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5 RESULTADOS

5.21 Modelos longitudinais

5.21.1 Modelo de equações de estimação generalizadas para a ocorrência de

Após a seleção das variáveis na análise univariada e posterior análise por grupos, as variáveis que permaneceram significativas foram utilizadas para a construção do modelo final: deficiência de ferro (sim vs. não), infecção por protozoários e helmintos (sim vs. não), estatura-para-idade (risco ou baixa estatura para idade vs. normal), ingestão de carboidratos (abaixo da mediana vs. acima da mediana), ingestão de retinol (abaixo da mediana vs. acima da mediana), momento (2008 vs. 2009).

No modelo final de anemia, encontraram-se associadas as variáveis deficiência de ferro, parasitose, estatura-para-idade, ingestão de retinol, ajustados pela variável momento. Os resultados estão apresentados na tabela 41.

Tabela 41: Modelo de equação de estimação generalizada para anemia com as odds ratio brutas e ajustadas e respectivos intervalos de confiança, entre crianças residentes no município de Novo Cruzeiro, 2008 – 2009.

Variável OR

bruta

IC 95% OR

ajustada

IC 95% p

Deficiência de ferro (sim vs. não) 2,91 1,90 – 4,46 3,21 1,96 – 5,26 0,000

Parasitose (sim vs. não) 1,58 1,11 – 2,25 1,86 1,24 – 2,81 0,003

Estatura-idade (risco ou baixa estatura para idade vs. normal)

1,73 1,17 – 2,55 2,10 1,36 – 3,24 0,001

Ingestão de retinol (abaixo da mediana vs. acima da mediana)

1,56 1,05 – 2,31 1,74 1,11 – 2,73 0,016

Tempo 0,18 0,12 – 0,27 0,000

Observou-se que a deficiência de ferro foi um fator associado à ocorrência de anemia, uma vez que crianças com esta alteração apresentaram risco 3,21 vezes maior de apresentarem anemia que as crianças com níveis normais de ferritina.

Tanto a presença de parasitose quanto a ingestão de retinol abaixo da mediana aumentaram em quase duas vezes a chance de ocorrência de anemia.

Crianças que apresentaram risco de ou baixa estatura para idade apresentaram uma chance 2 vezes maior para a anemia que aquelas com escore z normal.

Observou-se ainda uma associação que reduziu a chance de ocorrência (OR = 0,18) de anemia quando analisada a variável momento.

5.21.2 Modelo de equações de estimação generalizadas para a ocorrência de deficiência de ferro (2008/2009)

Para verificar a ocorrência de deficiência de ferro, foram selecionadas variáveis que permaneceram significativas na análise univariada e na análise dos grupos, considerando a variável momento. Foram selecionadas as variáveis sexo da criança (masculino vs. feminino), níveis séricos de retinol (contínua), processo inflamatório / infeccioso (sim vs. não), infecção por protozoários e/ou helmintos (sim vs. não), peso (contínua), estatura (contínua), ingestão de ferro (abaixo da EAR vs. acima da EAR), momento (2008 vs. 2009).

Após seleção das variáveis significativas, foi proposto o modelo final para deficiência de ferro para dados longitudinais (Tabela 42).

Tabela 42: Modelo de equação de estimação generalizada para deficiência de ferro com as odds ratio brutas e ajustadas e intervalos de confiança, entre crianças residentes em Novo Cruzeiro, 2008 – 2009 Variável OR bruta IC 95% OR ajustada IC 95% p

Processo inflamatório (sim vs. não) 3,34 1,84 – 6,05 2,86 1,43 – 5,73 0,003

Parasitose (sim vs. não) 0,67 0,46 – 0,97 0,63 0,41 – 0,94 0,025

Estatura (escore z) 0,95 0,94 – 0,97 0,97 0,95 – 0,99 0,001

Ingestão de ferro (abaixo da EAR

vs. acima da EAR)

1,78 1,03 – 3,06 0,038

Tempo 1,96 1,30 – 2,96 0,001

A presença de processo inflamatório / infeccioso avaliado pela PCR foi associada como fator que aumenta a chance de deficiência de ferro (OR = 2,86).

A ingestão de ferro abaixo da EAR aumentou em 1,78 vezes a chance de deficiência de ferro, quando comparado às crianças com ingestão de ferro acima da EAR.

