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O ESTADO PUERPERAL NO CRIME DE INFANTICÍDIO

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U

NIVERSIDADE

C

ATÓLICA DE

B

RASÍLIA

PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Direito

“O ESTADO PUERPERAL NO CRIME DE INFANTICÍDIO”

Autora: Aline Becker Ferretti

Orientador: Prof. Douglas Ponciano da Silva

2008

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O ESTADO PUERPERAL NO CRIME DE INFANTICÍDIO

Trabalho apresentado ao curso de graduação em direito da Universidade Católica de Brasília, UCB, como requisito para obtenção do Título de Bacharel em Direito Civil.

Orientador: Prof. Douglas Ponciano da

Silva.

Brasília 2008

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Trabalho de autoria de Aline Becker Ferretti, intitulado “O Estado Puerperal no Crime de Infanticídio”, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, defendida e aprovada, em Brasília, em 00 de 2008, pela banca examinadora constituída por:

______________________________________ Prof. Douglas Ponciano da Silva

Orientador __________________________________ Prof. Integrante _________________________________ Prof. Integrante Brasília 2008

(4)

Dedico o presente trabalho, à Deus, fonte de vida, força e esperança, que guiou os meus estudos ao longo dessa trajetória, e aos meus pais, pelo incansável incentivo, confiança e paciência, ao longo desta jornada, e a todos aqueles que participaram desta realização.

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Agradecimentos

Ao Prof. Douglas Ponciano da Silva, meu orientador, pela gentil acolhida, pelos ensinamentos e sugestões para que fosse possível a concretização deste trabalho. Á Universidade Católica de Brasília, por me propiciar a oportunidade de aprender.

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FERRETTI, Aline Becker. O estado puerperal no crime de infanticídio. 2008. 76 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Faculdade de Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2008.

O crime de infanticídio caracteriza-se pela morte do nascente ou do recém-nascido, produzida pela própria mãe, sob influência do estado puerperal. Este delito tem como sujeito ativo, apenas a mãe, e, como sujeito passivo, o ser nascente ou o recém-nascido. A objetividade jurídica, evidentemente, é a preservação da vida humana. No tocante ao elemento subjetivo da autoria, existem duas correntes doutrinárias: a psicológica e a fisiopsicológica. Na primeira, leva em consideração a honra da infanticida. Na segunda, considera apenas o desequilíbrio fisiopsicológico proveniente do parto, corrente esta, adotada pelo Código Penal brasileiro. Sobre a questão do concurso de pessoas, de acordo com a legislação e as prerrogativas específicas, o nosso Código Penal expressamente determinou ao intérprete a analisar o problema da co-autoria sob as determinações dos artigos 29 (caput) e 30. Eis que se o terceiro instiga, induz ou auxilia a parturiente a matar o filho, estará concorrendo para o delito, cujo resultado caracteriza o infanticídio, já que a influência do estado puerperal é elementar do tipo, comunicando-se ao fato do co-autor ou partícipe, conforme o ditame do artigo 30 do Código Penal vigente.

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FERRETTI, Aline Becker. The state crime of infanticide in puerperal. 2008. 76 f. Monograph (Graduation) – Faculty of Law, University of Brasília Catholic, Brasília, 2008.

The infanticide crime is characterized by the death of the East or of the newly born, produced by the own mother, under influence of the state puerperal. This crime has as active subject, just the mother, and, as passive subject, being nascent or the newly born. The juridical objectivity, evidently, is the preservation of the human life. Concerning the subjective element of the authorship, two currents doctrinaires exist: the psychological and the fisiopsicológica. In the first, it takes in consideration the infanticide's honor. On Monday, it just considers the unbalance originating from fisiopsicológico the childbirth, current this, adopted by the Brazilian penal code. On the subject of the people's contest, in agreement with the legislation and the prerogatives specifics, our penal code expressly determined the interpreter to analyze the problem of the co-authorship under the determinations of the goods 29 (caput) and 30. Suddenly if the third urge, it induces or it aids the parturient to kill the son, it will be competing for the crime, whose result characterizes the infanticide, since the influence of the state puerperal is elementary of the type, communicating to the joint author fact or participles, according to the ditame of the article 30 of the effective penal code.

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INTRODUÇÃO ...9

CAPÍTULO 1 - EVOLUÇÃO HISTÓRICA ...12

1.1 Período intermediário ...13

1.2 Período moderno ...14

1.3 Análise histórica do infanticídio no Brasil...16

1.3.1 Ordenações do reino ...17

1.3.2 Código criminal do império ...17

1.3.3 Código penal republicano...19

1.3.4 Projetos ...20

1.3.5 Código penal de 1940 ...21

1.3.6 O infanticídio nos dias atuais...22

CAPÍTULO 2 - CONCEITO DE INFANTICÍDIO ...25

2.1 Elementares do crime ...26 2.2 Infante nascido ...27 2.3 Neonato ou recém-nascido...28 2.3.1 Vida extra-uterina ...28 2.3.2 Puerpério...30 2.3.3 Estado puerperal ...31

2.3.4 O estado puerperal sob a visão da medicina legal...34

2.3.5 Objetividade jurídica e bem juridicamente protegido ...36

CAPÍTULO 3 - CARACTERIZAÇÃO DO INFANTICÍDIO SOB O VIÉS DA JURISPRUDÊNCIA ...38

3.1 Motivo de honra ...38

3.2 Influência do estado puerperal...41

3.3 Análise das correntes psicológica e fisiopsicológica...48

3.3.1 Corrente psicológica...48

3.3.2 Corrente fisiopsicológica ...51

3.3.3 A posição jurisprudencial quanto as correntes psicológica e fisiopsicológica ...52

CAPÍTULO 4 - INFANTICÍDIO: ENTRE A AUTORIA E O CONCURSO DE PESSOAS ...56

4.1 Sujeito ativo do infanticídio ...56

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CONCLUSÃO ...69 REFERÊNCIAS...74

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INTRODUÇÃO

A cultura brasileira, sob o ponto de vista subjetivo, encarou e interpretou o infanticídio como algo abominável, um tipo de crime que não merecia nenhum tipo de perdão. Em alguns casos essa interpretação ocorre sob o parâmetro passional, sem levar em conta outras questões que este estudo aborda como os aspectos psicológicos de quem comete este tipo de ato. No crime de infanticídio, para que fique caracterizada a consumação, deverá haver a morte do feto nascente, ou do infante nascido. Para alguns estudiosos, como veremos adiante, a morte, só existe, a partir do momento em que se apresenta a chamada Trípode de Bichat, que é constituída pela cessação das funções cerebrais, da circulação e da respiração.

Para outros juristas e estudiosos, não interessa questionar a respeito da viabilidade do ser que nasce, bastando apenas que ele nasça com vida. Como o feto nascente pode também ser sujeito passivo do infanticídio, não se exige que tenha havido vida extra-uterina, mas apenas vida biológica. Como se pode perceber, esse tema é bastante complexo, e ao mesmo tempo polêmico, por despertar na população, uma rejeição imediata, e às vezes o desejo de vingança.

Para que fique configurado o crime de infanticídio, é necessário que a morte do sujeito passivo tenha ocorrido durante ou logo após o parto. Neste sentido, a jurisprudência ainda vivencia uma querela doutrinária, a respeito do que se deve entender pela elementar normativa temporal durante o parto ou logo após. A doutrina médica não é pacífica ao tratar do início e fim do parto. Para alguns autores, o parto inicia-se com as primeiras contrações uterinas e termina com a expulsão do produto da concepção. Para outros, o parto inicia-se com o período de dilatação uterina e termina com a expulsão da placenta. Esta falta de entendimento dificulta a caracterização do crime, pois, se ocorrer a morte criminosa do feto antes de iniciado o parto, trata-se de aborto, e se não se der durante ou logo após o parto, será homicídio.

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Para Nelson Hungria1, a expressão “logo após o parto”, não deve ser entendida isoladamente, mas subordinada ao art. 123 do Código Penal, que se refere a um estado “sob a influência do estado puerperal”. Como vemos, não pode ser dada uma interpretação única, mas suficientemente ampla, de modo a abranger o variável período de choque puerperal.Desta forma, apesar de a lei não ter fixado um prazo para sua ocorrência, não podemos interpretar de forma restrita, mas sim de forma ampla até que se possa abranger o variável período do estado puerperal.

