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Influência de Susanne Langer: A arte pela filosofia simbólica

Ao se interessar pelos estudos da simbologia, Pedrosa deparou-se com uma série de autores e linhas de pensamento. A fenomenologia do símbolo lhe foi muito cara, na medida em que lhe apresentou recursos para análise dos componentes subjetivos da obra de arte. Como uma ciência estruturalista, que pensava a cultura e a arte como sistemas simbólicos de organização do conhecimento humano, a simbologia logo conquistou adeptos em vários círculos acadêmicos. Uma destas adeptas foi Susanne Langer, que encontrou, nos conceitos de Cassirer, uma referência para a filosofia da arte. Vale assinalar que, tanto os conceitos de Cassirer quanto os desdobramentos filosóficos levantados por Langer foram referências importantes para os estudos do crítico brasileiro.

Neste ínterim, sobretudo no período em que esteve exilado nos EUA, na década de 1940, Pedrosa teve acesso a um universo de debates artísticos38. Além de ter contato direto com a abstração, pôde acompanhar as discussões levantadas pela filósofa norte-americana Susanne Langer (1895-1985), nas suas obras mais conhecidas, Filosofia em nova chave (de 1942) e Sentimento e Forma (de 1953). Pedrosa, certamente, acompanhou os debates decorrentes da publicação de 1942, uma vez que retornou ao Brasil somente em 1945.

Como adepta das ideias de Cassirer, a obra da autora é marcada pela discussão do pensamento simbólico como fato inerente à cultura humana. Distinguindo os símbolos da arte e os símbolos empregados na linguagem humana, ela se aproxima da filosofia de Ludwig Wittgenstein, no tocante aos estudos sobre a filosofia da linguagem. Em palavras gerais, os estudos de Langer refletem sobre os conteúdos dos „signos‟ e dos „símbolos‟ e, neste sentido, a autora “estabelece a distinção entre „formas simbólicas discursivas‟, onde o modelo é a linguagem propriamente dita, e as „formas simbólicas apresentativas‟ das quais a arte é um

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Novamente assinalamos que, neste período, muitos intelectuais europeus imigraram para os Estados Unidos por causa da perseguição nazista, fosse por questões ideológicas ou pelo antissemitismo. Muitos pensadores e artistas deslocaram-se do cenário europeu com destino às cidades norte-americanas. Vale destacar, também, que, entre as décadas de 1940 e 50, o eixo das atenções de produção, circulação e comércio do mercado de arte deslocou-se de Paris para Nova York. Mário Pedrosa esteve exilado, trabalhando em Nova York, e pôde acompanhar as pesquisas, exposições e conferências da intelectualidade imigrante recém-chegada, na América.

exemplo”. (FELÍCIO, 1973)39

Langer assinalou que a linguagem artística comunica o que a linguagem verbal não é capaz de expressar.

Em meio a estes debates no contexto norte-americano, Mário Pedrosa interessou-se pelas reflexões filosóficas de Langer sobre o caráter simbólico da arte e sua teoria semântica, pensada como filosofia da arte para a crítica de arte. E a obra Sentimento e forma é o texto que mais diretamente atraiu a atenção do crítico. A própria autora, na introdução de seu livro, esclareceu que:

O que Sentimento e Forma propõe-se fazer é especificar os significados das palavras: expressão, criação, símbolo, significação (import), intuição, vitalidade, e forma orgânica, de tal modo que possamos entender, em seus termos, a natureza da arte e sua relação com o sentimento (...). O propósito principal do livro, portanto, pode ser descrito como sendo a construção de uma infra- estrutura intelectual para estudos filosóficos, gerais ou detalhados, relacionados com a arte. (LANGER, 2006, p.XIII)

A autora descreve a proposta de sua obra como uma investigação dos significados literais e simbólicos de léxicos relacionados ao campo das artes. Através das análises dos signos linguísticos, Langer delineou reflexões sobre as questões filosóficas concernentes à epistemologia artística e sua relação semântica com a acepção simbólica. O curioso é que a filósofa deixa entrever a sua preocupação com a natureza da arte, na medida em que ela assume a relação entre racionalização filosófica e sentimentos como elementos inerentes à discussão artística. Assim como a filosofia opera com a lógica como abstração de conceitos, a arte, igualmente, lida com a metáfora e a poesia como forma de abstrair a experiência proposta pelo artista, com o objetivo de nos levar a refletir sobre a infraestrutura da realidade.

A obra de Langer nos traz uma série de palavras e conceitos que encontramos no vocabulário de Mário Pedrosa. E, não por acaso, a autora foi uma grande influência no pensamento do crítico, que a citou diversas vezes em suas críticas e estudos. Citação como esta, retirada do texto Problemática da

sensibilidade I, que traz uma designação bastante emblemática da influência das ideias de Langer:

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Resenha de Vera Lúcia Felício publicada na Revista da USP sobre o primeiro livro de Susanne Langer, Filosofia em nova chave, que ressalta, ainda, ideias norteadoras de toda pesquisa da filósofa. A discussão de Langer busca situar a dimensão simbólica no acesso à compreensão da linguagem artística.

