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Influência do estado puerperal

CAPÍTULO 3 CARACTERIZAÇÃO DO INFANTICÍDIO SOB O VIÉS DA

3.2 Influência do estado puerperal

Com o decorrer dos anos, a sociedade foi evoluindo procurando meios adequados para uma maior compreenção, e no que tange ao Código Penal e ao infanticídio que é um assunto polêmico os doutrinadores passaram então a estabelecer um critério diverso do psicológico ligado ao motivo de honra, com a intenção de conseguir um critério que sanace as lacunas dos sistema anterior e o critério o qual era utilizado, onde pelo critério clássico a circunstância elementar do

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motivo de honra só adequava-se em caso de gravidez ilegítima, fora do casamento ou de mãe solteira.

Em cima desse motivo os doutrinadores procurando obter um sistema mais equânime, passaram então a adotar o critério fisiopsicológico, baseado então em distúrbios mentais que sofre a parturiente em razão de pertubações derivadas então do tido estado puerperal.

Se num primeiro momento a corrente clássica do critério psicológico estava ligada a pertubações psíquicas decorrentes da índole da infanticída, sentindo-se esta desonrosa vem então a prática do crime, já num segundo momento aqui apresentado, o que é levado em conta não é o simples fato da honra mas sim como cita Ribeiro58, “ [...] leva-se em conta um particular estado de pertubação psíquica da mãe, determinado por fatores psicológicos em decorrência do puerpério [...]”.

Quanto a esse critério, Nélson Hunrgria59 reporta-se da seguinte maneira:

O critério fisiopsicológico ao contrário do puramente psicológico, não distingue entre gravidez ilegítima ou legítima, abstraindo, portanto, ou pelo menos relegando para terreno secundário, a causa honoris: somente tem em conta a particular perturbação fisiopsíquica decorrente do parto. Ao invés do impetus pudoris, o impetus doloris.

Há divergências no que diz respeito à conceituação e principalmente a duração desse estado entre doutrinadores, Nério Rojas60, salienta que:

Uns chamam estado puerperal à gravidez, ao parto e ao puerpério que o segue; outros somente a este último; outros consideram que esse estado puerperal dura o tempo da involução clínica do útero; alguns o relacionam à involução histológica desse órgão, que pode durar até dois meses.

Irene Batista Muakad61, nos fala, “[...] autores clássicos do campo médico- legal consideram que esse transtorno dura alguns minutos ou mais, nunca ultrapassando 48 horas.”, no campo jurídico não há um período adotado como unânime entre os doutrinadores, fica então designado à medicina legal precisamente ao médico-legista comprovar se houve ou não a influência do estado puerperal através de exames feitos na infanticida.

______________ 58 RIIBEIRO, 2004, p. 69. 59 HUNGRIA, 1979, p. 244. 60

ROJAS, 1936, p. 351 apud NORONHA, 1995, p. 41. 61

Relembrando aqui ser de muita dificuldade o exame e a busca de provas, pois esse estado não deixa seqüelas e após algum tempo regridem, dificultando ainda mais a busca de elementos para a comprovação pelo médico-legista.

Assim como nos mostra a Revista dos Tribunais62:

Infanticídio. Exclusão da hipótese de homicídio doloso. Estado puerperal reconhecido, embora não constatado pela perícia, por se tornar conhecido o fato muito tempo depois. Pronúncia mantida. Inteligência do art. 123 do Código Penal. O fato de não ter sido constatado pelo exame pericial, por ter sido o crime conhecido muito tempo depois, não impede o reconhecimento do estado puerperal, que deve receber uma interpretação suficientemente ampla, de modo a abranger o variável período puerperal, que não é privativo da primípara.

Ao retornarmos a questão específica do estado psicológico que envolve a parturiente e mais precisamente a influência do estado puerperal, citamos então o entendimento conceitual de Ribeiro63:

O estado puerperal é uma forma fugaz e transitória de alienação mental, é um estado psíquico patológico que, durante o parto, leva a gestante à prática de condutas furiosas e incontroláveis, mas, após o puerpério, a saúde mental reaparece.