Com relação à forma tentada do infanticídio, não há muitos pormenores a se tratar, pois há na doutrina a admissão da sua existência, em virtude da materialidade do crime, que ocorre quando, iniciada a ação de matar, esta não se consuma, por motivos alheios à vontade da agente. Por força do disposto no artigo 14 inciso II do Código Penal Brasileiro, pune-se a tentativa de infanticídio com a pena correspondente ao crime consumado, que é a de detenção por 2 (dois) a 6 (seis) anos, diminuída de um a dois terços.

Portanto, essa temática envolve várias concepções, opiniões e debates, fazendo com que os operadores do direito se aprofundem cada vez mais nas suas prerrogativas. Até porque, hoje é um crime, que ocorre com certa freqüência em nosso país, e acaba dividindo opiniões dos indivíduos, e exigindo um posicionamento da justiça, no sentido de sempre fazer valer a justiça. Sob este aspecto, resta inegável que o infanticídio, enquanto tipo autônomo ocasionou e ocasiona muitas querelas jurisprudenciais e doutrinárias, criando assim um ambiente de incertezas com relação ao correto julgamento de quem incorre neste crime. Fazendo então com que o direito, muitas vezes, deixe de ser aplicado de forma satisfatória para a sociedade, e enseja desta forma, um estudo profundo do delito de infanticídio.

Nesse sentido, a pesquisa monográfica que se apresenta tem como metodologia, uma revisão bibliográfica de juristas, pesquisadores, médicos, peritos, que analisam os casos ocorridos, e dão um parecer técnico, profissional, e às vezes humano à questão. Portanto, ela tem um caráter analítico e qualitativo, em que ao longo dos quatro capítulos, se tem uma reflexão precisa sobre os parâmetros ______________

1

HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. v. 5, p. 264.

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judiciários, compatíveis com a punição ou absolvição deste tipo de crime, além do viés fisiopsicológico de quem pratica tal ato.

Quanto ao objetivo geral, esta monografia busca analisar o que é de fato o infanticídio, e quais aspectos envolvem este “fenômeno”, que tradicionalmente choca a população, fazendo com que os operadores do direito tomem uma posição enfática sobre cada caso. O objetivo específico é delimitar, sob o ponto de vista jurídico, os fatores que envolvem o infanticídio, tendo como base o Código Penal, a Constituição Federal, e outras prerrogativas da área judiciária, que são compatíveis com este tipo de ocorrência.

Para melhor sistematização do estudo, esta monografia é dividida em quatro capítulos. No primeiro capítulo temos a definição do que é o infanticídio, através de conjecturas históricas e cronológicas, passando por elementos que se relacionam com vários episódios já consumados. No segundo, colocamos algumas definições e posições jurídicas, no sentido de respaldar os pressupostos que foram levantados. No terceiro, elementos que tipificam, permeando os aspectos psicológicos e fisiopsicológicos e no quarto capítulo, consideramos os sujeitos que estão envolvidos direta ou indiretamente neste tipo de crime e a questão do concurso de pessoas.

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CAPÍTULO 1 - EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Para que possamos compreender melhor, e de forma clara, o que vem a ser o infanticídio, é imprescindível demonstrar e estudar a sua evolução histórica e cronológica, para que desta forma possamos entender o seu surgimento, enquanto um delito. Voltando às suas origens, num período que se encontra por volta do Séc. V a.C, verifica-se, que entre os bárbaros da Antigüidade, a morte dos filhos e crianças, não constituía crime, como também não atentava contra os costumes vigentes, expor recém-nascido por motivo de honra, religiosidade ou até mesmo deficiência física. Era freqüentemente praticado, nessa época, sacrifício de alguns povos ao seu Deus, oferecendo a ele seus filhos, como no Oriente, Esparta e América Pré-Colombiana. No que toca às práticas mais antigas do crime, as questões legais e penais conhecidas, são dados difíceis de serem encontrados, mas foi através de historiadores e filósofos que se fizeram as primeiras menções relacionadas a este tipo de crime.

Para Vicente de Paula Rodrigues Maggio2, “[...] as mais antigas legislações penais, não fazem qualquer referência a esse tipo de ato, concluindo ser, então, permitida essa conduta, que hoje é tida como delituosa.” Entre os gregos, era comum o sacrifício de crianças, de qualquer idade, que apresentassem alguma deformidade física, evidenciando que o grande culto ao corpo, à estética e á beleza daquela civilização, não encontrava limites éticos. Outra questão bastante comum neste período, era que o rei quando encontrava dificuldades quanto à falta de alimentos, acabava ordenando a morte de recém-nascidos.

Na velha Roma, a morte do próprio filho, praticada pelo pai, não constituía delito algum, podendo ele dispor do filho como quisesse. A criança na época, era propriedade dos pais, e os recém-nascidos considerados normais eram protegidos, já os defeituosos podiam ser submetidos à morte, de forma cruel, como o abandono vindo a morrer de fome e sede. Tinham também aqueles que poderiam servir de desonra para a família, estes teriam o mesmo destino dos considerados defeituosos. ______________

2

(14)

De acordo com Maggio3, “[...] crianças que nascessem imperfeitas, mal-formadas ou que constituísse desonra ou afronta à família, podiam ser mortas pelos pais depois do nascimento".

Sobre tal fato, Gláucio Vasconcelos Ribeiro4 menciona:

Em Roma, o filho estava totalmente submisso à autoridade paterna, que podia vendê-lo e condená-lo à morte. Leciona Fustel de Coulanges, que o pai era o juiz. E condenar o filho à morte, era uma virtude, e um direito de justiça. Esse patria potestas explica a existência de lei do primeiro período do direito romano (direito antigo), na qual era punida com a morte, a mãe que matasse o próprio filho, nada prevendo quando o agente fosse o pai, pois este tinha o direito de matar.

Nessa época a criança recém-nascida era levada ao pai, que a pegava nos braços, e exibia como forma de conceder-lhe a vida. Caso o pai a colocasse deitada, era decretada a sua morte.

1.1 Período intermediário

Após este período entramos no século V ao XVIII d.C, onde essa prática pelos pais passa a ser incriminada por Justiniano. Tempo em que é observado o desaparecimento do direito de vida e de morte do pater familiae. Momento também marcado pela influência do Cristianismo, onde o pai ou a mãe que cometesse tal delito estaria sujeito às punições da época. Punições estas, bem severas, onde, sendo a mãe responsável pelo crime seria enterrada viva queimada ou até mesmo empalada5, cabendo aqui ressaltar que nesta época não havia diferença entre homicídio e infanticídio.

______________

3

MAGGIO, 2001, p. 34. 4

RIBEIRO, Gláucio Vasconcelos. Infanticídio: crime típico; figura autônoma; concurso de agentes. São Paulo: Pillares, 2004. p. 20-21.

5

Empalamento é uma técnica de tortura ou execução antiga que consistia em espetar uma estaca através do ânus até a boca do condenado até levá-lo à morte deixando um carvão em brasa na ponta para mesmo que chegue até a boca do condenado não morresse até algumas horas deois de homorragia. Usava-se também cravar a estaca pelo abdômen. WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre.

(15)

Conforme Nelson Hungria6:

O direito romano da época avançada incluía o infanticídio entre os crimes mais severamente punidos, não o distinguindo do homicídio. Se praticado pela mãe ou pelo pai, constituía modalidade do parricidium, e a pena aplicável era o culeus, de arrepiante atrocidade.

Foi o caso da Ordenação Criminal de Carlos V (Constitutio Criminalis

Carolina) a qual destacava que as mulheres que viessem a matar seus filhos

estariam sujeitas a serem sepultadas vivas, empaladas, afogadas e dilaceradas pelas entranhas, com recursos tenazes. E caso suplicassem, teriam como forma de atenuação da pena, o afogamento, mas apenas se não fossem reincidentes. Se reincidente, a ré só teria a opção de afogamento.

