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2 REVISÃO DA LITERATURA

2.5 Infecções, anemia e desnutrição

Um mecanismo complexo pode ser verificado na coexistência de infecções e desnutrição. Se, por um lado, a instabilidade socioeconômica e o baixo desenvolvimento dos sistemas de saúde e educação podem estar associados à baixa produtividade e à perda de energia, indivíduos com precárias condições nutricionais podem estar mais susceptíveis à infecção e doença, por apresentarem comprometimento da resposta imunológica e prejuízo no desenvolvimento físico e cognitivo, dificultando melhorias nas condições de vida dos mesmos (SCHAIBLE & KAUFMANN, 2007).

Por outro lado, um intrincado mecanismo relaciona as parasitoses às desordens nutricionais. De acordo com Stephenson, Lathan e Ottensen (2000), as parasitoses podem causar o aumento da perda de nutrientes, especialmente ferro, levando à exaustão dos estoques deste nutriente e, consequentemente à anemia. Além disso, mecanismos imunológicos e sintomas gastrointestinais, como anorexia, dor abdominal, febre, diarréia e vômitos podem ser responsáveis pela perda de apetite, bem como pelo prejuízo de absorção e utilização de nutrientes. Como conseqüência, tem-se as desordens nutricionais, com perda de proteínas, ferro, vitamina A, iodo, folato, vitamina B12 e outros micronutrientes que podem causar prejuízo do crescimento e desenvolvimento físico e baixa disposição para as atividades diárias, o que contribui para a redução da capacidade laboral e da produtividade (STEPHENSON, LATHAN e OTTENSEN, 2000).

Dessa forma, observa-se que o processo é uma via dupla, em que as condições nutricionais predispõem o indivíduo à infecção e a recorrência de infecções pode induzir a uma piora no estado nutricional (BHUTTA, 2006). No entanto, os achados em estudos

populacionais têm se mostrado controversos quanto à relação causal existente entre parasitoses e desnutrição e mesmo em relação às parasitoses e anemia.

De modo geral, os helmintos intestinais como A. lumbricoides, T. trichiura e parasitos da família Ancylostomidae podem causar espoliação considerável de micronutrientes (STEPHENSON, LATHAN & OTTENSEN, 2000).

Infecções por parasitos da família Ancylostomidae estão associadas a quadros de anemia por deficiência de ferro, especialmente em indivíduos com deficiência nos níveis deste micronutriente (ALBONICO et al., 1998; BROOKER et al., 2007). O consumo de sangue pelos parasitos e perdas consideráveis de sangue nas fezes, verificadas nestas infecções, podem explicar a ocorrência de anemia (STOLTZFUS et al., 1997).

Em pacientes com esquistossomose, os quadros de anemia podem ser verificados por uma associação de fatores, como perda de ferro pelas fezes, seqüestro de hemácias por esplenomegalia, hemólise auto-imune e inflamação (FRIEDMAN et al., 2005; KOUKOUNARI et al., 2006).

Infecções por A. lumbricoides podem estar relacionadas à anemia por prejuízo na absorção de nutrientes (STEPHENSON, LATHAN & OTTENSEN, 2000). A infecção por T. trichiura, embora possa causar perda de sangue pelas fezes (STEPHENSON, HOLLAND, COOPER, 2000), não apresentou impacto na anemia em pacientes com idade entre sete e 18 anos, em Leyte, Filipinas (EZEAMAMA et al., 2008).

No município de Novo Cruzeiro, Santos et al. (2005) encontraram 78,8% de escolares da zona rural infectados por parasitos intestinais, como A. lumbricoides, família Ancylostomidae e S. mansoni, 29% dos indivíduos com deficiência de vitamina A e 34% com desnutrição. No entanto, os autores não observaram associação estatisticamente significante entre parasitoses ou desnutrição e a deficiência de vitamina A.

Dentre as infecções por protozoários que podem estar relacionados à anemia, verificam-se a giardíase e a malária, embora os mecanismos que resultem em anemia sejam distintos. Em Itinga – MG, a avaliação de crianças menores de 71 meses detectou uma prevalência de 26,3% de giardíase, mas com fraca associação com a anemia. Embora a avaliação nutricional tenha identificado 11,1% das crianças com desnutrição aguda e 7,9% das mesmas com desnutrição crônica, não foi verificada associação destes indicadores antropométricos com a infecção por G. duodenalis (SILVA et al., 2009).

Entre crianças (seis a 59 meses) de um distrito da região sudeste de Anatólia (Turquia), a infecção por G. duodenalis prejudicou o crescimento de crianças, levando a um

quadro de desnutrição crônica e aguda, quando comparado a crianças com outras infecções parasitárias (SIMSEK, ZEYREK, KURCER, 2004).

Este protozoário também contribuiu significativamente para a redução do peso-para- idade e peso-para-altura entre crianças residentes em uma favela de Brasília. No entanto, não foi verificado efeito da infecção por A. lumbricoides ou Hymenolepis nana nos índices antropométricos avaliados nas mesmas crianças. Além disso, os autores observaram que indivíduos coinfectados por A. lumbricoides e G. duodenalis tiveram efeitos intermediários no crescimento e sugeriram que esses parasitos podem ter efeito antagônico ou os efeitos serem influenciados pelo tempo de infecção (MUNIZ-JUNQUEIRA & QUEIRÓZ, 2002).

Em Manaus – AM, Maia et al. (2009) detectaram infecções por parasitos intestinais em 58,8% das crianças de zero a dez anos, incluídas no estudo. A giardíase foi a infecção com maior prevalência (21,5%), acompanhada pelo comensal Endolimax nana (17,9%) e por Entamoeba histolytica/dispar (13,7%). Foram diagnosticadas ainda crianças com infecções por A. lumbricoides e T. trichiura, porém essas parasitoses não apresentaram associação com a desnutrição.

Uma tendência atual é a verificação de infecção concomitante por diferentes helmintos e sua associação com anemia e desnutrição. Jardim-Botelho et al. (2008) verificaram associação positiva entre a infecção por A. lumbricoides e desnutrição entre crianças e adolescentes, embora não tenham sido encontradas associações entre o estado nutricional e infecção por S. mansoni. No entanto, a infecção com S. mansoni e dois ou mais helmintos intestinais, mesmo com baixa ou moderada intensidade, constitui um importante fator para o desenvolvimento de anemia em indivíduos com ingestão inadequada de ferro (BRITO et al., 2003).

Um estudo conduzido por Ezeamama et al. (2008) em Leyte, Filipinas, revelou que o risco de anemia é ampliado quando a criança apresenta coinfecção por parasitos da família Ancylostomidae e S. japonicum ou T. trichiura, sugerindo que parasitos em diferentes sítios anatômicos podem interagir sinergicamente. Por outro lado, estudo conduzido por Mupfasoni et al. (2009) em Ruanda, indicou que a coinfecção parece não ter significativa importância nos casos de anemia e desnutrição. Os autores acreditam que este resultado possa ser devido à anemia ser incomum na área estudada, uma vez que foi encontrada prevalência de 4,9% desta morbidade dentre as 1605 crianças e adolescentes avaliados, bem como à prevalência de coinfecção com baixa carga parasitária por A. lumbricoides e T. trichiura e poucos casos de coinfecção por parasitos da família Ancylostomidae e S. mansoni.

Deve-se destacar que a desnutrição, embora possa ser conseqüência de processos infecciosos e parasitários, pode apresentar ainda outros determinantes como renda, escolaridade, perfil de consumo alimentar e acesso às ações básicas de saúde (BATISTA- FILHO e RISSIN, 2003: MONTEIRO et al., 2009).