Quanto a essa posição Krafft Ebing64 em apoio cita:

Durante o período do puerpério, a mulher passa por profunda irritação provocada pelos tremores convulsivos, as dores e os suores, a emoção e a fadiga do fenômeno obstétrico. Essas circunstâncias determinan-lhe um colapso do senso moral, uma desordem mental e uma superexcitação frenética, que a privam da sua capacidade de querer e entender, nada recordando após o fato a respeito da sua conduta.

Há que se falar na discordância de doutrinários, entre várias vertentes, no que tange ao infanticídio e mais precisamente quando se fala no estado puerperal. Essas discordâncias não são apenas quanto ao conceito, mas também a existência e sua duração.

Podemos notar a falta de unanimidade de entendimentos doutrinários do que venha a ser o estado puerperal, e encima desta lacuna procuraremos buscar entendimentos um pouco mais uniformes tidos como maioria, para que possamos adquirir uma compreensão mais precisa do assunto em questão.

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REVISTA DOS TRIBUNAIS, 1980, p. 318 apud Ribeiro, 2004, p. 68. 63

RIBEIRO, 2004, p. 71. 64

Maggio65 assegura em seu entendimento que:

É pacífico o entendimento de que a influência do estado puerperal há simplesmente de diminuir ou reduzir a capacidade de compreensão, discernimento e resistência da parturiente. Havendo, então, relativa incapacidade de autodeterminação em decorrência do estado puerperal da mãe e, a morte do filho nascente ou neonato, estará configurado o crime de infanticídio.

É-nos interessante mencionar o fato de que algum tempo após o parto, é possível a ocorrência de alguns distúrbios psicológicos na mulher causado pelo estado puerperal como nos menciona Maggio66:

Ocorre que, ás vezes, dias após o parto, é possível que o estado puerperal cause na mulher uma perturbação psicológica de natureza patológica, a chamada psicose puerperal, que geralmente está associada a uma doença mental preexistente que acaba por anular a capacidade de compreensão e discernimento da parturiente. Neste caso, o que se tem é a inimputabilidade, ou seja, a inexistência de crime (ou de imposição de pena) por falta de agente culpável.

Ribeiro67, por sua vez:

Com a expulsão da placenta, inicia-se a fase denominada post-partum ou puerpério, que tem a duração de aproximadamente quarenta dias (seis a oito semanas). Nessa fase – o puerpério – a mulher passa, em regra, por volta do terceiro dia após o parto, por uma depressão física e psíquica, que, dentro de uma normalidade, caracteriza-se por uma ligeira confusão por parte da mulher com relação ao seu corpo (com nova forma após nove meses). Psicologicamente, a mãe confunde-se com relação à sua troca de papéis, de gestante para o de mãe. São causas desta depressão não só os fatores citados, como também as alterações hormonais, metabólicas, orgânicas em geral, pelas quais passa a mãe. Essa depressão, com o devido acompanhamento médico e familiar da recém mãe e de seu marido, cessa em alguns dias. Ressalta, porém, esta devida retaguarda afetiva, unida à disposição individual da parturiente à criança.

Quanto a esses distúrbios Nélson Hungria68 posiciona-se:

Há as psicoses que costumam sobrevir após o parto, chamadas puerperais. Trata-se, geralmente, de confusões alucinatórias agudas, de ofuscamentos da consciência, manias transitórias, amências, delírios. Modernamente, os psiquiatras afirmam que não existem psicoses puerperais específicas. Surgem elas no terreno lavrado pela tara psíquica que se agrava pelos processos metabólicos do estado puerperal ou são uma species do genus “psicoses sintomáticas”, isto é, transtornos psíquicos que se apresentam no curso de enfermidades gerais internas, de infecções agudas, de intoxicações, etc., e cujas lesões não têm uma localização cerebral. Tais psicoses manifestam-se, de regra, vários dias após o parto, e nada têm a ver com elas, portanto, o art. 123, deixando a ocisão do infante de ser

______________ 65 MAGGIO, 2002, p. 52. 66 Ibid., p. 53. 67 RIBEIRO, 2004, p. 72-73. 68 HUNGRIA, 1979, p. 256-257.

infanticídio para constituir, objetivamente, o crime de homicídio, mas devendo a acusada ser tratada segundo a norma geral sobre a responsabilidade ou capacidade de direito penal (art.22).