Nelson Hungria7 destaca o artigo 131 da Ordenação Penal de Carlos V, assim as mulheres que matavam:

______________

[...] secreta, voluntária e perversamente os filhos, que delas receberam a vida e membros, são enterradas vivas e empaladas, segundo o costume. Para que se evite o desespero, sejam estas malfeitoras afogadas, quando no lugar do julgamento houver para isto comodidade de água. Onde, porém, tais crimes se dão freqüentemente, permitidos, para maior terror dessas mulheres perversas, que se observe o dito costume de enterrar e empalar, ou que, antes da submersão a malfeitora seja dilacerada com tenazes ardentes.

A Igreja dá início à pregação do ato, como crime, e muitos juristas passaram a compreender que não cabia a ninguém, o direito de dar fim, à vida de outrem. A partir desse momento, o infanticídio passa a ser considerado um crime gravíssimo, e tratado como homicídio comum punido com a morte.

1.2 Período moderno

É notório que a vontade de punir severamente, as mães infanticidas, teve uma duração ao longo da Idade Média. E este rigor das penas, perdurou durante vários séculos, até o movimento Humanista, em que o Iluminismo e a doutrina do Direito Natural conferiram novos rumos ao tratamento penal do infanticídio, em

6

HUNGRIA, 1979, p. 239-240. 7

(16)

benefício da criminosa, passando o ato infracional a ser entendido como um delito especial.

O movimento que ocorreu por volta do século XVIII, sob influências de idéias iluministas, foi no sentido de fazer frente à displicência com que o legislador imputava às penas cruéis do infanticídio, propugnando pela sua consideração como um homicídio privilegiado, quando praticado em nome da honra pela mãe, ou por parentes. Sob esse entendimento, foram pioneiros Beccaria8 e Feuerbach, que no campo jurídico apresentaram propostas para leis mais humanistas. Maggio9

relata que:

Os filósofos do direito natural, visando diretamente, influenciar os legisladores, no sentido de privilegiar o delito, possuíam fortes e relevantes argumentos, como a pobreza, o conceito de honra, bem como a prole, portadora de doenças ou deformidade.

Muakad10 cita em sua obra, “[...] foi sob a influência das novas idéias a favor do abrandamento da pena, e contra a pena de morte, que surgiu a argumentação, de que nem sempre o móvel desse crime era a perversidade”. Conforme as mudanças foram ocorrendo, até mesmo com o surgimento de novas idéias, o infanticídio passa então a ter um novo tratamento, em que, de homicídio qualificado, passa a ser considerado pelas legislações da época, um homicídio privilegiado, quando praticado pela mãe ou por um parente da parturiente.

Muakad11 também relata: “[...] as legislações a partir do século XVIII passaram a aceitar a idéia do motivo de honra, e essa reação se fez sentir rapidamente, abolindo-se a pena de morte logo depois, na Áustria em 1803 e na Baviera em 1813”.

Notamos então que a pena de morte foi completamente deixada de lado, em virtude das mudanças sociais e seus costumes. Com isso a sociedade, juntamente ______________

8

À época, Beccaria tentou justificar a atitude criminosa das infanticidas alegando que "[...] o infanticídio é, ainda, o efeito quase inevitável da terrível alternativa em que se encontra uma desgraçada, que apenas cedeu por fraqueza, ou que sucumbiu aos esforços da violência. De um lado a infâmia, de outro a morte de um ente incapaz de avaliar a perda da existência: como não haveria de preferir essa última alternativa, que a subtrai à vergonha, à miséria, juntamente com o infeliz filhinho?" BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Paulo M. Oliveira. São Paulo: Martin Claret, 2002. p. 92.

9

MAGGIO, 2001, p. 36-37. 10

MUAKAD, Irene Batista. O Infanticídio: análise da doutrina médico-legal e da prática judiciária. São Paulo: Mackenzie, 2002. p. 85.

11

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com os filósofos do Direito Natural, tinham na pobreza, o conceito de honra e as deformidades como foco principal, fazendo com que os legisladores aplicassem uma pena mais branda para o crime em estudo, pois existiam na época grandes humilhações para as mães que engravidavam indesejadamente.

Maggio12 também coloca: “[...] somente o código napoleônico de 1810 e a lei inglesa, continuaram mantendo essa espécie de pena de morte.” Com o advento do Iluminismo, a pena imposta à infanticida passa a ser mais branda que a cominada ao homicida. Observamos que se inicia dessa maneira, a fase evolutiva de transformações que culminou com os dispositivos modernos da lei penal.

1.3 Análise histórica do infanticídio no Brasil

Na sociedade primitiva existente no Brasil, antes do domínio português, os povos indígenas viviam sob responsabilidade coletiva. Famílias inteiras se opunham às outras, sentiam e reagiam como um ente coletivo, e quanto aos problemas penais da época, eram solucionados, imperando-se a vingança privada. Conforme o pesquisador Maggio13, “[...] predominavam, então, o talião, a vingança privada e coletiva”.

Mirabete14 relata que nesta época, vigorava uma civilização, em que a pena de morte e as penas corporais, eram tidas como forma de represaria. Encontrava-se entre eles a vingança privada, vingança coletiva, vingança de sangue e o talião. Entre os índios, a responsabilidade penal era aplicada de forma igual a todos. Não existia inimputabilidade penal, condenava-se igualmente uma criança de 10 anos, como um idoso de 75 anos, nem mesmo existia diferença entre sexo masculino e feminino. ______________ 12 MAGGIO, 2001, p. 36. 13 Ibid., p. 37. 14

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Mas em relação ao infanticídio Maggio15 nos traz que “[...] o direito penal indígena, não constituía qualquer forma de direito penal escrito, e, quanto ao infanticídio, o próprio costume aceitava a sua prática com total indiferença ou com conduta irrelevante”.

1.3.1 Ordenações do reino

Com a chegada dos portugueses em nosso país, teve início um processo de mudanças, entre os indivíduos que aqui habitavam, assim também ocorrendo no sistema jurídico-penal existente. O Brasil era uma colônia de Portugal, vigorando, portanto, no país as ordenações do reino, que vigiam em Portugal e suas outras colônias. A parte referente ao direito penal estava contida no Livro V das referidas ordenações, Maggio16 ressalta que, “[...] o direito penal que vigorou no Brasil, desde o seu descobrimento até a independência, tinha por fonte o Livro V das Ordenações do Reino que, em nenhum momento, fazia qualquer referência específica ao infanticídio.” Mággio17, no Livro V, capítulo – Do Homicídio Qualificado, comenta sobre a seguinte disposição legal:

§ 31 – A mãe que, esquecendo-se de o ser, matar de propósito o seu filho infante, não por malignidade do coração, nem por outra paixão vil e baixa, ma com o fim de encobrir o seu delito, e de salvar a sua fama e reputação, será para sempre presa e reclusa na casa de correção.

1.3.2 Código criminal do império

Aos poucos o Brasil foi deixando de ser colônia de Portugal, e com o passar do tempo foi abandonando a velha legislação portuguesa. Sob a óptica do Código Criminal do Império, sancionado em 16 de setembro de 1830 trazia ele consigo uma orientação doutrinária em favor da mãe infanticida. O Código Criminal, artigo 197 ______________

15

MAGGIO, 2001, p. 37-38. 16

MAGGIO, loc. cit. 17

(19)

trazia no seu bojo in verbis: “Matar algum recém-nascido - pena de prisão por três a doze anos.”, causando muita discórdia entre alguns doutrinadores sobre a real compreensão desse artigo com o próximo a ser mencionado.

Já o artigo 198 do mesmo Código Criminal, período do Império traz a seguinte disposição in verbis: “Se a própria mãe matar o filho recém-nascido, para ocultar sua desonra – pena de prisão com trabalho por um a três anos.” Conforme Maggio18, “[...] em ambos os casos, o legislador utilizou somente a expressão recém-nascido, deixando sem amparo legal, o nascente (ser que se põe entre o feto e o recém-nascido)”. A grande discussão é a possibilidade de o crime ser praticado por parentes da vítima, ou até mesmo por estranhos, por motivo diverso ao da causa da honra, contido no artigo 197 do Código Criminal, em que a pena era cominada de três a doze anos de prisão simples e multa correspondente a metade do tempo, o outro, mencionado no artigo 198, é o crime praticado pela mãe que traz consigo a questão da honoris causa, um privilégio dado à mãe que cometesse tal barbaridade, apenada com um a três anos de prisão, em regime de prestação de serviço.

