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3.3 SOBRE OS AUTORES, AUTORES-ATORES E OS ATORES

3.3.3 SOBRE OS ATORES

As professoras responsáveis pela inclusão nessa escola apresentam dois tipos diferentes de inclusão: a dos D.M. e a dos D.A.. Os D.M. precisam apresentar um determinado nível de escolarização para serem indicados e admitidos na escola regular. Os D.A. precisam ter um tipo de preparação (socialização) para serem admitidos na escola regular e para eles a escolaridade não é considerada importante. Supõe-se que essa diferença deve-se à expectativa que a escola tem em relação a cada um dos grupos: os D.M. têm que responder ao conteúdo porque os professores podem se comunicar com

eles; os D.A. buscam uma integração social porque os professores e os colegas não conseguem se comunicar com eles.

Percebe-se o reconhecimento do outro pelo rótulo, na verdade pensa-se a inclusão por grupo sem considerar a existência de cada ser, único. O empacotamento das pessoas como D.A., transformando-as na própria deficiência, fazendo com que, por serem surdos, formem um grupo homogêneo, indissociável, a partir da consideração de apenas uma característica comum a todos eles: não ouvem, têm uma deficiência. O que eles têm em comum é que são seres humanos e, como surdos precisam desenvolver instrumentos para a comunicação com os ouvintes, ainda que esses instrumentos não sejam sempre os mesmos para todas as pessoas que têm a mesma deficiência.

Quanto às pessoas que são homogeneizadas como D.M., elas também possuem uma característica aparentemente comum: em algum momento, apresentaram dificuldade para aprender alguma coisa que alguém na escola queria ensinar. É preciso considerar que essa não aprendizagem, real ou aparente, pode ter etiologia diversa. Nesse grupo estão pessoas com alterações da percepção, das representações, dos juízos, do raciocínio, da memória, da atenção, da afetividade, da atividade voluntária, das tendências vitais e da linguagem, necessitando, cada uma, de um olhar cuidadoso sobre ela para que possa ajudá-la a ultrapassar os atuais limites. Quando empacotados e colocados sob o mesmo rótulo, eles passam a ser vistos como “uma coisa só”. As pessoas que apresentam funcionamento cognitivo diferenciado são especialmente difíceis de serem colocadas num único rótulo, porque as questões que elas apresentam são tão várias quantas são as pessoas, além disso, essas questões não são tão evidentes, necessitam de muita observação para serem identificadas e de muitos recursos para serem trabalhadas.

Talvez sejam essas as razões da dificuldade que os profissionais da Escola apresentam para conceituar a deficiência mental. A psicopedagoga afirma que deficientes mentais são as pessoas que chegaram aos 14 anos e não alcançaram a escolaridade. A coordenadora pedagógica diz: todo menino que não consegue aprender nada, em lugar nenhum, é deficiente mental. A professora responsável pela inclusão do D.M. afirma que este rótulo é dado a pessoas com dificuldade de fala, com deficiência física e até com problema de comportamento.

Os alunos que freqüentam a escolarização e são candidatos à inclusão estão numa faixa etária de 14 a 32 anos, e deverão ser incluídos num grupo de alunos com idade variando entre 10 e 13 anos.

freqüentam nos dois turnos: um turno na sala regular e outro na sala de apoio. Além disso, em qualquer situação de dificuldade, mesmo em sala de aula, recorrem imediatamente às professoras das salas de apoio. Elas assumem a responsabilidade pela aprendizagem e pelas atitudes dos “seus” alunos e estão sempre prontas a encontrar uma solução para as ocorrências. A professora responsável pela inclusão dos D.A. coloca: eu dizia a eles: não se preocupe, o professor vai falar português, ele não sabe ensinar, não cobre, deixe que eu venho e vou ensinando. Em outro momento ela coloca: Fique atenta, dizia a eles: se alguma pessoa aprontar, você me dá o nome [...] Você vai abrir o livro, vai ler, se eu não estiver, venha me chamar [...] Você não vai mais deixar ele fechar o livro e dizer: você não vai ler porque você é surda, você não vai deixar. Ele não vai fechar e você vai abrir e vem me chamar. Essa professora interfere no trabalho de outros professores ao ministrarem suas respectivas disciplinas sem acordo prévio, conforme ela relata:

Um dia esse professor passou um poema de Cecília Meireles [...] Aí eu fui lendo. Procurei o livro e procurando um poema assim mais fácil que desse para eles ler. Treinei com eles e quando eles já sabiam, eu disse: aí pessoal, está pronto, eles podem ler. Aí fui e disse aos meninos: vocês vão para frente! E eu disse: você vai mostrar a importância da sua língua agora... Eu estava fazendo com eles assim como se fosse uma apresentação, mas, na verdade, era uma leitura. (PROFESSORA 3, anexo 3, p.108/109)

Os alunos que estão na inclusão não moram, necessariamente, no bairro onde se localiza a escola ou próximo dele. Muitos alunos moram distante, porém não têm problema para freqüentar a escola distante da sua residência porque eles possuem o passe livre com direito a acompanhante, portanto têm acesso a qualquer ponto da cidade. Geralmente eles levam alguém da família ao trabalho e depois vão para a escola. Apesar de o passe livre ser com direito a acompanhante, a maioria deles sabe tomar transporte coletivo sozinho e têm como acompanhante alguém da família apenas para que esse acompanhante não pague o transporte. Eles dizem que estão “levando” o familiar para algum lugar. Alguns vão para a escola com algum membro da família que os deixa na escola e fica com o passe-livre para ir a outros lugares assumindo a identidade do dono do passe. Quando tem alguém da família desempregado, alguns faltam aula para “levar” o familiar para procurar emprego. Segundo a professora responsável pela inclusão dos D.M., a carteirinha é uma maravilha porque os alunos são de baixa renda. Estabelece-se uma relação entre pobreza e deficiência que serve para demonstrar o paternalismo existente na relação com as pessoas que apresentam deficiência já que tantos outros alunos de baixa renda não possuem carteirinha de passe-

livre e, muitas vezes, evadem da escola por morarem distante e não terem condição financeira para pagarem o transporte de suas residências até a escola.

Tomam-se, como os atores da inclusão, somente os alunos que a escola reconhece como pessoas com alguma deficiência porque fica bem nítido que a inclusão é apenas para os deficientes, levando-se a supor que os demais (alunos regulares) estão incluídos. Ao mesmo tempo percebe-se, na fala da coordenadora pedagógica, a contradição quando ela afirma:

[...] mas a minha preocupação maior é da inclusão dos ditos normais porque eu vejo esses meninos tão excluídos. Quando eu vejo um menino chegar na escola, que ele não consegue ler, aí eu digo assim: a gente tá tapando o sol com a peneira, a gente tá querendo incluir uma coisa que a gente não está incluindo os outros. A gente tá querendo fazer tudo ao mesmo tempo, e não está fazendo nada. (PROFESSORA 2, anexo 2, p.99)