Todavia, há que se ponderar que nesses casos não se aplica então o artigo 123 do Código Penal, mas sim o artigo 26 ou seu parágrafo único, conforme o caso, assim como afirma Nélson Hungria acima em citação, já que o artigo 22 referido por ele, hoje se equipara ao artigo 26 do atual Código Penal vigente.

Ao passo que há estados psicopáticos que podem aflorar durante o parto, no momento do parto ou sobrevir após o parto, Ribeiro69 afirma ser essas psicopatias doenças já presentes nas parturientes, que são desencadeadas com o choque obstétrico do parto. Muakad70 por sua vez afirma que essas hipóteses não caracterizam o estado puerperal e por força do artigo 26 do Código Penal configuram a inimputabilidade criminal.

Seguindo a linha desse raciocínio Noronha71 nos reporta uma diferenciação de suma importância para melhor compreensão dessa caracterização do estado puerperal que diz o seguinte:

Em suma, parece-nos que quatro hipóteses podem ocorrer: a) o puerpério nenhuma alteração produz a mulher; b) acarreta-lhe perturbações que são a causa do exício do filho; c) provoca-lhe doença mental (art. 26); d) produz- lhe causas de semi-imputabilidade (parágrafo único). Na primeira, haverá homicídio; na segunda, infanticídio; na terceira, a infanticida é isenta de pena; na última, terá atenuada a imputabilidade.

Sob esse mesmo entendimento verificamos o pensamento dado por Ribeiro72:

O indigitado estado puerperal pode apresentar quatro hipóteses, a saber: a) o puerpério não produz nenhuma alteração na mulher; b) acarretam-lhe perturbações psicossomáticas que são a causa da violência contra o próprio filho; c) provoca-lhe doença mental; d) produz-lhe perturbações da saúde mental diminuindo-lhe a capacidade de entendimento ou de determinação. Na primeira hipótese, haverá homicídio; na segunda, infanticídio; na terceira, a parturiente é isenta de pena em razão de sua inimputabilidade (art. 26, caput, CP); na quarta, terá uma redução de pena, em razão de sua semi-imputabilidade.

O mesmo afirma Noronha73, “[...] não serão infanticidas, mas homicidas, cuja imputabilidade não se pode deixar de fazer à luz do art. 26 do Código”.

______________ 69 RIBEIRO, 2004, p. 77. 70 MUAKAD, 2002, p. 160. 71 NORONHA, 1995, p. 42-43. 72 RIBEIRO, 2004, p. 93.

E completando essa questão das hipóteses de caracterização do infanticídio trazemos aqui uma outra explicação de Ribeiro74 no que diz respeito à influência do estado puerperal:

Convém destacar que a influência do estado puerperal, como elemento normativo do tipo, deve conjugar-se como outro elemento normativo, este de natureza temporal, qual seja, durante o parto ou logo após. A presença de qualquer desses dois elementos, isoladamente, é insuficiente para tipificar o delictum exceptum.

Sob o aspecto da caracterização do infanticídio quanto à influência do estado puerperal citamos um acórdão75:

Infanticídio. Pronúncia. Recurso em sentido estrito. A morte do próprio filho pela própria mãe, logo após o parto e ainda sob influência do estado puerperal que lhe determina perturbação da saúde mental, como constatado pericialmente, caracteriza, em tese, o crime definido no art. 123 do Código Penal e não homicídio qualificado por asfixia. Pronúncia confirmada. Recurso em sentido estrito ministerial não acolhido.