Todavia a grande indignação dos doutrinadores, em relação a essa época, era que a vida de uma criança, era entendida como um bem menor para a sociedade, comparado à vida de um adulto, pois aquele que cometia um homicídio era apenado de no máximo, a pena de morte, no conceito médio a pena perpétua, e no mínimo, pegaria vinte anos de prisão com trabalho. Comenta Ribeiro19 :

Conforme salientam os estudiosos desse ordenamento jurídico, verdadeiro e flagrante absurdo fora instaurado nessa legislação, quanto à primeira fórmula descrita, tendo em conta: os motivos determinantes, os agentes e as penas. Isto porque, quem matasse criança (sem ter sequer com ela qualquer parentesco), mediante os hediondos e idênticos meios descritos entre as agravantes para o homicídio, ver-se-ia beneficiado, assim mesmo, por extraordinária redução punitiva em relação àquele que provocasse a morte de um adulto, visto serem as penas cominadas para esta última forma de conduta a morte e as galés perpétuas.

______________

18

MAGGIO, 2001, p. 39. 19

(20)

1.3.3 Código penal republicano

Nota-se que o Código Penal Republicano de 1890 passou por algumas mudanças, adaptações, mas cabe ressaltar sobre a insatisfação dos cultores do direito da época tanto ao Código Criminal do Império de 1830 quanto ao agora mencionado Código Penal Republicano de 1890. Por mais que tenha havido mudanças no Código de 1890 o tratamento a questão do infanticídio continuou confuso trazendo ainda problemáticas quanto ao assunto, tendo em vista as controvérsias que já havia suscitado. Observa-se que ambos se prenderam ao motivo de honra como atenuante do crime de infanticídio, também lembrando que o código de 1830 e o código de 1890 admitiram outro agente do crime de infanticídio além da mãe.

No Código Penal Republicano de 1890, em seu artigo 298, dispunha in verbis:

Matar recém-nascido, isto é, infante nos sete primeiros dias de nascimento, quer empregando meios diretos e ativos, quer recusando à vítima os cuidados necessários à manutenção da vida e a impedir sua morte – Pena: prisão celular de 6 a 24 anos. Parágrafo único: se o crime for perpetrado pela mãe para ocultar desonra própria – Pena: prisão celular de 3 a 9 nos.

O legislador coloca como definição de recém-nascido, o infante até o sétimo dia após o nascimento, mas eis que surge a questão de como descobrir realmente se é ou não é uma criança, entre os seus sete primeiros dias de vida. Quanto a essa indagação, coube aos médicos legistas se manifestarem de forma diagnóstica sobre o assunto. Irene Batista Muakad20 traz em sua obra, “[...] apesar de a jurisprudência dos tribunais valorizarem a perícia do técnico especializado, a medicina legal muito pouco havia contribuído [...]”, deixando entender que foi dado então uma atenção maior ao trabalho desenvolvido pelo médico legista na época. Com esse artigo nota-se que o recém-nascido passou a ter um amparo legal maior do que ao antigo Código Criminal do Império de 1830.

______________

20

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1.3.4 Projetos

Estaremos abordando agora antes de falarmos do atual Código Penal de 1940, sobre os projetos que vigoraram no nosso ordenamento jurídico, projetos estes sob a autoria de Galdino Siqueira, Virgílio de Sá Pereira e Alcântara Machado.

Primeiramente falaremos do Projeto Galdino Siqueira, este não considerava o infanticídio como figura autônoma, e sim como homicídio, mas de forma atenuada. Ribeiro21 demonstra que o Projeto Galdino Siqueira, tratava o infanticídio como sendo uma forma de homicídio atenuado, pois a pena aplicada era de dois a oito anos de detenção, para a mãe que matasse o próprio filho, no momento do nascimento ou logo após, para ocular sua desonra. Neste projeto adotou-se, também, o critério da vida apnéica que seria a possibilidade da vida extra-uterina de um ser que ainda não respirou fato este que vem sendo nos dias atuais discutido pela medicina legal.

Já o Projeto Sá Pereira, é tido como aquele que configura o infanticídio como crime autônomo, foi elaborado sob forte influência do Código Suíço de 1916 que em seu art. 107 trazia in verbis: “Aquela que, durante o parto, ou ainda sob a influência do estado puerperal, matar o filho recém-nascido, será punida com prisão de até 3 anos, ou com detenção por seis meses, no mínimo”. No Projeto de Sá Pereira observamos a mesma definição em seu artigo 168 “[...] aquela que, durante o parto, ou ainda sob a influência do estado puerperal, matar o filho recém-nascido, será punida com prisão de até 3 anos, ou com detenção por seis meses, no mínimo”.

Maggio22 relata ser a primeira proposta de substituição do critério psicológico relacionado com o motivo de honra, para o critério fisiopsicológico, atrelado o tipo penal à influência do estado puerperal que é um dos pontos fortes deste trabalho e será mais a frente abordado.

Sob o Projeto de Virgílio de Sá Pereira verifica-se que o delito quando praticado pelo pai ou irmãos da parturiente para esconder a desonra da mesma era ______________

21

RIBEIRO, 2004, p. 39. 22

(22)

concedido uma punição mais benigna, a pena seria a metade do que a prevista para o homicídio, assim como é visto in verbis: “Art. 169 – aquele que, para esconder a desonra de filha ou irmã, cuja gravidez ocorresse ocultamente, lhe matar o filho recém-nascido antes de conhecido o parto, se descontará por metade a pena em que incorrer, podendo o juiz converte-la em detenção, se o art. 61 for aplicável”.

Alcântara Machado em seu projeto, retorna ao critério psicológico, aquele relacionado ao motivo de honra, este projeto passa a estender o privilégio aos ascendentes, descendentes ou colaterais da parturiente, relatado in verbis: “Art. 312 – matar infante, durante o parto ou logo após deste, para ocultar a desonra própria ou a de ascendente, descendente, irmã ou mulher. Pena – detenção ou reclusão por dois a seis meses”, notando então que as circunstâncias do motivo de honra trazem então um benefício tanto a parturiente quanto aos seus ascendentes, descendentes ou colaterais.

Observamos ainda que Alcântara Machado manteve-se fiel a teoria que sustenta como circunstância subjetiva a honoris causa. Mas com o advento da Comissão Revisora do Código Penal de 1940 passa a ser alterado a questão da

honoris causa, ou seja, motivo de honra e adota-se o estado puerperal como

circunstância elementar para que haja a diminuição da responsabilidade do agente do crime de infanticídio.

Ribeiro23 assim explica sob a revisão do Código Penal 1940, “[...] a nova orientação visava elidir as divergências existentes quanto à co-autoria, como também procurava estabelecer um tratamento de maior equidade para o fruto da concepção legítima como o da ilegítima”.

1.3.5 Código penal de 1940

O atual Código Penal de 1940 originou-se do projeto de Alcântara Machado, porém foi submetido ao exame da Comissão Revisora composta por Nélson Hungria, Vieira Braga, Narcélio de Queiroz e Roberto Lyra.

______________

23

(23)

Foi alterado então o critério original do projeto, optando-se ao critério fisiopsicológico, o qual foi determinado o estado puerperal como motivo determinante para atenuação da pena, o critério psicológico do motivo de honra a “honoris causa” observado nos códigos anteriores ao de 1940 deixa de existir e dá espaço então a um novo critério chamado de “estado puerperal”.

O referido estatuto legal dispõe in verbis: “Artigo 123 – matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após. Pena - detenção, de dois a seis anos”.

Nélson Hungria24 estabelece em relação à “honoris causa” o seguinte:

Com a omissão de referência da causa honoris, o código não inibe que se leve em conta, quando realmente exista, esse antecedente psicológico. O motivo de honra pode contribuir de par com a morbidez fisiológica do próprio parto, para o estado de excitação e angústia que diminuem a responsabilidade da parturiente. Todas as causas fisiológicas e psicológicas devem ser averiguadas no seu conjunto e interdependência, de modo que não fica excluída a consideração do motivo de ocultação da desonra, nos casos em que, realmente, tenha entrado como um coeficiente do anormal impulso criminoso.

O artigo 123 do Código Penal de 1940, que descreve o crime de infanticídio deixa muita dificuldade na comprovação da sua real configuração, sem deixar de lembrar que exige um bom trabalho de médicos legistas, visto que exige o exame pericial para que se chegue ao resultado mais próximo possível de uma tipificação correta, também é necessário o exame pericial quanto à questão do estado puerperal, pois este quando comprovado ou não pela perícia poderá beneficiar ou não a autora do crime.