As crianças com infecção por parasitos ou comensais apresentaram menor chance de deficiência de ferro (OR= 0,63) em relação às crianças que não apresentaram esta morbidade.

O aumento da estatura demonstrou uma relação inversa com a deficiência de ferro com odds igual a 0,97.

Observou-se maior chance (OR = 1,96) para a deficiência de ferro quando analisada a variável momento.

6 DISCUSSÃO

6.1 Limitações do estudo

6.1.1 Desenho do estudo

Trata-se de um estudo longitudinal, que avaliou as mesmas crianças em dois momentos distintos com o objetivo de melhor caracterizar morbidades importantes na infância, como a deficiência de ferro, anemia e parasitoses. A etapa de seguimento procurou manter a mesma metodologia adotada no estudo transversal e acrescentou novas técnicas que poderiam ser úteis para auxiliar no entendimento e caracterização dos problemas avaliados.

As etapas de coleta ocorreram simultaneamente em todos os indivíduos e em apenas dois momentos. Essa característica do estudo possibilitou o emprego de métodos longitudinais para avaliação da associação entre as variáveis resposta (anemia e deficiência de ferro) e as variáveis independentes. Medidas repetidas foram analisadas empregando o modelo de Equações de Estimação Generalizadas (GEE), proposto por Diggle, Liang and Zeger (1994).

6.1.2 Vieses

Durante a condução do presente estudo, podem ter ocorrido vieses de seleção e de informação.

O primeiro pode ter ocorrido devido ao plano amostral e processo de amostragem terem levado em consideração as famílias cadastradas na ESF. Apesar da cobertura teórica do programa atingir 91,3% da população no município (BRASIL, 2012), é possível que os indivíduos incluídos e suas famílias não sejam representantes exatos da população do município.

Conforme dados apresentados na tabela 3, verificou-se que as crianças que participaram do seguimento diferiram daquelas que não participaram em relação à situação do domicílio e em relação à escolaridade materna. Verificou-se maior perda de seguimento das crianças que residiam na área urbana, em relação às que residiam na área rural e que as crianças que tinham mães com maior escolaridade não compareceram para a etapa de seguimento. Embora seja provável que as mães com melhor escolaridade sejam as residentes na zona urbana do município, essa perda diferencial de seguimento pode ter contribuído para

a obtenção de dados que tenham reduzida validade externa e que não possam ser extrapolados para a população de crianças residentes em Novo Cruzeiro.

As prováveis justificativas para a perda diferencial são relativas ao interesse dos pais e/ou responsáveis, o tempo decorrido entre as etapas, a dinâmica de trabalho com as equipes da ESF e a mobilidade dos moradores do município. Além das crianças sobre as quais foi obtida informação de que mudaram do município, acredita-se que os ACS tiveram maior dificuldade em localizar as crianças na área urbana, provavelmente por haver uma maior densidade populacional na área de atuação do mesmo e pela mobilidade das famílias que não têm casa própria. Acredita-se também que as famílias que não receberam os resultados da primeira etapa não se interessaram em continuar no estudo, embora as perdas justificadas por esse motivo (recusa ou não comparecimento) não representem uma perda diferencial de seguimento. Outro fator que pode ter contribuído para a menor participação das crianças que residem na área urbana é o fato de estarem mais próximas geograficamente dos serviços de saúde. Provavelmente, por terem maior facilidade de acesso aos mesmos, os pais e/ou responsáveis tiveram menor interesse em participar deste projeto, especialmente se a criança não apresentava evidência de morbidades (o processo de inclusão da criança no estudo foi feito independente de indicação clínica).

Além disso, o tempo decorrido entre a primeira e a segunda etapa (superior a 12 meses) e a coincidência com o período de férias escolares podem ter contribuído para as perdas.

Um fator externo que deve ser mencionado foi a ocorrência do projeto Travessia (Projeto da Secretaria de Saúde do Estado de Minas Gerais) que se desenvolveu no município a partir do mês de junho de 2009 e consistiu em uma avaliação censitária dos níveis de hemoglobina em sangue capilar das crianças menores de cinco anos residentes no município. Como o desenvolvimento do projeto e a etapa de seguimento ocorreram em um intervalo de tempo relativamente curto, este deve ser fator considerado como motivo de ausência destas crianças.

