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Os Programas lançados pelo governo federal surgem como alternativa à ineficácia da escola contemporânea que, ao longo de quase duas décadas do século XXI, não atinge sua função enquanto agente alfabetizadora, responsável pelo ensino da leitura e escrita. Muitos alunos ainda estão saindo do Ciclo de Alfabetização das instituições escolares sem dominar ortograficamente o código escrito e com baixa proficiência em leitura, segundo os dados obtidos desde 2013 com a ANA e com base nos relatórios de Fluxo da SME de Cachoeiras de Macacu. Além disso, certas políticas públicas de alfabetização revelam-se inócuas, pois desconhecem as realidades das escolas básicas e não atingem um de seus objetivos principais, que é “alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º (terceiro) ano do ensino fundamental”, conforme dispõe o Plano Nacional de Educação (PNE) [BRASIL, 2014].

Para pensar sobre essas questões é importante refletir também sobre qual governo do Brasil, no século XXI, assumiu a educação como prioridade. Ao analisar os Programas Federais voltados para a alfabetização nos sistemas de educação pública, torna-se de suma importância questionar: Quem formula esses Programas? Quem (qual) é o foco de ações de tais programas? Há investimento público específico para implementá-los e avaliá-los? E os resultados correspondem ao esperado? De que modo são feitas as avaliações e a divulgação dos resultados? Com base em que conceito de alfabetização os Programas são formulados? De que forma os Programas voltados para a alfabetização na escola básica discutem (se é que discutem!) o papel social da escola nessa tarefa?

Foi possível, por meio do Censo Escolar 2015, apurar dados relevantes quanto à situação educacional brasileira. Em mais de 192 mil estabelecimentos de Educação Básica do país, estão matriculados mais de 50 milhões de alunos, dos quais 83,5% em escolas públicas e 16,5% em escolas privadas. Diante deste dado, faz-se necessário propor políticas públicas dotadas de características próprias de acordo com as características regionais de cada parte do Brasil da educação básica, visto o nosso país possuir diferenças socioeconômicas, culturais, sociais e regionais significativas e a

maior parte das crianças e jovens se encontrar matriculada em unidades educacionais públicas.

A respeito dos programas voltados à alfabetização, é importante lembrar que tais projetos são voltados, na prática, para as classes populares brasileiras, e farão parte do chão da escola pública. Desta forma, os professores atuantes no segmento precisam ter voz ativa na elaboração de tais propostas, mas, na prática, elas emanam dos órgãos governamentais, sem sequer conhecer a realidade da qual farão parte.

Pensar a alfabetização da classe popular requer, a priori, pensar o que é a classe popular e quem a compõe enquanto sujeito. Ao pensar políticas públicas para esse público, é necessário considerar as especificidades dos alunos e como se dará a contribuição do plano de ação proposto para eles. Nesse aspecto, a atuação das universidades públicas pode ser um diferencial, pois as pesquisas desenvolvidas podem sulear o estudo e desenvolvimento dos programas voltados à escola básica.

Não se pode perder de vista quem (qual) é o foco das ações de tais programas. Se, ao longo do desenvolvimento da história da educação, o foco do processo de ensino- aprendizagem passou por diversas transformações – desde o professor (na concepção mecanicista), a metodologia (na proposta tecnicista), a escola (nas ideias tradicionais) e os índices (uma proposta meritocrática) – e, com muita dificuldade, passou a concentrar-se no aluno, é importantíssimo pensar o âmago dos programas de alfabetização.

Em que momento das implementações o aluno foi/é o cerne? Considerar a realidade do aprendente da classe popular é um caminho fundamental para o sucesso das propostas, pois permitir que o contexto social se torne a base da criação dos projetos de intervenção é considerar as diferenças como alicerce de toda a ação educativa, contrapondo-se à educação bancária e valorizando as práticas educacionais libertadoras (FREIRE, 1986).

Outro ponto que não pode ser perdido de vista é o investimento público nas ações desenvolvidas. Há sim gasto de recursos públicos, grande parte destinado de forma direta às unidades escolares, verbas geridas pelo Diretor da instituição para pagamento de eventuais despesas com a execução da ação e compra de bens para a unidade. Outra forma de investimento é o pagamento de bolsas de estudo/pesquisa aos agentes (coordenadores e tutores) envolvidos com a formação dos professores alfabetizadores. Houve também, em certos Programas, pagamento de bolsas de estudo/pesquisa aos próprios professores alfabetizadores das escolas públicas.

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A respeito das instituições responsáveis por gerir os Projetos, há privadas e públicas, dependendo do programa e do gestor que lança a política. Ora as instituições públicas são valorizadas, ora esquecidas. Por vezes, instituições privadas, que não vivenciam as práticas das escolas básicas públicas, são as responsáveis por gerirem os projetos governamentais; o que, a nosso ver, é mais um fator a se somar à ineficácia de muitos programas.

Ressalte-se que é de extrema importância avaliar os resultados obtidos com a implementação dos programas governamentais. Ao olhar o cenário da alfabetização hoje, faz-se fundamental pensar o que é perceptível pela ótica de larga escala (Avaliação Nacional da Alfabetização) e pelo contexto escolar no qual os alunos estão inseridos (fluxo interno de cada unidade escolar). Após tal análise, fazer o comparativo das avaliações, verificar a viabilidade das ações e se se trata de uma proposta inócua, que não atinge os objetivos a que se propõe. A esse respeito, ao analisar os resultados da ANA, fica evidente a necessidade de se repensar as propostas elaboradas, visto que a maior parte dos alunos não atingiu os níveis desejáveis de leitura e escrita.