1.3.6 O infanticídio nos dias atuais

Ao passo do que já foi estudado quanto ao infanticídio, percebemos que desde as mais remotas civilizações já se podia observar a prática do infanticídio, principalmente no império Romano entre as tribos bárbaras, já que eliminando a vida

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24

(24)

de uma criança, para eles podia então haver um controle dos governantes sobre a população da época em termos de distribuição de alimentos e tudo mais.

Atualmente pode se observar a prática do infanticídio entre os animais que abandonam seus filhotes ou até mesmo os matam logo após o parto. Podemos citar outros exemplos como a Índia que possui um elevado índice de infanticídio com relação a crianças nascidas mulheres, e pela prática ser tão constante acabou-se obtendo um desequilíbrio entre os sexos feminino e masculino na população.

Outra questão importante a se destacar é a China, que se move em busca do controle da natalidade pelo governo de forma brutal e cruel que impõe à população urbana apenas um filho por família e à rural dois filhos, como política de restrição de natalidade. Os pais sob grande pressão e medo de serem descobertos pelo governo acabam optando por abandonar ou matar seus filhos. Há também as mães que sob pressão muitas vezes recorrem ao tido no país como esquadrões de aborto, que se trata de um grupo mantido sob os olhos do governo com o intuito de arrastar as mulheres grávidas clandestinamente e mantê-las em cárcere para que cometam o aborto, em alguns casos as mães que se recusam a abortar acabam sendo executadas.

Existem casos em que as famílias tentam esconder a criança para que o governo não tenha conhecimento, ou até mesmo vender à famílias estéreis para fugir das penas impostas pelo governo, sendo elas multas de sete vezes o salário de um trabalhador, esterilização compulsória e até mesmo confiscação dos imóveis e bens da família.

No Brasil podemos dizer que vem acontecendo de forma constante, mas o crime não tem um conhecimento amplo pela sociedade em si, não é um crime que acontece no Brasil apenas em famílias de classe baixa que levam como motivo a ilegitimidade da gravidez, estupro, a ocultação perante a família, mas há constantes casos também em famílias equilibradas, em mulheres que acabam sofrendo um abalo psicológico no momento do parto e vindo então a praticar a ocisão do filho. Também há casos de mulheres que sofrem uma pressão psicológica do marido quanto ao ser nascente sendo imposto pelo marido que a mulher dê a luz à um filho homem, já que não podemos negar que ainda existe no nosso meio social pessoas

(25)

que carregam consigo pensamentos machistas, há casos de pessoas que cometem o infanticídio pelo fato de ter nascido filhos gêmeos ou filhos com uma certa deformação.

Esses aspectos acabam por influenciar e causar muito transtorno à parturiente que em alguns casos acaba por escolher a pior maneira de resolver a questão da gravidez, pois se encontra abalada fisicamente e psicologicamente.

Hoje é anunciado que em aldeias indígenas no Brasil, crianças acabam sendo mortas por questões culturais. Talvez pela falta de informação dessas pessoas, mas há também aqueles que defendem essa prática das aldeias pela questão de se preservar os costumes e crenças desses povos como um direito a diferença cultural. E ainda que a sociedade não tivesse o direito de julgar a moral de outra sociedade que no caso seria a indígena, é fato que há a prática de infanticídio em algumas tribos, mas há correntes que levam consigo o Relativismo Cultural desses povos defendendo o direito deles em conservar seus costumes e instituições próprias. Mas cabe aqui ressaltar que temos que prezar pela vida, pelo direito a vida, respeitando as culturas, crenças, diferenças, mas acima de tudo os seres humanos e o direito a ele garantido.

Hoje carecemos de uma estatística precisa que nos mostre como meio de informação, ampla e confiável, sobre os índices de ocorrência no Brasil do Infanticídio, dificultando assim um objeto muito importante de informação específico que serviria como forma de desenvolver instrumentos para pesquisa sobre tal assunto.

(26)

CAPÍTULO 2 - CONCEITO DE INFANTICÍDIO

Conforme o artigo 123 do Código Penal o infanticídio é o crime em que a a mãe mata, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após, sendo a pena cominada para a mãe que comete tal crime a de detenção de dois a seis anos.

Num primeiro conceito quanto ao infanticídio com base na definição dada pelo nosso Código Penal, podemos afirmar que o objeto jurídico do infanticídio assim como é também do homicídio, é a proteção da vida, tanto do neonato que é aquele que acabara de nascer quanto do nascente aquele que está entre a vida intra-uterina e extra-intra-uterina, assim como encontramos no próprio artigo 123 do Código Penal. Já o segundo conceito a ser estudado é sobre a influência do estado puerperal, o qual caracteriza o infanticídio, mas quanto a essa definição estaremos abordando mais adiante neste mesmo capítulo.

Noronha25 define o infanticídio, “[...] cremos poder conceituar o infanticídio como a morte do nascente ou do neonato, pela própria mãe, sob influência do estado puerperal.” Definição esta baseada no artigo 123 do Código Penal em vigor.

Damásio E. de Jesus26, por sua vez menciona o infanticídio da seguinte forma, “[...] etmologicamente falando a expressão infanticídio deriva de infans (crianças) e caedo (matar), significando a provocação da morte de uma criança”.

Por outro lado Rogério Greco27 nos dá uma definição mais específica quanto ao assunto:

Analisando-se a figura típica do infanticídio, percebe-se que se trata, na verdade, de uma modalidade especial de homicídio, que é cometido levando-se em consideração determinadas condições particulares do sujeito ativo, que atua influenciado pelo estado puerperal, em meio a certo espaço de tempo, pois que o delito deve ser praticado durante o parto ou logo após.

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25

NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal, dos crimes contra a pessoa: dos crimes contra o patrimônio. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 2, p. 40.

26

JESUS, 1970, p. 110 apud Muakad, 2002, p. 81. 27

(27)

Discorre a Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal, em seu ítem 40 in verbis, o qual o Ministro Francisco Campos afirma:

O infanticídio é considerado um delictum exceptum quando praticado pela parturiente sob a influência do estado puerperal. Esta cláusula, como é óbvio, não quer dizer que o puerpério acarrete sempre uma perturbação psíquica: é preciso que fique averiguado ter esta realmente sobrevindo em consequência daquele, de modo a diminuir a capacidade de entendimento ou de auto-inibição da parturiente. Fora daí, não há porque distinguir entre infanticídio e homicídio. Ainda que quando ocorra a honoris causa (considerada pela lei vigente como razão de especial abrandamento da pena), a pena aplicável é a de homicídio.

Com relação ao citado delictum exceptum, como nos ensina a exposição de motivos do nosso Código Penal, na verdade é um tipo especial de homicídio, ou seja, como sujeito ativo a mãe, e sujeito passivo o neonato ou ser nascente, com a condição específica da mãe estar sob a influência do estado puerperal, adquirindo então uma pena mais amena por estar sob tal condição especial.

Pelo Código Penal em vigor entendemos que Infanticídio é o ato de matar o filho pela mãe, durante ou logo após o parto, sob influência do estado puerperal. Se a mãe mata o filho durante ou logo após o parto, sem estar sob a influência do estado puerperal esta não terá praticado o infanticídio mas sim homicídio, da mesma forma se o crime for praticado por qualquer outra pessoa que não a mãe haverá homicídio.

2.1 Elementares do crime

Segundo a nossa lei, para que se caracterize o infanticídio, são necessários, a princípio, três elementos, sendo eles que se trate de feto nascente ou de infante recém-nascido, que tenha havido vida extra-uterina e que a morte seja causada pela mãe sob o estado puerperal. Com base nesses elementos, abordaremos, a seguir, cada um dos fatores, para que seja possível fazer a distinção e a compreensão do infanticídio como um todo e o estado puerperal de forma específica.

(28)

Conforme a definição dada ao infanticídio, vemos que um dos elementos para que ocorra o infanticídio é estabelecer o estado de feto nascente, onde podemos notar que em outras legislações essa modalidade de crime chama-se feticídio28.

