• Nenhum resultado encontrado

Indicadores de qualidade no doente crítico

1.3. Avaliação da Qualidade em Medicina Intensiva

1.3.2. Indicadores de qualidade no doente crítico

O Decreto-Lei n.º 212/2006, de 27 de outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 234/2008, de 02

de dezembro, conferiu à DGS, de entre as várias atribuições, a promoção do desenvolvimento,

implementação, coordenação e avaliação de instrumentos, atividades e programas de melhoria

contínua da qualidade clínica e organização.

Dados estes considerandos, medir e avaliar a qualidade nos serviços de saúde e nos programas

de melhoria contínua, torna-se a chave-mestra para que ocorra uma adequada organização,

planeamento e coordenação/controlo das atividades desenvolvidas cujo principal objetivo é a

própria medição dos resultados, dos processos e da estrutura utilizada, assim como as

potenciais repercussões e influências geradas. Este interesse transformou-se numa

metodologia de trabalho à medida que se foram desenvolvendo ferramentas que permitiram,

em primeiro lugar, medir o nível de qualidade.

Os primeiros registos documentados de uma avaliação da qualidade em saúde remontam à

segunda metade do século XIX, no momento em que Florence Nightingale estudou as taxas

de mortalidade dos hospitais militares aquando da guerra da Crimeia. Também, Ernest

Codman, co-fundador do Colégio Americano de Cirurgiões, é considerado um percursor nesta

temática, quando em 1912 desenvolveu um método de classificação e medição da qualidade

cirúrgica.

Em 1918, foi publicado o primeiro “documento padrão” pelo Colégio de Cirurgiões,

iniciando-se assim o movimento de padronização dos hospitais americanos através de um

conjunto de normas que especificavam os valores standard mínimos que um hospital deveria

cumprir para uma prestação de cuidados com qualidade (Neto & Gastal, 1997).

A criação da Joint Commission on The Accreditation of Hospitals, em 1951, destacou-se

como um novo marco no cumprimento de standards de qualidade pré-estabelecidos na área

da saúde, mais especificamente, em centros hospitalares. Ao longo da sua evolução e

desenvolvimento de novas metodologias no âmbito da qualidade em saúde, esta organização

estendeu a sua área de atuação ao nível de outras organizações de saúde, motivo pelo qual,

alterou o seu nome para Joint Comission on Accreditation of Healthcare Organizations

(JCAHO).

Nos anos 80, esta instituição, exigiu a todos os centros que se encontravam sob um programa

de acreditação, planos de qualidade integrados a nível global, estabelecendo-se, em 1986, um

standard que implementava os sistemas de monitorização e, consequentemente, o seu

desenvolvimento metodológico. Apesar de algumas resistências, os sistemas de monitorização

da qualidade foram concebidos como uma valorização global de todo um serviço de saúde e

não apenas das áreas problemáticas detetadas. Esta metodologia pressupõe, ainda hoje, a

realização um novo processo de “dimensionamento” num determinado serviço de saúde ou

centro, o estabelecimento das principais áreas de ação e a criação de indicadores que

permitam medir esse mesmo processo. Estes indicadores, avaliados periodicamente, permitem

a visão agrupada da qualidade de um serviço ou organização, bem como a possibilidade de

atuação em áreas consideradas deficitárias.

Em 1990, o University Hospital Consortium, nos Estados Unidos da América, que concentra

mais de 50 hospitais universitários de todo o país, realizou um compêndio de indicadores

clínicos que abrangem a maioria das especialidades médicas. Também em 1991, após

sucessivas atualizações, J. G. Carrol publica “Monitoring with indicators”.

Finalmente, foi em 1995, através do Australian Council of Healthcare Standards, que se

introduziu no seu programa de avaliação, os indicadores clínicos das UCIs, elaborados

paralelamente com a Sociedade de Cuidados Intensivos Australiana e da Nova Zelândia.

Em Portugal, foi desenvolvido o Sistema Nacional de Avaliação em Saúde (SINAS), um

sistema de avaliação da qualidade global dos estabelecimentos prestadores de cuidados de

saúde, desenvolvido pela ERS, como resposta à alínea b) do artigo 36.º do Decreto-Lei nº

127/2009, de 27 de maio, que a incumbe de “promover um sistema de classificação de saúde

quanto à sua qualidade global, de acordo com os critérios objectivos e verificáveis, incluindo

os índices de satisfação dos utentes” (p.3327).

