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4 DEMONSTRAÇÃO DA INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE

4.1 Indicação do tratamento assimétrico sofrido pelas seguradas da Previdência Social

Após se estudar pormenorizadamente no que consiste o princípio da igualdade jurídico e já se tendo uma sólida base acerca dos conceitos e institutos da Previdência Social mais relevantes, pode-se dar início a uma análise crítica a respeito da (in)aplicação do princípio supracitado frente a discriminação de cunho sexual imposta pela lei para a obtenção do benefício da aposentadoria; seja por tempo de contribuição, por idade, no meio rural, no regime dos professores e no regime previdenciário próprio dos servidores públicos.

Como já mencionado neste trabalho (seção 3.6), a própria Constituição Federal vigente – valendo-se rememorar, redigida há mais de 20 anos –, nos incisos do parágrafo sétimo do art. 201, institui normas em parâmetros desiguais dependendo do sexo do contribuinte do sistema previdência, como se mostra a seguir:

Art. 201. § 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

I - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher; (Incluído dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

II - sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. (Incluído dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

Nitidamente a Lei Maior exige dos trabalhadores homens trinta e cinco anos de contribuição para com a Previdência Social para que tenha direito à aposentadoria por tempo de contribuição. À mulher, todavia, demanda-se cinco anos a menos para a aquisição do mesmo benefício, sem esclarecimento algum.

O mesmo raciocínio é empregado na aposentadoria por idade: requer-se ao homem uma idade mínima de sessenta e cinco anos, enquanto que à mulher esse número é mais uma vez reduzido em cinco anos.

Estranhamente, contrariando toda a lógica – seja essa qual for! – que se emprega ao versar sobre os benefícios previdenciários, a legislação não vê necessidade em adotar medidas

desiguais em relação à segurada em se tratando do período de carência e do período de graça. Nesse aspecto, pelo menos, respeita-se o princípio da igualdade jurídica, bem porque não há razão para conceder um lapso temporal de carência e de graça maior nem menor ao segurado dependendo somente de seu sexo.

Apesar de contrair o direito à aposentadoria independentemente da espécie dessa, cinco anos antes do homem, a mulher goza de períodos de carência e de graça idênticos daqueles quando em mesmas circunstâncias. As regras e peculiaridades desses institutos, de maneira antagônica ao ocorrido em grande parte dos demais, ignoram inteiramente o sexo do sujeito de direitos em questão.

Relativo ao fator previdenciário, o mesmo não sucede, embora seja esse baseado em cálculos matemáticos. Mensurando-se através de variados elementos – tempo de contribuição do trabalhador, alíquota de contribuição, expectativa de sobrevida do segurado na data da aposentadoria e idade desse nesse mesmo momento179 –, é acrescido ao tempo de contribuição cinco anos caso o beneficiário venha ser uma mulher. Isso assim se dá cobiçando-se retificar o desnivelamento existente entre essa e um segurado homem concernente ao tempo de contribuição desse exigida formalmente pela lei.

A Constituição Federal, bem como a legislação previdenciária, salienta-se por derradeiro, não só estabelece requisitos distintos para a aquisição da aposentadoria com fundamento exclusivamente no sexo do segurado como demonstra nenhuma preocupação nem acanhamento ao fazê-lo. Em momento algum se vislumbra no texto constitucional e nas leis da Seguridade Social uma explicação, mesmo que precária, sobre a motivação de se estipular um tratamento desarmonioso entre os contribuintes de diferentes sexos. Simplesmente se aceita a existência de pressupostos distintos como se naturais fossem, desnecessitando-se assim de qualquer justificação sobre a mesma.

Não se percebe causa jurídica, natural nem social que possa embasar a diferenciação legal na atualidade. Tentando-se entender o emprego de tal pensamento, assim, mostra-se mister um exame sobre a participação feminina no mercado de trabalho.

4.2 A mulher no mercado de trabalho

Para compreender a atual situação da mulher na Previdência Social, aconselhável é analisar a relação daquela com o mercado de trabalho.

179 Ministério da Previdência Social. Fator previdenciário. Disponível em:

Foi com o avanço do capitalismo industrial que essa inclusão deu-se de forma efetiva. Nessa fase histórica também emergiu a bifurcação de valores entre o mundo da produção e o mundo doméstico180.

Somente a partir de 1970, no Brasil, a inserção da mulher no mercado de trabalho passou a ocorrer de forma mais expressiva181, tento crescido essa participação após 1980182. A explicação reside no “efeito do trabalhador adicional”:

em momentos de baixo crescimento econômico e/ou de queda dos níveis de remuneração, outros membros da família, especialmente a mulher, acabam sendo pressionados pelas circunstâncias a entrar no mercado de trabalho remunerado, com o objetivo de preservar o consumo domiciliar183.

Destarte, percebe-se que a ampliação da atuação feminina no mercado de trabalho deu-se tendo como propósito um acréscimo nos rendimentos familiares, principalmente em períodos de crise. Logo, essa crescente inclusão da mulher no ambiente laboral teve em sua gênese um caráter de “renda adicional”, não sendo a principal fonte de custeio da família nem se apresentando como uma atividade de caráter permanente, existindo apenas enquanto perdura-se a situação financeira precária.