Podemos entender feto nascente como Maggio29 nos descreve “ [...] assim, o feto nascente é aquele que apresenta todas as características do infante nascido, menos a faculdade de ter respirado”.

França30, caracteriza o feto nascente da seguinte forma:

O feto nascente apresenta todas as características do infante nascido, menos a faculdade de ter respirado. No infanticídio de feto nascente, as lesões causadoras de morte estão situadas nas regiões onde o feto começa a se expor e têm as características das feridas produzidas in vitam.

2.2 Infante nascido

Por infante nascido se entende aquele que acabou de nascer e respirou. Destacando que deve ser cuidadosamente comprovado que ocorreu esta respiração, porém não recebeu nenhuma assistência, especialmente quanto à higiene pessoal ou ao adequado tratamento do cordão umbilical, além de apresentar ainda características do estado sanguinolento que é o corpo coberto no todo ou em parte, por sangue de origem fetal ou materna. Além de o cordão umbilical ter uma importante função na diferenciação de infante nascido e recém-nascido, serve como orientação na perícia quanto à lucidez da parturiente frente aos cuidados com o parto.

França31 nos traz sua definição:

Infante nascido é aquele que acabou de nascer, respirou, mas não recebeu nenhum cuidado especial. Apresenta proporcionalidade de suas partes, peso e estatura habitual, desenvolvimento dos órgãos genitais, núcleos de

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28

Feticídio – S.m. Morte dada a um feto; aborto provocado (CP, arts. 124 e 125). SANTOS, Washington dos. Dicionário Jurídico Brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 99.

29

MAGGIO, 2001, p. 28. 30

FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. p. 282.

31

(29)

ossificação fêmur-epifisário e, ainda, outras características que merecem melhores detalhes.

2.3 Neonato ou recém-nascido

Sob o ponto de vista estritamente médico-legal, o estado de recém-nascido ou neonato, caracterizado pelos vestígios comprobatórios da vida extra-uterina, é um estágio que vai desde os primeiros cuidados após o parto até aproximadamente o sétimo dia de nascimento. O recém-nascido pode apresentar embora atenuado, as mesmas características do infante nascido, exceto o estado sanguinolento e o não tratamento do cordão umbilical.

Referindo-se a conceituação Maggio32 explica, “[...] neonato ou recém-nascido é aquele que acabou de nascer, respirou, mas não recebeu cuidado especial algum”.

______________

França33 nos apresenta algumas explicações sobre a questão do recém-nascido quanto a sua caracterização sendo estas, “[...] o estado de recém-recém-nascido é caracterizado pelos vestígios comprobatórios da vida extra-uterina. Tem o recém-nascido um estágio que vai desde os primeiros cuidados após o parto até aproximadamente o sétimo dia de nascimento”.

2.3.1 Vida extra-uterina

Quando a criança passa a ter uma respiração autônoma ou seja, não nescecita mais da respiração placentária para se manter viva, apresenta-se aí a vida extra-uterina, iniciando a vida jurídica do novo ser.

Essa vida extra-uterina, é o momento capaz de fornecer aos peritos a prova de que houve a vida independente do novo ser, ou seja que ele respirou por sí só,

32

MAGGIO, 2001, p. 28-29. 33

(30)

mas para que se chegue a conclusão de que houve a respiração da criança, é necessário que o médico-legista siga uma série de exames, e averiguações, com métodos próprios da medicina legal.

Esses métodos são de grande valor pois além de provar que houve a vida extra-uterina e ajudando então a confirmar que houve sim um dos elementos necessários para a comprovação do infanticídio, serve também para distinguir a vida intra-uterina da vida extra-uterina.

Há também a possibilidade da constatação da vida autônoma pelos médicos legistas sem a necessidade dos exames docimáticos como nos mostra o acórdão34 seguinte: “Infanticídio. Prova pericial de vida extra-uterina autônoma. Desnecessidade de exame docimatico, face à comprovação de vida biológica”.

Para Muakad35, há três fatores para a distinção de vida extra-uterina de vida intra-uterina, sendo a cessação da circulação fetoplacentária, a substituição da respiração placentária pela respiração pulmonar e a substituição da nutrição por via placentária pela nutrição por meio da via gastrintestinal.

Visto essas diferenças, vemos que as modificações pulmonares ocorridas assim que o feto é expulso da placenta, é a oportunidade então para que ocorra um primeiro contato do feto com a vida fora da placenta, passando então a possuir respiração própria ou seja autônoma, e ser tido como um recém-nascido.

Mas no mundo jurídico, em cima dessa respiração será feito todo um estudo quanto ao pulmão, chamado como docimásias, sendo essa nada mais do que o meio de prova judicial usado pelo médico legista, essas docimásias dividem-se em docimásias respiratórias e não respiratórias.

França36 define, “[...] as docimásias (do grego dokimos – eu provo) são provas baseadas na possível respiração ou nos seus efeitos e por isso classificados em docimásias pulmonares e extra-pulmonares.”

______________

34

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Recuso Crime n. 691043957. Primeira Câmara Criminal. Relator: Eládio Luiz da Silva Lecey, Julgado em 30/10/1991.

35

MUAKAD, 2002, p. 126. 36

(31)

A docimásia tida como respiratória ou pulmonar é aquela que demonstra a penetração do ar nos pulmões e outras cavidades dos órgãos, já a docimásia nao respiratória ou extra-pulmonar, são aquelas que não estão ligadas diretamente a respiração mas com outras atividades fetais podendo ser a alimentar ou seja faz-se a pesquisa para verificar se houve ingestão de algum alimento ou substância pelo feto, ambas docimásias levam consigo uma série de processos e fases a serem seguidas no meio da medicina legal, mas lembrando que esse tipo de prova só é válido se for realizado dentro das 24 horas após a morte, pois caso contrário começa a fase de putrefação do corpo com a possibilidade de surgimento de gases no pulmão, podendo então induzir os médicos a um falso resultado quanto ao método usado como prova. A possibilidade de erro nessas formas de investigação existe pois o campo a ser estudado como meio de prova é muito difícil.

O legista deverá anexar ao laudo qual a docimásia utilizada como afirmativa de que há a conclusão que a vítima nasceu com vida, pois caso este fator não for comprovado ficará desprovida a perícia de comprovação da materialidade do crime.

2.3.2 Puerpério

Para que se possa entender melhor o que é o estado puerperal, nos é indispensável explicar primeiramente o que é o puerpério, para podermos distinguílos. Puerpério (vem de puer: criança; parere: parir). Trata-se, de um quadro fisiológico, comum a todas as mulheres que dão a luz, com começo, meio e fim determinados, é o que ensina Héligo Gomes37.

Gomes38 dá uma explicação médico-legal mais afundo sobre o período do puerpério:

Com o final do parto, ou seja, após a expulsão do feto e da placenta (dequitação), tem início o puerpério, que se estende até a volta do organismo materno às condições pré-gravídicas. Sua duração é de seis a oito semanas. Temos, pois, puerpério imediato (até dez dias após o parto),

______________

37

GOMES, Hélio. Medicina legal. Atualizador: Higínio Hércules. 33. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004. p. 499.

38

(32)

tardio (que vai até os quarenta e cinco dias) e o puerpério remoto (de quarenta e cinco dias em diante).

Ribeiro39 caracteriza puerpério da seguinte forma:

“Puerpério” caracteriza-se pelo período pós-parto, tendo este a duração de aproximadamente quarenta dias (de trinta a cinquenta dias) ou de seis a oito semanas. É normal a todas as parturientes, podendo ou não influir no sentido da mulher durante sua manifestação.

Conforme definições acima citadas, entendemos então ser o puerpério um período comum a ser passado por todas as parturientes, no espaço de tempo em que vai desde a expulsão da placenta até a volta do organismo materno às condições pré-gravídicas. O tempo de duração varia conforme entendimentos dos autores. Mas o que nos deixa claro aqui no atual trabalho é o entendimento de puerpério não ser sinônimo de estado puerperal, ou seja há aqui distinções entre ambos momentos, já que o estado puerperal não é comum em todas as mulheres.

2.3.3 Estado puerperal

Com base nos assuntos que tivemos estudando, quanto ao crime de infanticídio, a sua evolução, como era tratado nos códigos penais anteriores ao de 1940, as conceituações de questões importantes como palavras de supra necessidade na explicação e entendimento do crime de infanticídio em sí, chegamos então a parte que falaremos do estado puerperal, pois o enfoque principal deste trabalho é em cima desse momento próprio da parturiente.

