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DESASTRES AMBIENTAIS DE REPERCUSSÃO MUNDIAL

2.1. Industrialização e meio ambiente no Brasil

A institucionalização das questões ambientais no Brasil se dá em um cenário complexo do ponto de vista político, econômico e social, pois além da sociedade estar sob a plena vigência do regime de exceção e centralizador como foi o Regime Militar, estava sendo aprofundado o processo de industrialização brasileiro, influenciado, em grande medida, pelo padrão de industrialização norte-americano e pelas subsidiárias das multinacionais que instalaram-se no país com vistas à expansão dos mercados consumidores, bem como à recomposição da taxa de lucro através de menores custos para a produção em comparação aos que seriam demandado em seus países de origem.

Enquanto as economias dos países capitalistas centrais deparam-se, a partir do início dos anos setenta, com a crise do padrão fordista-keynesiano de desenvolvimento; o Brasil empreende esforços para consolidar seu parque industrial tendo como base do processo produtivo a utilização de tecnologias oriundas da Segunda Revolução Industrial que estavam se tornando obsoletas nos países desenvolvidos.

Assim como em outros países da América Latina, que adotaram políticas econômicas para industrializar-se e substituir suas importações de bens primários por bens manufaturados de maior valor agregado, o Brasil também se valeu de certos instrumentos para a atração dos investimentos estrangeiros. O incentivo fiscal foi um dos instrumentos largamente utilizados durante os anos sessenta e setenta, justamente, para que o governo militar pudesse viabilizar seus planos, programas e projetos de desenvolvimento. Nesse período houve investimento maciço de infra-estrutura a custos elevadíssimos. Muitas empresas de energia, telecomunicações, saneamento e habitação foram criadas em um modelo em que, de um lado havia órgãos federais planejando e financiando e, de outro, órgãos estaduais e municipais

executando. No período de 1961-1976 foram criadas 119 novas empresas públicas na União e 147 novas empresas públicas nos estados e municípios, possibilitando um aumento significativo na receita do Estado através de novas fontes de arrecadação (BID/MMA, 2002, p.118).

O Brasil foi o principal país da América Latina na recepção de indústrias de alto potencial poluidor, principalmente, durante a primeira metade dos anos setenta. Neste período, aqui se instalaram grande parte do setor metalúrgico, da indústria química e a petroquímica, de papel e celulose, completando a cadeia produtiva e transformando o Brasil de importador a exportador líquido de alto potencial contaminante. Tal fato corrobora para a afirmação de que na época não havia preocupação com a sustentabilidade socioambiental, bem como era atribuída pouca importância aos riscos de exaustão dos recursos naturais, à degradação do meio ambiente e à conseqüente deterioração da qualidade de vida. (Yung apud Braga & Miranda, 2002). O foco de interesse era única e exclusivamente a industrialização do país com vistas a fazê-lo adentrar no seleto grupo dos países desenvolvidos.

De acordo com Viola (1987) o crescimento econômico acelerado do Brasil tornou-se um imperativo na presidência de Juscelino Kubitscheck que cunhou a famosa expressão “avançar 50 anos em 5”. Porém a ideologia do crescimento acelerado e predatório ganhou vigor durante a presidência de Médice. Nesta época o governo brasileiro fazia anúncios nos jornais e revistas do primeiro mundo para atrair as indústrias poluidoras. O principal arrazoado foi a inexistência de dispositivos de segurança e preocupações com a saúde da população e o meio ambiente devido a emissão de poluentes. Evidentemente que diante de um convite desse tipo, as multinacionais que estavam acuadas na Europa e nos Estados Unidos e Canadá (devido às pressões sociais e ecológicas que implicariam em gastos adicionais com segurança do funcionamento da estrutura produtiva) não se fariam de rogadas.

Vale destacar que havia um contexto favorável ao controle do trabalho pelo capital, pois além da fraca concorrência intercapitalista que possibilitava a imposição de um padrão de mão de obra baseado em baixos salários, num ritmo intenso de trabalho, na utilização abusiva de horas extras, em altas taxas de rotatividade dos trabalhadores, havia também a repressão dos sindicatos por parte do Estado.

O Estado, a burguesia e as corporações multinacionais são tão predatórios em relação ao meio ambiente como o são em relação a força de trabalho.

(VIOLA, 1987, p. 72).

No Brasil, a adoção do padrão produtivo fordista-taylorista processou-se sem que fosse considerado seus impactos para a sociedade. Outrossim, é que contrariamente ao modo como o padrão norte-americano se generalizou na Europa (articulando relações salariais e de consumo, garantido distribuição de renda, benefícios e direitos coletivos através da formulação do Estado de Bem-Estar Social), no Brasil aquele incorporou-se baseado em baixos salários, em um mercado consumidor restrito e numa forte concentração de renda (MATTOSO, 1995).

Segundo Lipietz (apud LEITE, 1994), o modelo de desenvolvimento implementado no Brasil configurou um “fordismo-periférico” que havia se mostrado como alternativa para os países do Terceiro Mundo. O caráter fordista está no fato do modelo de desenvolvimento apresentar um processo de mecanização associado ao crescimento do mercado de bens de consumo duráveis, mas por apresentar o consumo restrito à pequenas parcelas da população, então assume um caráter periférico, principalmente, quando considera-se que a produção qualificada mantinha-se nos países desenvolvidos.

Porém, mesmo apoiando-se numa relativa exclusão social, o modelo de desenvolvimento brasileiro conquistou elevados índices de crescimento econômico. De acordo com Mattoso (1995), O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro decuplicou entre 1945 e 1980, superando o de alguns países capitalistas avançados. O esforço concentrado na industrialização

levou não apenas ao aumento da participação do setor secundário na renda interna, mas também implicou na alteração do mercado de trabalho, da estrutura social e do meio ambiente.