O viés de informação pode ter ocorrido devido à utilização de questionários como instrumento de coleta de dados. As informações relatadas pelo entrevistado dependem do grau de parentesco com a criança, pois na maioria das vezes, a mãe é quem detém a maioria das informações. Outro fator que pode comprometer a qualidade das informações prestadas é que as mesmas dependem da memória do respondente (viés de memória) e da importância que o mesmo confere ao assunto relatado. Para o presente trabalho, foram utilizados diferentes questionários que, embora pré-testados, podem apresentar limitações. Observou-se uma perda

importante nas informações referentes à renda familiar, uma vez que os entrevistados não responderam às questões diretas que envolviam valores monetários. Uma alternativa foi a construção do indicador de classificação CCEB que avalia a renda indiretamente, por meio da identificação dos bens possuídos pela família, escolaridade do chefe da família e empregados. O questionário semiquantitativo de freqüência alimentar apresenta como limitação a tendência de superestimar o consumo de alimentos. Apesar da limitação e em função do objetivo do projeto principal em identificar os hábitos alimentares das crianças, esse instrumento foi escolhido e aplicado sem a utilização de outros instrumentos, como a aferição de consumo em recordatório de 24 horas.

O questionário sobre o histórico familiar de anemia também apresentou um grande número de não respostas, o que se deve provavelmente ao desconhecimento e à falta de informação do respondente sobre a anemia.

6.1.3 Métodos laboratoriais

Alguns exames realizados no presente estudo são classificados como métodos de triagem (hemoglobina e hematócrito) e outro como método de confirmação (ferritina, avaliada com PCR) para os casos de deficiência de ferro e anemia ferropriva. De acordo com Cook (2005) e Baker e Greer (2010), a determinação de hemoglobina, saturação da transferrina, hemoglobina corpuscular média, zinco protoporfirina e hemoglobina reticulocitária são exames de triagem para os casos de anemia ferropriva, enquanto a confirmação do estoque de ferro pode ser obtida pela determinação da ferritina sérica, avaliada juntamente com a PCR, e do receptor solúvel de transferrina. Ainda de acordo com estes autores, o padrão ouro para confirmação é a avaliação do ferro medular, embora este exame não seja realizado em levantamentos epidemiológicos devido aos riscos para a criança e custos do mesmo. Peritos da OMS recomendam como a melhor combinação de indicadores para definir a deficiência de ferro exames como a hemoglobina, receptor sérico de transferrina e ferritina sérica ou ferro medular. Estes exames refletem o prejuízo funcional, avidez tecidual por ferro e estoques do ferro, respectivamente (WHO, 2001; GROTTO, 2010). No entanto, Mei et al. (2005), após avaliar resultados em estudos de intervenção com suplementação férrica, acreditam que a mais eficiente combinação de indicadores capazes de monitorar mudanças nos estoques de ferro da população seja hemoglobina e ferritina, enquanto a zinco-protoporfirina e o receptor solúvel de transferrina sejam menos consistentes e de menor magnitude nesse tipo de avaliação. Por outro lado, a avaliação dos níveis de hemoglobina embora seja falha em

detectar a deficiência de ferro devido ao tempo de sobrevivência das hemácias (JANUS & MOERSCHEL, 2010), é um método confiável para o diagnóstico de anemia em estudos populacionais, para os quais a OMS recomenda o método da cianometahemoglobina (utilizado em laboratório de análises) e o sistema Hemocue (WHO, 2001).

Algumas limitações dos exames devem ser consideradas. A avaliação dos níveis de hemoglobina apresenta baixas sensibilidade e especificidade para diagnóstico da deficiência de ferro. A baixa sensibilidade deve-se à necessidade de perda de grande quantidade de ferro corporal, antes que os níveis de hemoglobina apresentem redução e a baixa especificidade deve-se à ocorrência de outras condições clínicas que mimetizam a deficiência de ferro (COOK, 2005). Essa limitação pode ser importante em pacientes com quadros leves ou deficiência inicial de ferro pois reflete a produção de hemoglobina ocorrida até 120 dias atrás (JANUS & MOERSCHEL, 2010). O receptor solúvel de transferrina é um exame recomendado para confirmação e, embora não seja afetado por processos inflamatórios e infecciosos, ainda não tem uma padronização adequada (COOK, 2005; BAKER & GREER, 2010). Embora Phiri et al. (2009) tenham proposto novos valores para ferritina e receptor solúvel de transferrina em área com altos níveis de infecção, a generalização dos valores não foi possível, pois os autores não dispunham de uma amostra de crianças sem anemia. A ferritina, por ser um marcador de fase aguda de infecção, apresenta níveis elevados em pacientes com processos inflamatórios, infecciosos e neoplásicos e deve ser interpretada junto com outro marcador de fase aguda, como a PCR, para garantir a correta classificação dos pacientes que apresentem esses processos (COOK, 2005; BAKER & GREER, 2010; GROTTO, 2010; JANUS & MOERSCHEL, 2010).

