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CAPÍTULO I. ENQUADRAMENTO TEÓRICO

1. Aspectos gerais do formaldeído

1.4 Influência na qualidade do ar interior

Do ponto de vista das preocupações de saúde, os níveis de contaminação do ar interior assumem uma elevada importância quando se tem em consideração que actualmente as pessoas passam a maior parte do seu tempo no interior de edifícios. Na realidade, nas sociedades industrializadas estima-se que o tempo de permanência em ambientes interiores se situe na ordem dos 90% (Gomes, 2001; Lee, Guo e Li, 2002; Bernstein, Alexis e Bacchus, 2008), facto que patenteia bem a relevância das questões relacionadas com a qualidade do ar interior (QAI).

As primeiras referências a problemas de contaminação do ar interior datam do século XVIII, tendo por autor Benjamin Franklin que escreveu sobre os efeitos dos fumos de lareiras em salas fechadas, salientando a necessidade de construir chaminés que garantissem a exaustão adequada dos poluentes (Brickus e Neto, 1999).

Os níveis de concentração de aldeídos, entre os quais o formaldeído, são na maioria das vezes superiores em ambientes interiores (duas a cinco, ocasionalmente cem vezes) quando comparados com ambientes exteriores (Committee on Aldehyde, 1981; Schlink, Rehwagen e Damm, 2004). É uma situação com génese nas alterações introduzidas na construção dos edifícios, com o objectivo de promoverem o seu isolamento e estanquidade e, consequentemente, minimizar os consumos energéticos (Bernstein, Alexis e Bacchus, 2008). Este facto terá, inclusive, contribuído para que a Environmental Protection Agency (EPA) dos Estados Unidos tenha vindo a classificar os problemas de QAI entre os principais riscos para a saúde pública e, já desde 1988, considerar o formaldeído como um dos principais poluentes do ar interior (Gomes, 2001; Bernstein, Alexis e Bacchus, 2008).

De acordo com dados recentes do projecto BUMA (Prioritization of BUilding MAterials as indoor pollution sources), desenvolvido no espaço Europeu por Bartzis, Canna-Michaelidou e Kotzias (2009), com o objectivo de estabelecer uma base de dados referentes aos principais poluentes emitidos pelos materiais de construção com potencial para influenciar a QAI, o formaldeído é um dos poluentes mais preocupantes e, inclusivamente, os resultados de concentração obtidos em habitações em todo o espaço Europeu foram considerados preocupantes devido ao facto de estarem relacionados com efeitos negativos para a saúde.

São diversas as fontes internas de contaminação do ar interior por formaldeído. Os produtos derivados da madeira (devido à aplicação de diversos tipos de resinas durante o seu processamento), as espumas de isolamento, os vapores emitidos de vernizes, das tintas e dos pavimentos e, igualmente, das carpetes e das alcatifas (por virtude dos vários tratamentos de impregnação com resinas produzidas à base de formaldeído) são consideradas as mais importantes fontes emissoras. O consumo de tabaco e os processos de confecção de produtos alimentares originam, por seu turno, a emissão de vapores de formaldeído (Kelly, Smith e Satola, 1999; Chang, Guo e Fortmann, 2002; Hogson, Beal e McIlvaine, 2002; Gilbert, 2005; Goyer, Bégin e Bouchard, 2004e; Park e Ikeda, 2006; Pilidis, Karakitsios e Kassomenos, 2009).

Outras fontes emissoras têm ainda que ser consideradas.

Kwak e Kim, 2009). São dados preocupantes considerando que existe um aumento significativo do número destes equipamentos numa habitação.

Os produtos de limpeza e ambientadores também têm sido apontados como potenciais fontes de formaldeído em ambientes interiores (Nazaroff, 2006; Solal, Rousselle e Mandin, 2008).

Diversas referências situam as concentrações de formaldeído no ar interior em edifícios domésticos na ordem dos 0,02 a 0,06 mg/m3 (0,024 ppm a 0,073 ppm), enquanto níveis superiores a 0,5 mg/m3 (0,61 ppm) podem ser encontrados em habitações recém-mobiladas (Goyer, Bégin e Baudry, 2006; International Agency for Research on Cancer, 2006).

