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Inflexão político ideológica na década de 1990

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De acordo com Assis (1999), os dirigentes da APEOESP, após o fim da Ditadura, passaram a acreditar e a defender uma estratégia política que privilegia a participação dentro da institucionalidade no interior da ordem capitalista e em respeito à lógica do capital. Esta estratégia tem como conseqüência propostas que levam à desmobilização da categoria. Vejamos como esta questão é apresentada pela autora:

O processo de elaboração da Constituição de 1988, a instabilidade dos governos que sucederam à sua promulgação, deixou margem para atuação das forças oposicionistas, até então sustentadas por uma política de mobilização de massas. Com a definição das políticas neoliberais no país, com a eleição de Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas em São Paulo, esta margem de atuação se reduziu, mas as forças oposicionistas, entre elas as lideranças sindicais, aprofundaram a atuação institucional. Este paradoxo marcará a atuação da APEOESP na década de 1990. (Assis, p. 64).

Na década de 1990 ocorre uma inflexão político-ideológica que teve as suas origens durante a década de 1980. As correntes ideológicas, que dirigiram os trabalhadores no Brasil durante o processo de democratização, dentro da ordem socioeconômica capitalista, o fizeram sem o objetivo de romper como a estrutura dominante.

Com o fim da Ditadura Militar ganhou força a estratégia gradualista. Nesta abordagem as transformações sociais poderiam se realizar sem enfrentar de maneira radical o Estado e a legalidade posta. Já na década de 1990 esta estratégia é levada ao seu limite, fazendo com que a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Partido dos Trabalhadores (PT) abandonassem o socialismo como objetivo estratégico. Assis (1999), em sua análise, contribui para compreender o papel da corrente majoritária da APEOESP durante os anos 1990 nos seguintes termos:

Fundamentalmente durante o governo Mário Covas, período de aprofundamento das políticas neoliberais em educação, a exigência da APEOESP é que este cumpra as suas promessas de campanha, caso em que se transformaria de “mau patrão” em “bom patrão”, caracterizando assim, uma visão “policlassista” de atuação sindical. Não identificamos, neste período, a idéia de oposição entre classes antagônicas, mas, diferenças entre as políticas do Estado e dos professores. Quando não há “vontade política” dos governos para implementação de projetos que beneficiem um determinado setor (no nosso caso a educação), faz-se necessário “chamá-lo à consciência”. Para tanto se recorre ao Legislativo, “eleito” pelas lideranças sindicais como instância de pressão privilegiada. (Assis, p. 163).

Podemos verificar que existe uma reserva de combatividade e representatividade que se manifestam em todos os momentos e situações que a categoria se sente diretamente ameaçada pela política educacional ou governamental. Infelizmente não podemos dizer que isso ocorre diante de todas as questões relevantes para o conjunto da sociedade brasileira, pois questões políticas mais gerais não têm sido nos últimos anos motes para a mobilização do magistério paulista, assim:

Você chega à escola o professor fala assim ‘o que a APEOESP está fazendo’ ele fala bravo. Só que pode estar você, outro colega de outro sindicato, outro colega de outro sindicato, pode ter cinco sindicatos [...] Então eu acho que a APEOESP conquistou isso agora tem que responder a esta demanda, então eu acho que o professor tem uma relação de amor e de ódio mais eu acho que é mais amor [...] Eu acho que outra força da APEOESP é a pluralidade, aqui tem todas as correntes, de todas as ideologias e isso eu enxergo como uma riqueza da APEOESP. (S)

As transformações políticas e econômicas da década de 1990 são apontadas como fatores importantes para o desenvolvimento da crise do sindicalismo deste período. Com a queda do muro de Berlim em 1989, o fim da União Soviética e com a crise ideológica que se seguiu na esquerda, acompanhada de uma grande ofensiva política, econômica e militar das grandes potências como uma forma de aproveitar o momento favorável para impor outro padrão de produção de mais-valia sobre os trabalhadores, o movimento sindical entrou em uma profunda crise de identidade.

