1 UMA NOVA RACIONALIDADE NA QUESTÃO ENERGÉTICA
2.3 O SISTEMA INSTITUCIONAL IDEAL
2.3.2 Inclusão social e preservação cultural
O desenvolvimento social tem uma relação estreita com a implantação da
racionalidade ambiental. A atividade econômica não só sobrevive às custas da
apropriação dos recursos naturais para a produção de bens, mas influencia o
ambiente ao redor com os processos industriais utilizados. Assim, é vital para a
sociedade o equilíbrio entre a produção e a gestão dos grupos sociais envolvidos, já
que o dispositivo constitucional de um meio ambiente equilibrado representa, ou
deveria representar, entre outros aspectos, a garantia do bem estar de todos.
Deve ser levado em conta que o bem estar proposto pela Constituição
Federal de 1988 revela duas perspectivas. A primeira é voltada à capacidade de
sustento e exercício da cidadania. Seria, grosso modo, a garantia das condições de
higiene, alimentação, saúde e educação, bem como os instrumentos necessários
para obtê-los. Em um modo de produção capitalista, esta perspectiva do bem estar
estaria vinculada à capacidade de o cidadão possuir recursos financeiros suficientes
para as necessidades apontadas acima. Nesse sentido, os desequilíbrios sociais
podem ser considerados como inconstitucionais.
A segunda está voltada à integridade da estrutura social local e demanda
exame mais aprofundado. Representa a preservação cultural das variadas
estruturas sociais componentes do país, além do respeito ao princípio democrático
presente na estrutura política brasileira
84. Tal compromisso representa o dever do
Estado em preservar as estruturas sociais existentes, o que inclui, por exemplo, o
modo de produção de determinada comunidade agrícola, independente das
condições favoráveis ao desenvolvimento do mercado, dessa ou daquela espécie
vegetal. Ou seja, o Estado deve garantir a condição de produção agrícola e de
reprodução social do produtor agrícola, preservando o seu direito fundamental de
liberdade na escolha de seu estilo de vida.
A partir das obrigações expostas acima, a legislação deve refletir: a) o
compromisso do Estado em oferecer condições existenciais favoráveis ao sustento
do cidadão; b) proteção ao modo de vida da comunidade na qual está inserido.
desistirem de outras culturas e desabastecerem outras regiões do país, o que causaria um desequilíbrio socioeconômico e ambiental.
84 O princípio democrático representa, na contemporaneidade, o respeito e a garantia de continuidade de todos os grupos que compõem a sociedade.
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2.4 CONCLUSÃO
O sistema normativo que regulamenta o Programa Nacional de Uso e
Produção de Biodiesel apresenta um rol de incentivos para produzir combustível.
Estabelecem normas para modificação da política energética nacional pela
promoção de uma maior participação dos combustíveis de origem vegetal na matriz
energética, incentivos fiscais específicos aos produtores de biodiesel e estímulos à
inserção da agricultura familiar na cadeia de produção de combustível.
Preliminarmente, o Programa não trata de um limitador ao uso dos recursos
naturais disponíveis. Trata-se de uma substituição à utilização de combustíveis
fósseis, sem preocupação com o aumento indiscriminado da escala produtiva. Visto
que o próprio governo federal determina o aumento da fronteira agrícola para
satisfazer a demanda brasileira por energia, há a preferência clara por aumentar a
energia disponível em detrimento de novas fontes que não necessitem de novas
terras cultiváveis. Representa, nesse ponto, somente uma forma de garantir o
sistema produtivo econômico em crescimento.
Em relação à diretriz de política energética, determinou a criação de uma
demanda de combustível por meio da inserção de um percentual de volume de
biodiesel no diesel fóssil comercializado no Brasil. A partir da obrigatoriedade da
mistura, viabilizou economicamente a produção de biodiesel e a formação de um
mercado produtor/consumidor. O sistema de leilões públicos de biodiesel é claro em
atestar o sucesso do sistema, já que consegue arrematar todos os lotes
disponibilizados para compra.