Este projeto procura ainda agregar todas as exigências apresentadas no ponto 3.75 do

memorando, determinado entre o Governo Português, a Comissão Europeia, o Banco Central

Europeu e o Fundo Monetário Internacional, que preconiza a formulação de um sistema que

permita a comparação do desempenho das instituições com base num conjunto abrangente de

indicadores.

O SINAS é um sistema modular de avaliação da qualidade, a nível multidimensional, que

procura obter mais e melhor informação sobre a qualidade sistema de saúde, uma melhoria

contínua dos cuidados prestados e um incremento da capacidade de análise do utente. Num

dos vários módulos deste sistema, o desempenho dos estabelecimentos de saúde é analisado

em diversas áreas clínicas, através de um conjunto de indicadores, nomeadamente a área

respeitante às unidades de cuidados intensivos. A informação disponibilizada reflete o

resultado do cálculo de indicadores de avaliação selecionados no âmbito de procedimentos e

patologias específicas, sendo os resultados apresentados no contexto da área clínica

correspondente (ERS, 2013).

Os indicadores constituem, através desta evolução, a unidade básica de um sistema de

monitorização da qualidade, sendo instrumentos de medida que indicam a presença de um

fenómeno ou sucesso e também a sua intensidade (AHRQ, 2003). São a medida quantitativa

que se utiliza como guia para controlar e valorizar a qualidade de aspetos importantes da

prática assistencial, mais especificamente a qualidade da estrutura, dos processos e dos

resultados dos cuidados, análogos à classificação das dimensões da qualidade de Donabedian

(Donabedian, 1992; Skews, Meehan, Hunt, Hoot & Armitage, 2000). O seu desenho deve

contemplar a descrição de diferentes aspetos que assegurem a sua validade, fiabilidade

(SEMICYUC , 2011) e basear-se na melhor evidência científica disponível e deve pelo menos,

na ausência de evidência empírica, basear-se na opinião de peritos (Geraedts et al., 2005).

As UCIs são classificadas como a área hospitalar que constitui um risco substancial de

mortalidade e morbilidade (Berenholtz, Dorman, Ngo & Pronovost, 2002). A doença

subjacente dos doentes críticos pode, parcialmente, determinar o resultado dos cuidados e,

neste campo, o controlo da qualidade dos cuidados é muito importante na redução dos riscos

dos efeitos iatrogénicos e organizacionais. Os indicadores, como instrumento de medição,

permitem uma visão do estado atual dessa qualidade e guiam eventuais ações de melhoria

(Kwaliteitsinstituut voor de gezondheidszorg CBO, 2005).

Tendo como base a multiplicidade dos vários indicadores de qualidade existentes na literatura,

foram realizados vários estudos na área da medicina intensiva relacionados com esta temática,

a saber.

Em 2002, Berenholtz e colaboradores efetuaram uma revisão sistemática da literatura, tendo

como principais objetivos: i) identificar as intervenções que melhoram o resultado final dos

doentes numa UCI; ii) avaliar medidas de qualidade potenciais no impacto, fiabilidade,

variabilidade e força de evidência que suportem cada medida através do método Delphi,

categorizando-as como resultado, processo, acesso ou complicações; iii) selecionar uma lista

de medidas de qualidade que possam ser aplicadas na melhoria dos cuidados. Neste estudo,

foram identificados, além de milhares de citações, 66 estudos correspondentes aos critérios da

pesquisa (Medline e Chochrane Library de 1965 a 2000). Foram selecionadas seis medidas de

resultados (mortalidade na UCI, demora média na UCI superior a 7 dias, demora média na

UCI, média de dias de ventilação mecânica, tratamento inadequado da dor, satisfação do

doente e familiares), seis medidas de processos (analgesia eficaz, uso adequado de

concentrado eritrocitário, prevenção de pneumonia associada ao ventilador, sedação adequada,

profilaxia de úlcera gastro-intestinal e profilaxia de trombose venosa profunda, quatro

medidas de admissão/alta (atraso na admissão, atraso na alta, número de cirurgias canceladas

e atrasos na admissão de doentes urgentes por falta de vaga na UCI), e três medidas de

avaliação de complicações (taxa de readmissões não programadas, taxa de infeções

relacionadas com cateter venoso central (CVC), taxa de infeções por microrganismos

resistentes), (Berenholtz et al., 2002).