Como vimos para que seja caracterizado o infanticídio, há alguns requisitos a serem observados que são eles, se tratar de feto nascente ou de infante recém-nascido, que tenha havido vida extra-uterina e o enfoque maior que é o fato de que a morte seja causada pela mãe sob a influência do estado puerperal.

Chegando então na questão que é motivo de tantas discuções que é o estado puerperal, primeiramente a fim de que possamos iniciar o raciocínio, vamos colocar aqui a definição do estado puerperal vista sob a óptica de alguns doutrinadores. ______________

39

(33)

Muakad40 nos conduz a idéia da caracterização do estado pueperal:

Alterações emocionais também poderão advir do fenômeno obstétrico. Algumas são de pouco vulto; outras, no entanto, se intensificam pelo trauma psicológico e pelas condições do processo fisiológico do parto solitário, angústia, aflição, dores, sangramento e extenuação, cujo resultado traria um estado confusional capaz de levar à prática do crime. Tal situação caracterizaria o denominado estado puerperal, cuja comprovação tem produzido, de há muito, ferrenhas discussões.

Para Almeida Júnior41, o estado puerperal é a perturbação psíquica em que a mulher, mentalmente sã, mas abalada pela dor física do fenômeno obstétrico, fatigada, enervada, sacudida pela emoção, vem a sofrer um colapso do senso moral, uma liberação de impulsos maldosos, chegando por isso a matar o próprio filho.

Por sua vez, assevera Fragoso42:

O estado puerperal é um estado fisiológico normal, e sua definição não é específica. Segundo alguns autores é o estado em que se acha a parturiente durante a gestação, o parto e algum tempo após este. Outros somente consideram estado puerperal o período que segue ao parto ou, ainda, o que se inicia com o parto e termina com a involução clínica do útero ou a menstruação. O estado puerperal pode ser considerado como um conjunto de sintomas fisiológicos, que se inicia com o parto e permanece algum tempo após o mesmo. Nosso CP vigente, adotando o critério fisiológico, considera essencial, no crime de infanticídio, a perturbação psíquica que o puerpério pode acarretar na parturiente. O estado puerperal existe sempre, mas nem sempre ocasiona perturbações emocionais na mulher, que possam levar à morte do próprio filho. O processo do parto, com suas dores, a perda do sangue e o enorme esforço muscular, pode determinar facilmente uma momentânea perturbação de consciência. É esse estado que se torna a morte do próprio filho um homicídio privilegiado, nas legislações que adotam o critério fisiológico. É claro que essa perturbação pode ocorrer mais facilmente se tratar de mulher nervosa ou angustiada, ou de filho ilegítimo.

Podemos notar que há um campo de entendimento muito grande no mundo jurídico quanto a definição do que vem a ser estado puerperal, que entre tantas definições distintas, nos chama atenção ao fato que o estado puerperal é um momento em que a parturiente passa sob uma perturbação psicológica causada pelo parto, momento este não observado obrigatoriamente em todas as parturientes, mas que ocorre e necessita de uma comprovação pelo médico-legista para que seja aceito o estado puerperal e se caracterize o delito então como infanticídio.

______________

40

MUAKAD, 2002, p. 146-147. 41

ALMEIDA JÚNIOR, A. Lições de medicina legal. 21. ed. São Paulo: Nacional, 1996. p. 382. 42

(34)

O estado puerperal não se presume, e para que a imputabilidade da parturiente seja diminuída é importante que haja a comprovação da existência do mesmo. Será verificado se este estado produziu na mulher algum abalo emocional, psíquico, que fosse capaz de lhe diminuir a capacidade de entendimento ou auto-inibição.

Assim nos mostra a Revista dos Tribunais43 uma explicação do que vem a ser o estado puerperal.

Ocorre o infanticídio com a morte do recém-nascido causada logo após o parto pela mãe, cuja consciência se acha obnubilada pelo estado puerperal, que é estado clínico resultante de transtornos que se produzem no psíquico da mulher em decorrência do nascimento do filho.

Cabe notar que além do exame pericial ser efetuado algum tempo após o parto, é de grande dificuldade pelo médico legista oferecer os elementos precisos e seguros para provar a negativa da existência do estado puerperal. Eis que nem sempre o abalo psíquico resultante do parto, acarretará a parturiente a diminuição da penalidade pela morte do filho.

Assim como afirma Muakad em sua obra sobre a relação de causalidade entre o estado puerperal e o crime, eis que a Exposição de Motivos do Código Penal de 1940 ítem 40 deixa claro in verbis que:

[...] A influência do estado puerperal, como é óbvio, não quer significar que o puerpério acarrete sempre uma perturbação psíquica: é preciso que fique averiguado ter esta realmente sobrevindo em consequência daquele de modo a diminuir a capacidade de entendimento ou de auto-inibição da parturiente. Fora daí, não há porque distinguir infanticídio de homicídio. Ainda quando ocorra a honoris causa, a pena aplicável é de homicídio[...].

O despreparo da mãe gestante, a falta de alicerce, de amparo da família para que a mãe prosiga a sua gestação de forma firme e confiante, é considerado um dos grandes motivos que desencadeie na puérpera tomar tal atitude da prática do infanticídio como solução para todos seus problemas, já que a gestação é o momento em que a deixa frágil, se sentir incapaz, desmotivada e desamparada por aqueles que a rodeiam, julgamos ser então de fundamental importância o amparo familiar e até mesmo o tratamento pré-natal de forma adequada acompanhado pelo médico.

______________

43

(35)

2.3.4 O estado puerperal sob a visão da medicina legal

Na doutrina da medicina legal a questão do infanticídio é tida como uma ficção jurídica no sentido de justificar a benigdade de tratamento penal. Para a maioria dos doutrinadores deste campo, a mulher que vem a cometer esse crime é sempre portadora de uma gravidez ilegítima, mantida as escondidas, com o fim de manter a integridade, dignidade e a honra perante a família, parentes, o meio social onde vive, pois a pressão que está sujeita a receber desse meio e da própria familia sobre a sua gravidez fere a sua honra, e com isso passa a pensar constantemente em uma forma para se livrar do fruto da relação ilegítima, vindo então a praticar o crime premeditadamente, tendo todo o cuidado de não levantar suspeitas e até mesmo de esconder o filho morto.

Odon Ramos Maranhão44 deduz que, “[...] o chamado estado puerperal constitui uma situação ‘sui generis’, pois não se trata de uma alienação, nem de uma semi-alienação. Mas, também não se pode dizer que seja uma situação normal.”

No entendimento de França45:

O infanticídio é crime verificado nas populações mais pobres e de menor relevância social cuja gravidez ilegítima não impõe com tanta significação a ocultação da desonra. Por isso, não se pode negar que, na maioria das vezes, o motivo é sempre o egoísmo e a maldade.

Hélio Gomes46 completa o entendimento da seguinte forma:

O que se observa, na prática, é que essa insanidade causada pelo ato de parir não é observada nos partos assistidos, em mulheres que tiveram uma gestação assumida e desejada, mesmo que ilegítima, ora, tal fato seria de se esperar por se tratar de um fenômeno que, teoricamente, acomete pessoas normais, em termos de saúde mental. O que se dá na realidade, é a morte de recém-nascido em situações suspeitas, ocorrendo, na imensa maioria dos casos, em virtude de problemas, os mais diversos, tais como pobreza extrema, número excessivo de filhos, gravidez resultante de estupro ou mesmo ilegítima e/ ou fortuita. Diante do fato indesejado, a mulher quando não consegue abortar, no início, pratica, como último recurso para sanar o problema, a morte do próprio filho.

______________

44

MARANHÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 202.

45

FRANÇA, 2004, p. 281. 46

(36)

Ao passo que vamos estudando mais a fundo a questão que envolve o infanticídio nos deparamos sob a óptica de entendimentos de alguns doutrinadores como no caso Hélio Gomes47 sob a percepção de que as parturientes que cometem esse tipo de crime, devem ser mulheres sem história pregressa de doenças mentais, como esquizofrenia, psicose maníaco-depressiva, ou desordens de cunho psíquico como neuroses, personalidade psicopáticas, de modo geral elas devem ser perfeitamente normais do ponto de vista psiquiátrico, pois caso o contrário caracterizaria então o homicídio aplicando-se então ao caso o artigo 26 do Código Penal vigente e seu parágrafo.