Figura 6: Escala de Proficiência SAEB/ANA em leitura (2016). Fonte: INEP/2017

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Figura 8: Escala de proficiência SAEB/ANA em escrita (2016). Fonte: INEP/2017

Ao analisar os resultados da ANA apresentados acima, é possível depreender as mazelas que a alfabetização enfrenta. Ressalte-se que os resultados foram obtidos em uma avaliação em larga escala realizada com alunos do 3º Ano Escolar, em sua maioria com 8 anos de idade. Tais alunos, em geral, passaram pelo menos cinco anos frequentando a escola, considerando a matrícula obrigatória a partir dos 4 anos de idade. No que concerne à leitura, em 2014, 56,17% do total de alunos avaliados no país encontravam-se na faixa de insuficiência e, em 2016, 54,73% estavam na mesma faixa. Ou seja, no período de dois anos, mesmo com os investimentos feitos de programas governamentais, a “melhora” foi de apenas 1,44%. É fundamental perceber que

avaliação insuficiente (elementar) significa que os alunos não são capazes de ler com

fluência palavras com estrutura canônica e não canônica, nem conseguem compreender a finalidade e o assunto de textos, bem como não conseguem neles localizar informações explícitas. Desta forma, estudantes do 3º Ano Escolar não conseguem realizar atividades básicas relativas ao processo de alfabetização.

A respeito da escrita, com base nos dados da ANA de 2016, 33,85% dos alunos encontravam-se na faixa da insuficiência (básica), mostrando que apresentam dificuldades acentuadas na escrita de palavras não canônicas, grafando de forma não convencional à norma culta da Língua Portuguesa. É importante destacar ainda que, dos 57,87% do total de alunos na faixa adequada, apenas 8,28% encontram-se no nível 4 – desejável –, escrevendo ortograficamente palavras e produzindo textos com sequência lógica: início, meio e fim.

Nesse cenário, o PNE, que determina diretrizes, metas e estratégias para a política educacional, aprovado em 26 de junho de 2014 com validade de 10 anos, é um importante aliado na busca por uma educação de qualidade, pois determina caminhos para a política educacional. É composto por vinte metas, que envolvem os níveis de formação dos alunos da Educação Infantil ao Ensino Superior, focando em aspectos significativos, como educação inclusiva, aumento da taxa de escolaridade média dos brasileiros, capacitação e o plano de carreira dos professores, além de envolver os gestores e o financiamento do projeto.

Especificamente sobre a alfabetização, a quinta meta objetiva alfabetizar todas as crianças brasileiras até o final do 3º ano da Educação Básica; o que, com base nos resultados da ANA, não tem sido confirmado.

O PNE é uma política de educação de médio prazo, com o intuito de orientar sobre todos os procedimentos, na área da educação, requerendo sobriedade e empenho

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de todas as partes. Direcionando aos estados e municípios o planejamento regional, alinhado às metas preestabelecidas pelo programa.

Apesar de amplamente discutido, o Plano Nacional de Educação ainda está longe de garantir um processo educacional de qualidade, como um direito social público, pois muitas de suas metas estão com o prazo intermediário vencido, e, ao analisar o velocímetro15 é perceptível que nenhuma de suas metas foi totalmente cumprida. Por dependerem diretamente do governo federal, as metas acabam sendo comprometidas, visto que o cenário político brasileiro não é favorável ao desenvolvimento de ações voltadas à qualidade do setor público, principalmente no que concerne à educação.

No entanto, em relação ao que especificamente se relaciona à alfabetização, o documento coloca a etapa da educação básica como prioridade no país, alavancando discussões e permitindo que a etapa inicial do Ensino Fundamental ganhe visibilidade, visto sua enorme importância, já que o processo de alfabetização reflete na jornada pessoal e profissional do sujeito, sendo instrumento de emancipação humana. Como afirma Freire (2002, p. 30): “só faz sentido se os oprimidos buscarem a reconstrução de sua humanidade e realizarem a grande tarefa humanística e histórica dos oprimidos – libertar-se a si e os opressores”. Mas, apesar de dar vulto à alfabetização, ainda não se mostra eficaz na consolidação do processo, nem de forma elementar, conforme os dados obtidos pelas avaliações de larga escala, especificamente a ANA.

A universalização da educação básica constitui uma das diretrizes do Plano Nacional de Educação 2014-2024, consubstanciado no Projeto de Lei nº 8.035/2010 e aprovado pela Lei nº 13.005/2014. Nesse sentido, nos últimos anos, duas mudanças importantes foram introduzidas na educação básica: a matrícula obrigatória no Ensino Fundamental a partir de 6 anos completos, ampliando a duração do segmento para 9 anos; e a obrigatoriedade de matrícula/frequência escolar a partir dos 4 anos de idade, introduzida pela Emenda Constitucional nº 59 de 2009 e pela Lei nº 12.796/2013, alterando a LDB (nº 9.394/1996); mudanças essas que deveriam estar implementadas até 2016. Desta forma, todos os entes federados deverão garantir o acesso à escola a todas as crianças a partir dos 4 anos de idade, zelando por sua permanência e frequência em unidades escolares de educação básica.

A educação básica – composta por Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio – tem o intuito de possibilitar aos alunos a construção de valores indispensáveis à prática da cidadania, propondo-lhes condições de desenvolvimento nas áreas educacionais e profissionais, tendo em vista a redução das desigualdades sociais, conforme dispõe a Lei de Diretrizes e Bases.

É de suma importância considerar os princípios da equidade e da valorização da diversidade, os direitos humanos, a gestão democrática do ensino público, a garantia de padrão de qualidade, a acessibilidade, a igualdade de condições para o acesso e permanência do educando na escola.