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Nesse aspecto, cabe salientar a importância do que se convencionou chamar de indústria cultural na assimilação e difusão dos saberes circulantes na sociedade. Este termo foi cunhado por um grupo de intelectuais da Escola de Frankfurt e encontra-se implicado na elaboração de uma teoria social denominada teoria crítica.

Como destaca FREITAG (1990), o conceito de indústria cultural, divulgado por Adorno e Horkheimer em A Dialética do Esclarecimento em 1947, expressava a visível existência de um setor da produção da cultura

comprometido com as estruturas de mercado. A utilização do rádio, do cinema e dos meios impressos existentes, como instrumentos de propaganda política de regimes autoritários, durante particularmente a ascensão de regimes totalitários, e a incorporação destes meios na perspectiva de valorização do

American Way of Life, fez com que estes autores - nos Estados Unidos, país

onde se encontravam exilados e que dispunham de uma indústria de informação e de entretenimento mais empreendedora e massiva - estabelecessem relações de proximidade entre autoritarismo econômico- político e fascismo cultural.

O conceito de indústria cultural busca, então, identificar a forma como a arte, as idéias e os valores espirituais se submeteram à condição de mercadoria. Assinala-se, dessa forma, que mesmo que determinados artefatos culturais venham a ter isoladamente qualidades que se diferenciem dos padrões medianos, ainda sim constituem segmentos que buscam a integração do consumidor à lógica da circulação da mercadoria. Entretanto, a indústria cultural não pode ser reduzida à mais uma modalidade produtiva, pois sua concepção relaciona-se à alienação do trabalhador assalariado, ocupando seu espaço e tempo de lazer e criando a ilusão de felicidade imediata, traduzida no consumo intensivo e compulsório que é apresentado como caminho para os indivíduos atingirem a sua realização pessoal, esvaziando de suas vidas qualquer possibilidade de visão crítica da realidade.

No entanto, a indústria cultural não somente cria um objeto para o sujeito, mas torna-o mais um objeto, ao “criar” necessidades, incluindo as de natureza informativa e aquelas que conduzem ao consumo desenfreado de mercadorias, subvertendo a lógica entre ser e ter. Dessa forma, a partir da diferenciação entre necessidades “reais” e “falsas”, a teoria crítica fundamentou a tese de que existe um processo de criação de necessidades fictícias que são impostas aos indivíduos. O que permitiria essa manipulação e controle sobre os indivíduos é a técnica, ressaltando a importância da publicidade em sua função de criar nos consumidores o desejo de consumir

além das necessidades “reais”, induzindo, dessa forma, ao consumo constante. Dentre as críticas imputadas aos pensadores frankfurtianos, a sistematização realizada por FREITAS (2001) indica que:

“Para os autores que operam no interior dessa teoria, os indivíduos são vítimas passivas, sendo representados como consumidores acríticos. Eles são parte da massa para a qual se destinam os produtos da indústria cultural. Como massa, esses indivíduos estão completamente à mercê dos efeitos gerados pela esfera da produção e, ou, da indústria cultural. Desaparece, dessa forma, quase totalmente, a possibilidade dos indivíduos constituírem-se como seres autônomos”

(FREITAS, 2001: 22).

O embotamento das consciências críticas dos sujeitos, através de uma suposta influência maléfica dos meios de comunicação de massa traduz uma visão que tem como premissa a tese de que quem fala ou transmite um texto ou imagem exerce um poder unilateral sobre quem ouve e olha. Dessa forma, a integração da sociedade nos tempos modernos seria feita pela produção de mensagens indiferenciadas, dirigidas a um público indiferenciado, uma vez que a tecnologia que envolve a indústria cultural garantiria essa dominação através de sua enorme capacidade de eliminação das consciências individuais. A tecnologia, então, teria envolvido a todos, não havendo mais a possibilidade de existir uma consciência individual, ou seja, uma parte autônoma que poderia escapar às relações de dominação.

Nesse sentido, na sociedade moderna a “autonomia relativa”, que se caracteriza pela possibilidade de separação entre ilusão e realidade, não mais existiria, pois, a ilusão se generaliza e transforma-se na própria realidade. Nesse caso tudo estaria subjugado às relações de dominação impostas pela tecnologia, inclusive, pelos meios de comunicação. Assim, a realidade passa a ser a extensão do que se vê na tela.

Entretanto, apesar da indústria cultural operar dentro de um sistema capitalista que tende a uniformizar o processo de produção e de consumo, ela não se articula somente no momento da produção, mas é preciso considerar na análise desse processo de comunicação também a recepção. A cultura, mesmo dentro do processo de industrialização, não pode ser considerada apenas enquanto mercadoria que cede, simplesmente, a pressões materiais, mas, sim, deve-se levar em conta que ela o faz de acordo com um esquema simbólico próprio, particular, que nunca é o único possível, pois o simbólico é também uma ação social dependente de uma relação social. Diante disso, sugere-se, então, a impossibilidade de se pensar a indústria cultural como um corpo coeso, por onde a ideologia, sistematizada, possa fluir sem problemas, sem resistências10.

Portanto, depois de meio século do aparecimento da expressão indústria cultural, que também assinalou o equívoco de pressupor que a cultura de massa emergente era uma expressão identificadora da espontaneidade da cultura popular, boa parte da produção de teóricos de comunicação passou a formular o argumento do envelhecimento desta categoria e da extemporaneidade da teoria crítica para produzir conhecimento no contexto das novas tecnologias que combinam informática, virtualidade e hibridismo dos suportes. A alcunha de apocalíptica – terminologia criada por ECO (1970) – a-histórica e idealista passou a ser uma mácula para supor o anacronismo da Escola de Frankfurt, ainda mais em admitir sua capacidade de intervir no contexto histórico das novas tecnologias de comunicação.

Ainda assim, acredita COSTA (2002), que o refluxo da teoria crítica – admitida como método historicamente superado para produzir conhecimento na área de comunicação – é decorrente de um juízo falso: o de que estaria delimitada a um tempo que a crítica negativa era necessária para se opor às estruturas e governos autoritários. Afirma ele que, as novas tendências de teorização dos fenômenos da cultura midiática não podem colocar à margem a investigação estética, política e de crítica negativa exposta pelos

frankfurtianos. Ressalta, entretanto, que isso não significa retomar os clássicos fora de seu contexto histórico, separando-os de suas conjunturas de análise, incorporando-os sem mediação com a etapa presente do capitalismo tardio e da produção cultural.