Já os incentivos sociais são vinculados de duas formas. A primeira, procura
incluir os agricultores familiares no processo produtivo. Por meio de incentivos
financeiros aos produtores de combustível, proporciona melhores preços de
aquisição de matéria-prima aos agricultores filiados, o que aumentaria a renda
desses e os fixaria no campo. A segunda busca a integração regional: incentiva
especificamente a produção por agricultores familiares das regiões Norte e
Nordeste, o que representa uma clara tentativa de melhorar as condições de vida
dessas regiões.
Devemos nos ater, ainda, às recomendações ambientais do programa. A
legislação dispõe de incentivos econômicos, sobretudo fiscais, para a produção de
combustível por fontes diversificadas. Não representa somente isso, pois as normas
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são claras em evitar a monocultura da soja na produção de biodiesel e incentivar a
pesquisa em outras fontes de combustível, como a canola, a mamona, dentre outros
vegetais. Embora a soja já seja uma cultura pronta para a formação do mercado de
biodiesel, deverá paulatinamente ser substituída por outras fontes produtoras.
Por fim, a produção de combustível deverá atender ao Art. 225 da
Constituição Federal. Significa afirmar que a produção de biodiesel, embora deva
ser economicamente viável, precisa ser realizada com o menor dispêndio de
recursos naturais possível. Mais ainda, deverá refletir, também, o equilíbrio do
sistema produtivo: a produção de combustível não poderá promover uma corrida dos
agricultores em produzir insumos para combustível em detrimento de outras
culturas, muito menos desestruturar sistemas de produção culturalmente
tradicionais.
A partir das diretrizes normativas de que dispomos na legislação brasileira de
estímulo ao biodiesel e das considerações acerca da racionalidade de produção de
energia presente no Brasil, é possível observar a aplicabilidade dessas normas na
região escolhida para desenvolvimento da pesquisa.
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3 ESTUDO DE CASO: BSBIOS MARIALVA
Para e realização da pesquisa de campo, foi traçado o perfil de aproximação
do objeto de estudo aos objetivos do trabalho. A conclusão final apontou a
necessidade de um estudo de caso
85para avaliar agricultores familiares que
comercializassem matéria-prima para biodiesel e explorar as informações obtidas
desses por meio de entrevistas. Primeiramente, a entrevista possuiu o objetivo de
confirmar ou infirmar dados oficiais coletados, assim como buscou informações que
não seriam possíveis por meio de estatísticas oficiais
86. As entrevistas realizadas
foram semiestruturadas, ou seja, uma mescla de perguntas com respostas
delimitadas (fechadas) ou que permitissem comentários do entrevistado (abertas).
As entrevistas, cujo roteiro se encontra no Anexo I, estão divididas em quatro
grandes partes, cada uma voltada para uma perspectiva dos agricultores a ser
analisada:
a) Renda: Observar a influência do incremento de renda na dinâmica da
produção do agricultor. Identificar o destino dos ganhos percebidos, assim
como se são destinados ao aumento da produção de soja;
b) Acesso à energia e aumento do valor agregado da produção: verificação do
acesso à energia pelos agricultores; apontamentos acerca da agregação de
valor à produção no decorrer do ingresso do agricultor no programa;
c) Perfil de produção: verificar se o produtor é o proprietário da terra, assim
como se esse a ocupa anteriormente à formulação da política de biodiesel,
delimitar o perfil de produção do agricultor e desde quando o realiza. Além
disto, buscar apontar se houve alguma modificação desses comportamentos
a partir do momento em que passou a vender biodiesel. Por fim, observar se
os hábitos de subsistência foram modificados pela cultura de soja;
d) Observar experiências e incentivos à utilização de fontes alternativas à soja.
Identificar os motivos que impedem a diversificação e as possíveis soluções;
85 Tornou-se mais apropriado tal formato de estudo pela necessidade de estudar o tema em um campo mais reduzido e detalhado, assim como pela riqueza de informações da aplicação de uma política pública em um ambiente prático.
86 CORTES, Soraya M. Vargas. Técnicas de coleta e análise qualitativa de dados. In NEVES, Clarissa Eckert Baeta; CORRÊA, Maíra Baumgarten (orgs.) Pesquisa Social Empírica: Métodos e Técnicas. Cadernos de Sociologia, v.9. Porto Alegre: PPGS/UFRGS. p. 18.