Por ocorrência desses possíveis distúrbios percebemos então que é de suma importância a rapidez no que diz respeito aos exames da puérpera, e principalmente a eficácia do laudo técnico, basicamente a proximidade destes com a ocorrência do delito. Já que como foi observado no capítulo anterior do presente trabalho o que ocorre normalmente é a dificuldade nas perícias, já que as seqüelas das psicoses e surtos não são cerebrais e desaparecem com muita rapidez.

Não poderíamos deixar de mencionar o que nos ensina Hélio Gomes76 sobre tal fator:

[...] o exame mental pode ser necessário nos de psicose puerperais ou de estados psicopáticos agravados pela gestação, o parto e o puerpério [...] Além disso, o perito terá de julgar da influência que o estado puerperal possa ter desempenhado na produção do delito, o que será muito difícil, pois o exame se realizará, quase sempre, bastante tempo depois do crime, quando nenhum elemento semiótico existirá mais.

Uma questão marcante é a do termo logo após o parto no que diz respeito à duração do termo que se encontra presente no artigo 123 do Código Penal. Ribeiro77

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73

NORONHA, 1995, p. 42. 74

RIBEIRO, op. cit., p. 93. 75

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Recuso em sentido estrito, n. 70021939301. Terceira Câmara Criminal. Relator: Giacomuzzi, Julgado em 19/12/2007.

76

GOMES, 2004, p. 499-500. 77

nos coloca seu entendimento de que esta duração tem no máximo ou aproximadamente dois meses, ou seja, seis a oito semanas.

Hungria78 destaca ao abordar o tema:

A expressão “logo após o parto” não deve ser entendida isoladamente, mas subordinada à frase anterior do art. 123 – “sob a influência do estado puerperal”. Não lhe pode ser dada uma interpretação judaica, mas suficientemente ampla, de modo a abranger o variável período do choque puerperal.

E. Magalhães Noronha79 ainda sobre a questão da duração do logo após o parto nos traz suas considerações seguintes, “a lei não fixou prazo, como outrora alguns Códigos faziam, porém não se lhe pode dar uma interpretação mesquinha, mas ampla, de modo que abranja o variável período do choque puerperal”.

Nélson Hungria80 por sua vez complementa com o seguinte entendimento:

O que se faz essencial, porém, do ponto de vista jurídico-penal, é que a parturiente ainda não tenha entrado na fase de bonança e quietação, isto é, no período em que já se afirma predominante e exclusivista, o instinto maternal. Trata-se de uma circunstância de fato a ser averiguada pelos peritos-médicos e mediante prova indireta.

É inegável a existência de variadas concepções doutrinárias quanto ao significado do “logo após o parto”, para Muakad o “logo após o parto” significa alguns minutos após o parto ou mais nunca ultrapassando 48 horas. Heleno Cláudio Fragoso diz significar logo em seguida, imediatamente após não havendo intervalo. Bento de Faria afirma ser o prazo de oito dias, momento em que ocorre a queda do cordão umbilical. A. J. da Costa e Silva sustenta que a expressão "logo após" quer significar "enquanto perdura o estado emocional".

A. F. de Almeida Júnior, que, de início, se referia a um prazo preciso de até sete dias após o parto, passou a admitir que se deva deixar a interpretação a critério do julgador. Flamínio Fávero também entende que a definição compete ao julgador. Por seu turno, Damásio Evangelista de Jesus estende o lapso temporal até enquanto perdurar a influência do chamado estado puerperal.

______________ 78 HUNGRIA, 1979, p. 264. 79 NORONHA, 1995, p. 44. 80

No caso concreto o que será verificado aqui pelo juiz será de um lado os dados objetivos da contagem do tempo como a questão “logo após o parto”, de outro lado, os elementos subjetivos da autora, de ordem psicológica, fisiológica e social, para que ele possa decidir se o crime foi realmente cometido sob a influência do anunciado estado puerperal, durante o parto ou logo após este.

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