Tendo essa origem, acabou-se por se desenvolver um pré-conceito correlativa à atividade laboral feminina, sendo de tal modo considerada como “acessória” a outra: a renda proveniente do trabalho do pai, do marido, do irmão, do homem.

Ocorre que atualmente o número de mulheres empregadas vem crescendo, o que significa que o número de aposentadas elevar-se-á dentro de alguns anos, ganhando ainda mais importância a matéria previdenciária nesse aspecto.

Conforme dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a população ocupada (PO) feminina, em 2011, ainda era inferior a dos homens, correspondendo a cerca de 45,4%. Entretanto, o que se inferiu em comparação aos dados de 2003 foi um maior crescimento do nível de ocupação das mulheres. A presença feminina também era

180 REZENDE, Elma de Fátima. Os múltiplos papéis da mulher trabalhadora: um olhar do Serviço

Social. Disponível em: <http://catolicaonline.com.br/revistadacatolica2/artigosv3n5/artigo17.pdf>. Acesso em: 20 out. 2013. p. 05.

181 FRANÇA, Ana Letícia; SCHIMANSKI, Édina. Mulher, trabalho e família: uma análise sobre a dupla

jornada feminina e seus refl exos no âmbito familiar. Disponível em:

<https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=10&cad=rja&ved=0CFcQFjAJ&url =http%3A%2F%2Feventos.uepg.br%2Fojs2%2Findex.php%2Femancipacao%2Farticle%2Fdownload%2F687% 2F641&ei=ZShjUo78E4Km9gSnsYFo&usg=AFQjCNHqA_-Y9qahws-

YK7wPDPVekRfWIw&bvm=bv.54934254,bs.1,d.aWc>. Acesso em: 19 out. 2013. p. 72.

182 GIAMBIAGI, Fábio; TAFNER, Paulo. Demografia: a ameaça invisível: o dilema previdenciário que o Brasil

se recusa a encarar. Rio de Janeiro: Elsevir: Campus, 2010. p. 112.

majoritária, em 2011, na população desocupada (PD) e na população não economicamente ativa (PNEA). Em média, elas totalizavam 11,0 milhões de pessoas na força de trabalho, sendo, 10,2 milhões ocupadas e 825 mil desocupadas. Na inatividade, o contingente feminino era de 11,5 milhões de pessoas. Confrontando com a pesquisa de 2003, o crescimento da participação das mulheres na população economicamente ativa (PEA) foi de 1,8 ponto percentual (de 44,4% para 46,1%), No mesmo ínterim, a proporção de mulheres na população desocupada e na população ocupada tiveram elevação de, respectivamente, 3,3 e 2,4 pontos percentuais184.

Interessante ressaltar que segundo os dados do IBGE de 2011 a proporção de mulheres ocupadas entre 25 e 49 anos de idade foi superior a dos homens que se encontram na mesma faixa etária: enquanto 63,9% estavam ativas no mercado de trabalho, 61,0% deles estavam ocupados. Ainda, a porcentagem da população feminina de 50 anos ou mais de idade na população em idade ativa (PIA) era de 31,4% nesse ano, enquanto a dos homens foi de 26,9%. Já as mulheres ocupadas com 50 anos ou mais de idade alcançavam 20,9%, percentual próximo ao dos homens ocupados nessa mesma faixa etária, de 22,9%185.

Esses resultados quando analisados conjuntamente com os obtidos em 2003 revelou que o grupo de pessoas com 50 anos ou mais idade foi o que teve maior crescimento na população ocupada, sendo de aproximadamente 5,0 pontos percentuais para ambos os sexos. Porém, vale ressaltar que esse grupo etário foi o que mais cresceu na PIA nos últimos anos, de 23,3% em 2003 para 30,1% em 2011, contra 44,9% em 2003 para 43,4% em 2011 na faixa de 25 a 49 anos de idade. Dessa forma, pode-se perceber que o envelhecimento da população ocupada reflete o da população em geral186 e esse número, desnecessário falar, exerce consequências diretas na Previdência Social e em especial no benefício da aposentadoria.

O que se percebe hoje é que “o trabalho da mulher já não é visto somente como complemento da renda familiar. Contrariamente, na maioria das vezes é tido como sendo o rendimento basilar da família, mesmo diante do preconceito e a desigualdade que predominam nas relações de trabalho”187

.

184 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Mulher no mercado de trabalho: perguntas e respostas.

Disponível em:

<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/Mulher_Mercado_Trabal ho_Perg_Resp_2012.pdf>. Acesso em: 14 out. 2013.

185 Id. Ibid. 186 Id. Ibid.

Apesar das diversas alterações que a legislação pertinente à Previdência Social – e em especial as relacionadas à aposentadoria – sofridas ao longo dos anos, o descaso com as seguradas manteve-se até os dias contemporâneos.