimento, visando destinar os indivíduos a seu lugar adequado.

Há uma finalidade ideológica na escolha do que é incluído e do que se exclui, do que é importante para alguns e do que não tem importância para outros. Na escola onde o conhecimento é “filtrado” pelo professor, convém questionar através de quais categorias de normalidade e desvio esse conhecimento é filtrado. Investigando estas questões, podemos encontrar as pistas para demonstrar como as normas sociais, as instituições e as regras ideológicas são continuamente mantidas e mediadas pela interação diária dos atores comuns, na medida em que exercem suas práticas.

Segundo Apple (1982), muitas das reformas propostas pelos burocratas das escolas e as razões que se encontram por trás dessas reformas tiveram o mesmo efeito: essencialmente o de prejudicar e não o de ajudar, ocultar questões básicas e conflitos éticos em lugar de contribuir para nossa capacidade de enfrentá-los honestamente.

Como demonstrou Gramsci (apud Apple, 1982 p.89), o controle do conhecimento que preserva e produz setores de uma sociedade é um fator decisivo no aumento da dominação ideológica de um grupo de pessoas ou de uma classe sobre grupos ou classes menos poderosas.

A questão não é negar que existem diferenças entre as pessoas, porém é importante salientar que o rótulo pode esconder a questão básica de pesquisar as condições em que um grupo de pessoas rotula outras como desviadas ou aplica-lhes alguma outra categoria abstrata. Esse sistema lingüístico, como é aplicado comumente pelos burocratas das escolas, não cumpre uma função psicológica que se espera, serve para abater e degradar aqueles indivíduos e classes de pessoas a quem se conferem tão rapidamente as designações. (APPLE,1982,p.204). Os desvios de expectativas institucionais geralmente resultam na imposição de limites por parte dos que se defrontam com esses indivíduos desviados. Além disso, faz com que a escola trabalhe com um estereótipo e não com a pessoa, preservando a ilusão reconfortante de que essa pessoa está sendo ajudada.

Segundo Mantoan (2000), para que os alunos com deficiência obtenham sucesso na escola regular é necessário que a escola reconheça que as dificuldades escolares não são apenas desses alunos; existem muitos outros alunos que também não estão aprendendo nesta mesma escola. Essas dificuldades resultam, em grande parte, do modo como o ensino é ministrado e a aprendizagem é concebida e avaliada.

Pensar a inclusão na escola exige pensar a diversidade humana presente nela e considerar que cada aluno é diferente, como são diferentes os professores e as escolas, não são diferentes apenas os alunos deficientes. Assumir que apenas alguns são diferentes pode levar ao que afirma Apple (1982) acerca dos educadores, quando diz que eles desenvolveram categorias e modos de percepção que reificam ou coisificam os indivíduos, para que eles (os educadores) possam enfrentar os estudantes antes como abstrações institucionais que como pessoas concretas, com as quais mantêm laços reais no processo de reprodução cultural e econômica.

Percebe-se, então, que a proposta de inclusão na escola, desenvolvida pelo MEC e baseada na diferença significativa, no rótulo, no tratamento adequado, ratifica a escola como lugar da exclusão da diferença e do não reconhecimento da humanidade como diversa.