Em 2003, Pronovost e colaboradores procuraram desenvolver e implementar um conjunto de

indicadores válidos, fiáveis e com medidas práticas de qualidade no atendimento nas UCIs,

estimando, com base no desempenho atual, oportunidades potenciais para atingir melhorias.

Foram incluídas neste estudo 13 UCIs e aplicados 3 instrumentos de recolha de dados após

testes-piloto, validação e respetivas alterações prévias à sua implementação: o team leader,

visita diária e formulários de controlo de infeção. Foram avaliadas as seguintes medidas:

sedação adequada, prevenção de pneumonia associada ao ventilador, profilaxia de úlcera

péptica, profilaxia de trombose venosa profunda e transfusões de sangue adequadas. O estudo

verificou, nos seus resultados finais, uma variação no desempenho quer entre UCIs, quer na

mesma UCI e concluiu que para melhorar a qualidade do atendimento, o desempenho dos

profissionais deve ser avaliado, sugerindo ser viável a implementação de um conjunto de

indicadores de qualidade numa coorte de hospitais (Pronovost et al., 2003).

Em 2007, na Holanda, foi realizado um estudo na tentativa de desenvolver um conjunto de

indicadores capaz de medir a qualidade dos cuidados nas UCIs dos hospitais holandeses e de

avaliar a fiabilidade do registo desses indicadores. Através de pesquisa na literatura desde

2000 a 2005, de indicadores sugeridos por um painel de peritos e seleção do set de

indicadores por esse mesmo painel de peritos com um questionário e estratificação do

consenso, foram selecionados 11 indicadores fiáveis (6 meses de registo efetivo dos mesmos

em 18 UCIs do país) num total de 65 indicadores inicialmente encontrados quer na literatura,

quer pela sugestão do painel de peritos. Como indicadores de estrutura, permaneceram: i)

intensivista nas 24 horas; ii) ratio enfermeiro-doente; iii) prevenção de erros de medicação;

iv) satisfação do doente/família. Como indicadores de processo, foram selecionados: i)

demora média na UCI; ii) duração de ventilação mecânica; iii) dias de UCI com todas as

camas ocupadas; iv) valores adequados de glicose. Os indicadores de resultado finais foram:

i) razão de mortalidade standardizada (APACHE II); ii) incidência de úlceras de decúbito; iii)

número de extubações não planeadas (De Vos, Graafmans, Keesman, Westert & van der

Voort, 2007).

Em 2009, a Indian Society of Critical Care Medicine (ISCCM), através de um grupo de 7

peritos, define um conjunto de indicadores de qualidade que permitam avaliar as UCIs do país

e efetuar posteriormente benchmarking, quer a nível nacional quer internacionalmente.

Consultadas 11 UCIs relativamente a parâmetros a incluir e respetivas bases de dados

existentes, foram selecionados 17 indicadores: razão de mortalidade standardizada (SMR),

pneumotórax iatrogénico, incidência de falência renal aguda em doentes não-coronários,

incidência de úlceras de decúbito, demora média na UCI, aderência a protocolos vigentes na

UCI, taxa de readmissão, número de quedas, erros de medicação, eventos adversos, taxa de

picadas acidentais nos profissionais de saúde, taxa de reintubação, pneumonia associada ao

ventilador, bacteriémia por CVC, infeção de sonda vesical, satisfação dos profissionais,

satisfação do doente (Rangnathan et al., 2009).