O hematócrito pode ser utilizado em estudos populacionais devido à simplicidade de realização e baixo custo. No entanto, o exame é passível de erros pré-analíticos como o tempo entre a coleta e a realização do exame e o excesso de anticoagulante que podem interferir no resultado final. Considerando que a determinação do hematócrito não apresenta vantagens à medida de hemoglobina (WHO, 2001), a anemia caracterizada pelo hematócrito foi utilizada apenas de modo descritivo no presente trabalho.

Outros exames que avaliam os níveis séricos de ferro e que foram utilizados no presente estudo (ferro sérico, capacidade de ligação do ferro e saturação da transferrina) podem auxiliar na elucidação dos casos de deficiência de ferro ou depleção dos níveis teciduais de ferro. Embora estes exames apresentem variação devido à alteração dos níveis de ferro sérico ao longo do dia (WHO, 2001), este problema foi minimizado neste trabalho considerando-se que todas as amostras foram coletadas no período da manhã (máximo até 10

h). Os níveis séricos de ferro são diretamente afetados pela ingestão deste nutriente na véspera de realização do exame e, considerando-se que quase 50% das crianças estavam em uso de sulfato ferroso à época da realização do exame e que este consumo não foi aferido, os valores deste marcador, bem como da capacidade total de ligação do ferro e do índice de saturação da transferrina (ambos dependentes do primeiro) foram utilizados apenas de modo descritivo na realização deste trabalho. Outra limitação para a utilização desses exames é a sobreposição dos valores destes índices entre indivíduos normais e com deficiência de ferro (WHO, 2001).

A dosagem de albumina sérica pode ser utilizada como um parâmetro inicial na avaliação nutricional de pacientes, embora sofra alterações apenas em quadros de desnutrição grave (SOMMACAL et al., 2010). Assim, os dados antropométricos e a construção dos indicadores estatura-para-idade, peso-para-estatura, peso-para-idade e IMC forneceram informações mais acuradas sobre a condição nutricional das crianças avaliadas.

As limitações do diagnóstico parasitológico referem-se à ausência de métodos específicos e coleta de amostra única, o que pode subestimar a prevalência de G. duodenalis, devido à eliminação intermitente de cistos, bem como de helmintos, que eliminam pequeno número de estruturas parasitárias por dia nas fezes, como é o caso do S. stercoralis e parasitos da família Ancylostomidae. Não foram utilizados métodos específicos para E. vermicularis em nenhuma das etapas e, portanto, o diagnóstico desse helminto foi considerado como um achado ocasional, não sendo possível fazer inferências sobre sua ocorrência. Cartwright (1999) relatou que o exame de duas amostras independentes pode ser necessário para atingir níveis adequados de sensibilidade para o diagnóstico de parasitos intestinais, mesmo em populações com alta prevalência. Por outro lado, Gyorkos, MacLean e Law (1989) citam que, em certas condições, não há ganho significativo no exame de uma segunda amostra. Os autores examinaram duas amostras de pacientes provenientes de um campo de refugiados no Canadá colhidas em dias consecutivos e observaram que, embora tenham ocorrido divergências se consideradas uma ou duas amostras, não houve diferença significativa entre as prevalências observadas. Dessa forma, por motivos de praticidade e logística, para o presente estudo, foi adotada a coleta de amostra única, apesar do conhecimento desta limitação. Além disso, o hábito corriqueiro de consumo de antiparasitários (observado em 21,5% das crianças em 2008 e 25,2% em 2009) e o consumo atual de medicamentos (observado em 19% das crianças em 2009) podem ter interferido no correto diagnóstico parasitológico, uma vez que alguns medicamentos, como por exemplo os antimicrobianos, podem causar intoxicação nos parasitos e alterar a eliminação de formas evolutivas utilizadas para o diagnóstico.