As ações sindicais que pautam questões imediatas da categoria apontam para outra forma de organização sindical. Com o desemprego estrutural, as novas formas de gestão empresarial e a intensa capitação do trabalho pelo capital criaram um clima favorável para que parte significativa dos dirigentes políticos e sindicais, renegasse as bandeiras históricas do movimento social e a luta de massas como tática privilegiada de ação sindical. Encontramos esta reflexão que leva em consideração não apenas a APEOESP, mas o setor que dirigiu a principal central sindical do Brasil durante as últimas duas décadas:

Então a década de 1990 expõe a nu as tragédias e as limitações de um movimento real de esquerda e ao mesmo tempo impõe o desafio para que a gente pudesse reconstruir o projeto da esquerda, mais focado na realidade brasileira, acaba estabelecendo a negação da maior parte daquilo que foi o chamado comunismo - entre aspas - soviético chinês, cubano e mesmo do leste europeu [...] Agente vai observar o refluxo destes movimentos; a CUT passou a defender as Câmaras Setoriais, os Fóruns Tripartite com o governo e os patrões. Os sindicatos renunciaram à estratégia das greves e passaram a focar a atuação sindical nas negociatas entre os patrões e o governo e ao mesmo tempo dando um caráter mais de cunho assistencialista. (N)

O sindicalismo classista construído na década de 1980 passa por uma grande metamorfose ideológica e na sua prática política, deixa de ter na mobilização direta da classe trabalhadora a principal estratégia e começa a apostar nas negociações e nos fóruns permanentes com os patrões e os governos da classe dominante. É invertida uma das principais características do movimento social, ou seja, a

negociação passa a ser estratégica em relação à mobilização. A CUT e o PT acabam ficando muito parecidos com as organizações sindicais e políticas que não propõem mudar a ordem social estabelecida. Na fala de entrevistados encontramos esta reflexão expressa da seguinte forma:

Nós vivenciamos nos anos 1990 a chamada política do Sindicato Cidadão, de buscar parceria e negociação com a FIESP, como já se tentou fazer em campanhas salariais do setor, ao invés de organizar a categoria para mobilizar, para pressionar. Para negociar faz o inverso, buscam-se intensas negociações e deixa em segundo plano a mobilização; como se isso fosse possível [...] Então, este fator, para mim, é o que explica, junto com o papel que a direção vai ter nos anos 1990 no sentido da dificuldade que nós temos para mobilizar a categoria. Então muitas vezes ela não assumiu o desafio de agir, de se mobilizar e de fazer greve; porque você tem uma vanguarda hoje trabalhando em dois períodos ou em três períodos, acumulando cargos em duas redes ou na mesma Rede Estadual [...] Então esse fato fez com que ainda a Oposição não tenha conseguido se credenciar perante o conjunto da categoria. (F).

Nós passamos a assistir a retomada dos princípios do neoliberalismo, sendo implementado violentamente na América Latina e no Brasil, sendo implementado de maneira mais tardia pelo governo FHC - porque o governo Collor não teve capacidade para implementar este projeto no Brasil [...] A mídia impôs de cima para baixo que nós estamos vivendo em uma sociedade globalizada. O mito da globalização passou a ser a tônica de praticamente todos os pensadores da direita até a esquerda mais radical. Nós passamos a conviver com essa realidade, uma adesão massiva de militantes de esquerda, de personalidades e dirigentes a essa lógica e isso se espraiou para as mais variadas organizações, o PT e a CUT efetivamente aderiram a essa lógica. (N)

Como pode se verificar, existe um setor no interior do sindicato que assume uma posição política francamente de oposição ao que é chamado de “Direção Majoritária dos Trabalhadores no Brasil”, cujo atual governo federal é a sua maior expressão política até o momento. Este setor, apesar de reconhecer a APEOESP como uma entidade minimamente democrática e que cumpre um papel importante para as reivindicações corporativas da categoria no que toca às questões estratégicas, apresenta uma clara diferenciação política.

Se durante os anos 1980 o sindicalismo no Brasil se constituía em um dos setores do movimento social mais avançado na luta contra o regime e pelos interesses imediatos dos trabalhadores nos anos 1990 ocorre um importante desvio, houve uma grande mudança de rota ideológica e política do sindicalismo brasileiro. As mudanças no cenário econômico e político influenciaram as novas estratégias do sindicalismo. Alves (2006) afirma que “Um dos traços marcantes desse período é o

aprofundamento da burocratização da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e de sua tendência à adoção de políticas sindicais concertantes.” (p.463)

4 POLÍTICA EDUCACIONAL EM SÃO PAULO

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