(...) a obra de arte „nos dá formas de imaginação e formas de sentimento inseparavelmente; quer dizer, clarifica e organiza a intuição mesma. E é por isso que tem a força de uma revelação e inspira um sentimento de profunda satisfação intelectual, embora não manifeste nenhum trabalho intelectual consciente (raciocínio). (PEDROSA, 2007, p.15)40

Nesta citação de Pedrosa, nota-se, diretamente, a referência ao trabalho artístico como um processo produtivo diferenciado. Pedrosa usa vocábulos específicos, tais como imaginação, sentimento e intuição; caros ao texto da autora. A formulação de que a arte é uma forma de pensamento que conjuga a imaginação, os sentimentos e o intelecto foi uma ideia cara a Bergson, a Cassirer, a Langer e, conseguintemente, a Pedrosa. Estas apreciações teóricas colaboraram para o arcabouço teórico de Pedrosa e alargaram a compreensão do crítico sobre a ciência estética. Muitas das ideias de Bergson chegaram a Pedrosa via Susanne Langer. Em dada altura da obra Sentimento e forma, quando a filósofa discorre sobre a expressividade da arte, ela discute o conceito de intuição. Neste momento, Langer traça um paralelo entre o legado conceitual de dois filósofos. Sobre este tema metafísico, ela diz:

A palavra “intuição”, usada no contexto da teoria filosófica da arte, traz naturalmente à mente dois grandes nomes - Bergson e Croce. Mas, se se pensar na intuição nos termos que eles tornaram familiares, soa paradoxal falar-se “intuição intelectual” porque - sejam quais forem as diferenças que suas doutrinas possam mostrar - um ponto em que estão de acordo é na natureza não-intelectual da intuição. (LANGER, 2006, p. 389)

A autora explora o conceito da intuição a partir do lastro filosófico de Bergson e Croce. Dois filósofos contemporâneos a Pedrosa, da primeira metade do século XX. Curioso notar que, embora falando de locais distintos, Bergson, francês (1859- 1941); Croce, italiano (1866-1952) e Langer, norte-americana (1895-1985), todos convergem para o conceito da intuição como essência criadora do conhecimento artístico. À luz da tradição filosófica, poderíamos afirmar que o conceito de intuição teria tomado corpo em Bergson, tendo sido posteriormente retomado por Croce.

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Neste texto, Pedrosa discute a necessidade de considerar as dimensões sensíveis e simbólicas da obra de arte. O crítico aponta que a discussão sobre a sensibilidade envolve um alargamento da compreensão sobre a própria epistemologia da ciência estética: arte é forma e conteúdo sensível. Nos dois artigos intitulados Problemática da sensibilidade (I e II), ambos de 1959, Pedrosa visa esclarecer o emprego dos termos “sensibilidade” e “sentimentos” no âmbito da arte. Textos publicados na coletânea organizada por Aracy Amaral na década de 1970 e republicados em 2007.

Langer recebe este legado como influência e afirma estar mais próxima da noção de Croce do que da de Bergson.

(...) a intuição, da maneira como Bergson a concebeu, está tão próxima da experiência mística que ela realmente foge à análise filosófica; (...) Croce tem uma noção mais usável, a saber, percepção imediata, que é sempre de uma coisa; (...) Mas aqui o ato de intuição não é, como Bergson o entendia, uma cega “tomada de posse” ou experiência emocional da “realidade”; ela é, para Croce, um ato de percepção pelo qual o conteúdo é formado, o que quer dizer para ele, convertido em forma. (LANGER, 2006, p.389)

Ao comentar as diferentes concepções da intuição na criação artística, a própria Susanne declarou que não assumiria a discussão para si – e também nós não o faremos. A citação acima exposta foi alocada para elucidar a dinâmica do debate sobre o papel da intuição na compreensão artística. O que nos interessa, aqui, é pontuar as influências destes pensadores sobre Langer, e assinalar como todas estas ideias chegaram a ser assimiladas pelo nosso crítico Mário Pedrosa.

Além do debate sobre as apreensões de “intuição”, no conhecimento artístico, outra reverberação importante do pensamento de Langer sobre Pedrosa será o caráter sensível da arte. Assim como pontua o título da obra da autora, a obra de arte é “sentimento” e é também “forma”. Em outro momento de seu texto, Pedrosa entrevê a alusão à abordagem de Langer:

A obra de arte é a objetivação sensível ou imaginária de uma nova concepção, de um sentimento que passa, assim, pela primeira vez, a ser entendido pelos homens, enriquecendo-lhes as vivências. O artista apenas organizou para nós, para nosso conhecimento, para nossa contemplação, uma forma-objeto, um objeto-sentimento, um sentimento-imaginação. (PEDROSA, 2007, p.15)

Nesta passagem, destacamos como a análise de Pedrosa não se restringe mais aos conteúdos formais da obra de arte. Ele alargou seu espectro de observação, ao assimilar a análise sensível do conteúdo artístico. Assim, o crítico descreve um caminho de composição da obra que passa pela forma, pelo objeto, pelo sentimento e pela imaginação. O antigo binômio “Forma-conteúdo” traduz a forma, como matéria física do objeto, e o conteúdo, como sentimento e imaginação. Nesta instância, a obra de arte conjuga uma capacidade de comunicar e exprimir, o que a linguagem verbal logicizada não alcançou dizer. E esta habilidade, em potencial, da obra de arte somente é possível porque dialoga diretamente com as vias sensíveis da imaginação de seu espectador. Sem imaginação e sentimento, a

obra de arte se reduz a um constructo racional, fundamentado somente na cognição, podado da capacidade de alçar outras correlações simbólicas, com outros tempos e outros espaços.

2.5 A psicanálise da percepção artística e a psicologia da imaginação artística: A