Em 2010, na Alemanha, a Germany Society for ICU Medicine (DGAI), em cooperação com a

Quality Assurance in ICU Medicine of the German Interdisciplinar Association for ICU

Medicine and Emergency Medicine (DIVI) e a German Society for Internal Medical ICU

Medicine (DGII), efetuou uma revisão acerca das possibilidades da introdução de um sistema

de gestão da qualidade nas UCIs a nível nacional. Este grupo científico, de acordo com a sua

experiência, procurou selecionar um número aceitável de indicadores, cuja relevância do seu

resultado se tenha revelado cientificamente eficaz. O desenvolvimento do set de indicadores

selecionado neste documento encontra-se estreitamente ligado ao desenvolvimento do set de

indicadores de qualidade selecionados no documento emanado pela Sociedade Espanhola de

Medicina Intensiva. Na primeira versão de consenso, foi selecionado um set de 10

indicadores: elevação do leito a 45º, monitorização da sedação, analgesia e delirium,

ventilação mecânica protetiva, desmame ventilatório e ensaio de respiração espontânea,

antibioterapia precoce e adequada, hipotermia terapêutica após paragem cardíaca, nutrição

entérica precoce, documentação das reuniões com familiares, uso de solução alcoólica na

desinfeção das mãos, presença de intensivista nas 24 horas (Braun et al., 2010).

Em 2011, a SEMICYUC elaborou o documento de consenso “Indicadores de Calidad en el

enfermo crítico”. O grupo coordenador da elaboração deste documento, de forma

independente, levou a cabo uma revisão bibliográfica exaustiva de cada um dos indicadores

existentes na literatura, através de uma revisão sistemática de diferentes bases de dados

eletrónicas, incluindo PubMed/MEDLINE, EMBASE e Cochrane Library, desde janeiro de

2005 a março de 2011. Foram realizadas várias rondas via eletrónica e posteriormente 4

reuniões presenciais dos peritos, definindo-se ao fim de 24 meses, o documento final de

consenso com um total de 120 indicadores incluídos.

Em 2012, a European Society of Intensive Care Medicine (ESICM) emana documento

resultante de um painel Delphi modificado com a obtenção de consenso superior a 90%,

constituído por 18 peritos com interesse autoproclamado na área. Após a identificação de

todos os indicadores de qualidade comummente utilizados, estes foram refinados através de

vários processos interativos. De um total de 111 indicadores encontrados inicialmente, estes

foram separados em 102 itens separados. No final de 5 rondas de debate, foram selecionados

9 indicadores com um consenso superior a 90% no grupo nominal: 3 indicadores de estrutura:

1) preenchimento de todos os requisitos para o tratamento de doentes críticos de acordo com

lei vigente no país; 2) disponibilidade de intensivista nas 24 horas; 3) sistema de notificação e

eventos adversos; 2 de processo: 1) ronda diária multidisciplinar; 2) Procedimento de

Handover standardizado na alta do doente; e 4 indicadores de resultado: 1) taxa de

mortalidade standardizada (SMR); 2) taxa de readmissões após alta nas 48 horas; 3) taxa de

infeções relacionadas com cateter venoso central; 4) taxa de extubações não programadas.

Curiosamente, verificou-se neste grupo de peritos, uma maior facilidade de consenso nos

indicadores de processo do que nos de estrutura e de resultado (Rhodes et al., 2012).

Em 2013, é lançada numa segunda edição pelo mesmo grupo de trabalho da sociedade alemã,

um novo set de indicadores, desta vez baseado nos indicadores emanados pela ESICM: ronda

diária dos profissionais de saúde com documentação objetivos terapêuticos diários,

monitorização de sedação, analgesia e delirium, ventilação mecânica protetiva,

desmame/outras medidas para prevenir pneumonia associada ao ventilador, antibioterapia

precoce e adequada, hipotermia terapêutica após paragem cardíaca, nutrição entérica precoce,

documentação das reuniões com familiares, uso de solução alcoólica na desinfeção das mãos,

presença de intensivista nas 24 horas (Braun et al., 2013).

De acordo com o exposto, verificamos que o desenvolvimento de indicadores de qualidade

nas unidades de cuidados intensivos ocorre, de modo estruturado, em vários países, com base

na melhor evidência científica e com o intuito de melhorar a qualidade de atendimento do

doente crítico (Braun et al., 2010). Desta forma, a qualidade das estruturas, dos processos e os

resultados será sistematicamente expandida.

CAPÍTULO II

ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO

Documentos relacionados