Entretanto, o País vivia um paradoxo aparente: de um lado a euforia da propaganda governamental com o acelerado desenvolvimento de uma nova era industrial e a modernização com as novas infra-estruturas e, do outro, o aprofundamento do fosso social e a degradação dos recursos naturais. Foi desse período a política de desenvolvimento da Amazônia fomentada por incentivos fiscais e por financiamento do Banco Mundial e tendo por pilar as obras da rodovia Transamazônica, sem que se levasse em conta nenhuma consideração ambiental sequer. A falta de sensibilidade era geral no governo, não apenas entre os militares. O mundo econômico era muito conservador. Praticava-se uma política altamente protecionista, com reserva de mercado e outros mecanismos tipos de uma cultura conservadora.

A dinamização da indústria associada à modernização das atividades agrícolas fez com que entre 1949 e 1980 a população ocupada na agricultura passasse de 60% da PEA total para menos de 30%. Neste mesmo período o setor agrícola que contribuía com 25 % da renda interna, caiu para 13%, enquanto o setor industrial passou de 20% em 1949, para 26% em 1980. Além do expressivo crescimento da indústria, verifica-se a sua diversificação, reconfigurando a participação do emprego industrial. Enquanto no final da década de 40 o setor têxtil, de vestuário, couro, alimentos e bebidas, cerâmica, vidros e móveis perfaziam 54,1% do emprego industrial, em 1980 estes setores respondiam apenas com 31,2% sobre o total. Por outro lado os novos setores (metalurgia, mecânica pesada, química, borracha, farmacêutica) ampliaram sua participação no emprego, indo de 23,1% em 1950 para 38% em 1980 (MATTOSO, 1995, p. 124). O acelerado processo de industrialização, somado à modernização da agricultura capitalista e a inalteração da estrutura de posse da terra favoreceu ao deslocamento de vastos contingentes populacionais do campo para os centros urbanos,

principalmente do sudeste, implicando numa ocupação desordenada do solo, na supressão da vegetação nativa e na poluição dos rios pelo despejo de esgotos e efluentes industriais.

Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na década de cinqüenta, dentre os 1.889 municípios existentes, apenas um possuía mais de 500.000 habitantes, número que saltou para seis na década de setenta. Já os municípios que tinham entre 100.000 a 499.999 habitantes pularam de trinta e cinco, na década de cinqüenta para oitenta e três, em 1970, enquanto aqueles com mais de um milhão de habitantes passaram de dois para cinco no mesmo período. Embora a quantidade de municípios tenha aumentado para 3952 na década de setenta, os dados revelam uma forte concentração populacional, a qual se sabe decorrente também da concentração da oferta de empregos por causa das indústrias.

Diante da exploração do trabalho pelo capital, da repressão do Estado e de um modelo de desenvolvimento que alijava a massa trabalhadora da riqueza produzida, os anseios da classe operária se voltavam para a transformação das relações produtivas e do regime político, enquanto as questões ambientais eram relegadas a segundo plano. Assim como o governo, a oposição acreditava no crescimento econômico como o caminho mais viável para melhorar as condições de vida da população. No entanto, a oposição contestava os custos sociais do crescimento, seu caráter concentrador de renda, sem fazer referências significativas ao custo ecológico.

No princípio, havia uma certa resistência entre as forças de esquerda em aceitar a legitimidade de uma luta ecológica, por acharem que esta implicava apenas questões minoritárias e dispersar as forças e a energia da luta principal, que é a que coloca frente a frente trabalhadores e capitalistas”. (GABEIRA, 1987, p 175).

Na primeira metade dos anos setenta, a questão ambiental no Brasil era sufocada pelas duas frentes políticas: pela esquerda tinha-se a luta pela democratização política da sociedade, por melhores condições de vida e de trabalho, além da luta operária que reivindicava a

autonomia sindical, direito de greve, negociação coletiva, representação sindical nas fábricas; pela direita havia a necessidade de assegurar o modelo de desenvolvimento até mesmo para garantir a sobrevivência do regime militar. Tanto um lado quanto outro negligenciava a dimensão ambiental por considerá-la um obstáculo para atingir seus propósitos. Enquanto para aqueles ligados ao movimento operário voltar-se para a questão ecológica poderia desviá-los do confronto com o capital, para os setores empresarial e governamental, os argumentos de cunho ambientalista soavam como contrários ao processo de industrialização e, portanto, ao desenvolvimento.

Segundo Viola, tanto o movimento sindical quanto os movimentos populares urbanos e rurais da época mantinham-se distante do discurso ecologista por não perceberem que alguns dos seus objetivos mais importantes também eram profundamente ecologistas: luta por melhores condições de trabalho, saneamento básico, melhoria dos serviços de saúde pública, propriedade da terra para quem nela trabalha, etc.. Tal fato revela a existência de uma complexa tensão entre o que se acreditava ser justiça social e o ecologismo, pois enquanto os que advogavam por eqüidade tendiam a valorizar a distribuição sobre a ecologia, os que defendiam esta última podiam valorizar a conservação dos ecossistemas em detrimento da distribuição da riqueza produzida.

Foi nesse contexto de industrialização, exploração de recursos não renováveis e expansão da fronteira agrícola a qualquer custo, somada à urbanização acelerada, sob o jugo de um governo fortemente centralizador e autoritário, que o País assistiu a comunidade internacional discutir, pela primeira vez em uma reunião das Nações Unidas, em Estocolmo em 1972, a questão ambiental.