Para que haja a comprovação do estado puerperal, é necessário como já foi dito, um estudo e análize suscinta por parte do médico-legista visto que a legislação deixou a este a tarefa da prova como caracterização do infanticídio, constituindo assim no âmbito da medicina legal um desafio muito grande entre os profissionais até mesmo pelas dificuldades e complexidades de buscar os elementos necessários para que se possa tipificar o crime.

Gomes48 nesta linha de raciocínio sustenta:

A prova pericial, no que tange ao estado puerperal, é de extrema dificuldade, uma vez que os exames da puérpera são realizados em época mais ou menos tardia em relação ao crime, fato este que, por si só, inviabiliza, ao perito, pronunciar-se com precisão sobre sua ocorrência e a influência do mesmo na consumação do delito pela mulher mentalmente sã, já que, como dissemos anteriormente, não ficam quaisquer vestígios, sendo o quadro efêmero.

Como o legislador deixou a cargo do médico legista a comprovação de que a parturiente se encotrava sob o estado puerperal quando veio a cometer o infanticídio, este momento difícil é chamado pela perícia como crucis peritorum (a cruz dos peritos) pois em meio a tanta dificuldade o estado puerperal é passageiro e depois de ter passado este, é normal que não deixe sinais e como ocorre geralmente sem presença de testemunhas, ou algo que facilite o trabalho pericial, quando então a parturiente vem a ser submetida a perícia médica os vestígios do distúrbio já desapareceram.

______________

47

GOMES, loc. cit. 48

(37)

2.3.5 Objetividade jurídica e bem juridicamente protegido

Como nos ensina Magalhães Noronha49 sobre a objetividade jurídica do infanticídio:

É o interesse do indivíduo e do Estado na proteção da pessoa física, desde o começo de seu nascimento. É a vida humana que se tutela, vida do nascente (transição entre a vida endo-uterina e extra-uterina) e do neonato. Não há diferença do objeto jurídico do homicídio.

Como vimos acima a explicação do nosso doutrinador, a objetividade jurídica do crime de infanticídio é a preservação da vida humana, onde o nosso Código Penal vigente ao definir o que vem a ser crimes contra a vida nos deixa como entendimento a se proteger e tutelar a vida humana, como um direito personalíssimo e individual de cada um. Contudo observamos então que a lei protege aqui a vida como um bem jurídico.

O direito à vida está inserido na nossa Carta Magna como princípio fundamental no caput do artigo 5° da Constituição Federal de 1988, que in verbis preconiza: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...]“.

Por sua vez Alexandre de Morais50 afirma, “[...] o direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos.”

Sob essa disposição encontramos na mesma carta sob o artigo 227 que define in verbis:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminaçaõ, exploração, violência, crueldade e opressão.

______________

49

NORONHA, 1995, p. 40. 50

(38)

Eusébio Gomes51 assim preconiza a respeito da tutela do Estado:

[...] tem direito à vida em qualquer situação e por mais precária ou efêmera que ela seja, devendo o Estado protegê-la e garanti-la contra todo e qualquer abuso, razão pela qual não pode este dela dispor, cominando pena de morte no ordenamento jurídico penal.

O Estado portanto impõe como imperativo jurídico que a vida seja respeitada, essa de forma absoluta, pois por mais difícil que essa seja é um direito próprio do ser humano e o Estado tem o dever de proteger e garantir á pessoa a proteção constante.

Miguel Reale52 também nos mostra um outro entendimento quanto ao bem jurídico, “[...] quando o Estado determina a eliminação do bem supremo, que é a vida, entra assim em desarmonia com a própria natureza do direito, pois destrói aquele a quem a pena se destina”.

Entendemos então ser o bem juridicamente protegido a vida humana, independente dela como for ou das condições do homem, sendo a vida um bem fundamental dos direitos humanos e deve ser valorada e respeitada, além de ser um direito garantido tutelado pelo Estado, que tem como obrigação dar todo um aparato como forma de salvaguardar esse direito próprio de cada um, inclusive aqui a vida do ser nascente ou recém-nascido.

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51

GOMES, Eusébio, 1939 apud Ribeiro, 2004, p. 42. 52

(39)

CAPÍTULO 3 - CARACTERIZAÇÃO DO INFANTICÍDIO SOB O VIÉS DA JURISPRUDÊNCIA

Quanto a conceituação legislativa do crime de infanticídio, variam os critérios a serem adotados, sendo eles, o psíquico, fisiopsicológico. Ao passo que há correntes que seguem o critério psicológico e há correntes que acreditam no critério fisiopsicológico.

No que tange ao critério psíquico ou psicológico podemos dizer que é o caracterizado quando o crime é cometido pela parturiente com o intuito de preservar a própria honra tido como honoris causa.

Já o critério fisiopsicológico ou fisiopsíquico, não admite a honoris causa, mais sim considera fator principal a influência do estado puerperal, como motivo principal do ato praticado pela parturiente. Ressaltando aqui ser este critério adotado pelo nosso Código Penal vigente.

3.1 Motivo de honra

Voltando aos ordenamentos jurídicos mais antigos, assim como foi estudado no primeiro capítulo, em que o infanticídio antes mesmo de ser considerado um crime, pela sociedade da época era permitido tal prática, assim como foi relatado o exemplo no primeiro capítulo mais precisamente na velha Roma, em que o pai tinha o direito de direcionar a vida do filho como quisesse, pois naquela época cultuava-se muito o corpo, preocupavam-se com saúde, e vendo o pai seu filho não nascer com toda a saúde e vigor podia dispor dele como pretende-se considerando a ele a vida ou até mesmo podendo ela tirá-la.

Maggio53 nos traz um outro exemplo, “[...] para se ter uma idéia, na cidade de Esparta, em torno do ano 800 a.C., as crianças eram propriedade do Estado e criadas para o serviço deste [...]”, isso pois para entendermos o quanto a vida de um ______________

53

(40)

ser indefeso era na época exposta, onde o Estado pregava pela vida de uma criança forte e saudável para que se tornace um soldado a fim de enfrentar as batalhas e a suportar as mais dolorosas provas de sobrevivência.

Bem o infanticídio foi sendo levado adiante, sem punibilidade alguma aos pais que o praticasem, mas num período entre o século V ao XVIII d.C., essa prática pelos pais passa a ser incriminada, onde o pai ou a mãe que cometesse tal crime passaria então a se submeter aos castigos da época que eram de grande atrocidade, como a tortura, levando ate mesmo a morte.

No século XVIII mais precisamente, surge a figura dos filósofos, que iniciam o movimento do Direito Natural, estes sob o argumento de que o crime de infanticídio não se dava por perversidade mais sim pelos imperativos da honra que se procurava na época salvar. Com isso Beccaria e Feuerbach foram pioneiros com base nesse entendimento, a apresentar leis mais humanístas como forma de pena, e para que se abolice a pena de morte praticada na época.

A partir daí, com o advento de novas idéias dos filósofos da época, o infanticídio foi considerado como homicídio privilegiado pelos ordenamentos jurídicos, desde que este crime fosse praticado por motivo de honra pela mãe ou parente próximo da vítima.

Eis que então surge a figura da honoris causa, ou motivo de honra, que nada mais é para nós do que a necessidade da parturiente de se livrar do filho por motivo de desonra perante a família ou sociedade em que vive, pelo fato de ter contraído muitas vezes uma gravidez ilegítima, ter sido vítima de sedução, adultério, estupro ou incesto, onde a grande parte acaba não tendo uma gravidez assistida, causando a mãe uma grande emoção e desenvolvendo uma infelicidade quanto a sua gravidez, vindo então a cometer o crime.

A questão da honra, aqui estudada, era concedida então como privilégio à mãe que agisse para ocultar a gravidez ilegítima e fora do matrimônio, para muitos doutrinadores essa questão é a clássica do tratamento dado ao infanticídio, no intuito de estabelecer uma diminuição quantitativa da pena, sem deixar de mencionar que o critério psicológico adota o motivo de honra sexual como razão de ser do infanticídio.

Referências

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