Em estudos realizados nos EUA em casas móveis (autocaravanas) foram obtidas concentrações deste agente químico de 0,012 até 5,15 mg/m3 (0,01 até 4,2 ppm). Por outro lado, também nos EUA, mas em estudos realizados em casas convencionais, foram encontradas concentrações de formaldeído entre 0,024 e 0,49 mg/m3 (0,02 e 0,4 ppm) possívelmente associadas com emissões a partir de elementos comummente encontrados em habitações (mobília em madeira, tecidos como carpetes e cortinas, consumo de tabaco, entre outros) (cf. Figura 1.5) (Everett, 1983 e Girman, 1983, citados por Agency for Toxic Substances and Disease Registry, 2007).

Concentração de formaldeído (ppm) Descrição

ND a 0,22 Edifício onde não é permitido fumar ND a 0,6 Edifício onde é permitido fumar

0,48 a 5,31 Ar interior durante a confecção de alimentos 0,08 Casas móveis (autocaravanas) no Inverno

0,09 Casas móveis (autocaravanas) no Verão

Fonte: Agency for Toxic Substances and Disease Registry (2007) Figura 1.5: Concentração de formaldeído em ambientes interiores (EUA).

As concentrações de formaldeído em ambientes interiores são fortemente influenciadas pelas características dos edifícios (ventilação, revestimento, acabamento, decoração), a estação do ano (considerando que o aumento da temperatura e humidade promovem a emissão de vapores de formaldeído) e, ainda, as fontes de ar exterior, pois se o ambiente exterior estiver contaminado com o poluente, o seu transporte para o ar interior poderá ser realizado através de

janelas ou sistemas de ventilação mecanizados (Arundel, Sterling e Biggin, 1986; Wu, Li e Lee, 2003; Gilbert, 2005).

Um estudo recente realizado no Japão (Endo, Miyazaki e Hilita, 2001) detectou valores de concentração de formaldeído elevados em várias habitações (0,29 ppm), o que, tendo em conta o valor limite recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), de 0,1 mg/m3 (0,08 ppm) para 30 minutos de exposição (World Health Organization, 2000), reforça o sentido de que a qualidade do ar interior dos edifícios de habitação deve ser alvo de atenções adequadas. Neste caso, é importante considerar o facto de o Japão apresentar um clima caracterizado por temperaturas e humidades elevadas, aspectos conhecidos como promotores da volatilização do formaldeído (Wu, Li e Lee, 2003).

Também em edifícios de escritório têm sido detectadas concentrações elevadas de formaldeído, designadamente 0,89 ppm em edifícios no Japão e 2,1 ppm em edifícios na Austrália (Dingle, Tapsell e Hu, 2000; Wu, Li e Lee, 2003).

São valores que excedem largamente as recomendações emanadas pela OMS (World Health Organization, 2001) que, desde 1999, considera que concentrações de formaldeído superiores a 0,08 ppm (0,1 mg/m3) são preocupantes e justificam a adopção de medidas correctivas.

Em Portugal existe, desde 2006, legislação que define as concentrações máximas de referência para o formaldeído (e outros poluentes) no ar interior para algumas áreas de actividade, nomeadamente, escritórios, hospitais, escolas, entre outros, estabelecendo o valor de 0,08 ppm com base no indicado pela OMS. Note- se que, nesta legislação, não é expressa a qualidade de habitação doméstica, pelo que os limites a aplicar neste caso são efectuados por analogia (Decreto-Lei nº 79/2006, anexo VII).

São praticamente inexistentes dados referentes a concentrações habituais de formaldeído no ar interior de habitações em Portugal. Um estudo recente realizado em 5 habitações novas, que ainda não apresentavam ocupação humana, com o objectivo de conhecer a influência que os materiais de construção e acabamento utilizados teriam nas concentrações de formaldeído no ar interior, permitiu observar que em 3 das 5 habitações se registavam valores muito superiores (1,61 ppm) ao limite referenciado na legislação e que a utilização de acabamentos em madeira (pavimento, portas, mobiliário) promovia o aumento da

uma unidade (do conjunto das 5 unidades estudadas em cada ambiente) com valores de concentração superiores ao valor de referência (0,08 ppm) (Viegas e Prista, 2010b).