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A influência do paradigma solidarista nas funções institucionais da Defensoria Pública

3 AS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS DA DEFENSORIA PÚBLICA: A EVOLUÇÃO DO INDIVIDUAL AO SOLIDÁRIO

3.1 A influência do paradigma solidarista nas funções institucionais da Defensoria Pública

Ao adentrar no debate da atribuição da Defensoria Pública sobre as funções institucionais da Defensoria Pública necessário trazer a respectiva conceituação que com clareza solar, Amélia Soares da Rocha define:

E é nesse sentido de promoção, proteção e defesa dos direitos humanos que se alicerçam as suas funções institucionais, pois se os princípios institucionais são os alicerces, se os objetivos são as metas, as funções institucionais são os meios e caminhos possíveis e necessários para a concretização do acesso ao que é justo pelas pessoas em condição de vulnerabilidade324.

Neste diapasão, insta salientar que as funções institucionais estão previstas na Lei Complementar Federal nº 80 de 1994 no respectivo rol exemplificativo do art. 4º, o qual sofreu modificação com a Lei Complementar Federal 132 de 2009, que, por sua vez, têm como grande marco, a explicitação da atuação coletiva, da promoção em direitos humanos, das atuações extrajudiciais e da difusão e conscientização.

Cumpre referir que o rol exemplificativo originário ainda que constasse uma previsão exemplificativa voltada para a atuação individual, não impedia que a Defensoria Pública promovesse acesso à justiça a partir das formas inseridas com a novel legislação de 2009.

Importante frisar que a modificação legislativa, com uma inserção diversificada de funções, na realidade, objetivou um equilíbrio da proteção individualizada do direito do de cada um com uma eficiente tutela coletiva325.

Nesta senda, antes mesmo de apontar uma classificação das funções institucionais da Defensoria Pública, é imperioso verificar o teor do inciso primeiro do art. 4º da Lei Complementar Federal nº 80 de 1994, que estabelece que esta instituição deve prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados em todos os graus.

324 ROCHA, A. S. da. Op. Cit. p. 124.

Com efeito, o dispositivo em tela busca, não que se ajuíze uma ação, mas sim, que se resolva o problema das pessoas que são atendidas pela Defensoria Pública,326 de forma que a defesa em todos os graus também pode ser compreendida como um telefonema ou uma conversa que resolve o anseio do necessitado, caracterizando uma fase extrajudicial e, não somente a defesa em grau jurisdicional.

Por outro lado, ainda antes de adentrar na classificação das funções institucionais da Defensoria Pública, é necessário que se aborde a definição do vocábulo “necessitado” contido no art. 134 e da locução “insuficiência de recursos” contida no art. 5º, LXXIV, ambos, da CRFB de 1988.

Neste aspecto, em uma primeira leitura, rasa e obtusa, diga-se de passagem, levaria a crer que somente pessoas com problemas financeiros poderiam ser atendidas pela Defensoria Pública.

Todavia, certo é que a carência econômica determina o enquadramento de determinado indivíduo na condição de necessitado, em virtude de que esse passa a sofrer com a falta de acesso a recursos materiais que, por sua vez, leva à falta de gozo de direitos sociais como saúde, educação, saneamento básico, moradia, situação a qual não necessita de cumulação com qualquer outra condição de vulnerabilidade para que aquele se encontre em situação de marginalidade da sociedade327.

Lembra-se que a letra constitucional exigiu que para ter acesso ao serviço público de assistência jurídica integral e gratuita, é necessário que haja comprovação, e não a mera declaração328.

Neste escopo, nota-se que a reduzida condição econômica leva a uma outra forma de pobreza, qual seja, a pobreza política em que o indivíduo serve de massa de manobra seja por não pertencer, por ser irrelevante, por ser discriminado e por não ter identidade com a sociedade em que deveria pertencer329.

Nesta linha de raciocínio, percebe-se que não é a conta bancária do indivíduo objetivamente considerada que determina a atuação da Defensoria Pública, mas sim a consequência gerada a partir da constatação de uma carência financeira, qual seja, a marginalização social.

326ROCHA, A. S. da. Op. Cit. p. 127.

327FENSTERNSEIFER, T. 2017. Op. Cit. p. 32. 328LIMA. F. R. V. de. Op. Cit. p. 173.

E, por tal motivo, a interpretação das normas constitucionais que tratam de “necessitado” e de “insuficiência de recursos”, devem ser aferidas para as hipóteses em que também haja marginalização social, ainda que a conta bancária não esteja em situação de penúria.

Nesta linha, elucida Frederico Rodrigues Viana de Lima:

A compreensão dos arts. 5º, LXXIV, e 134, da Constituição, no entanto, deve ser feita não a partir de um exame literal, mas sim consoante um enfoque jurídico-teleológico. Com efeito, a junção das expressões insuficiência de recursos (art. 5o, LXXIV, CF) e necessitado (art. 134, CF) não resulta obrigatoriamente na fórmula insuficiência de recursos econômicos. O sistema jurídico e a realidade social contemporânea apresentam outros tipos de necessidade e outras espécies de insuficiência de recursos que também reclamam especial proteção do Estado. Basta imaginar a situação vivenciada pelo réu no processo penal, o qual deve obrigatoriamente ter assistência técnica, seja ele carente ou não, uma vez que somente a autodefesa não se harmoniza com os princípios albergados pela Constituição. Em circunstância como esta, é possível identificar uma espécie de insuficiência de recursos (técnicos) que é responsável por produzir uma específica necessidade (jurídica). A insuficiência não é de recursos econômicos e, por conseguinte, a necessidade não é de ordem financeira. Sob este enfoque, a insuficiência de recursos e a necessidade expressam um universo muito mais abrangente que a mera incapacidade financeira, englobando outras situações também carecedoras de auxílio330.

Insta salientar que a concepção de que a necessidade somente se derivaria de aspectos econômicos decorre da Lei Federal nº 1.060 de 1950, a qual apesar de ter parte dos dispositivos revogados, dentre os quais o art. 2º, parágrafo único, que fazia expressa menção que necessitado era “todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar”, demonstra um paradigma liberal-individualista ainda vigente na época da sua publicação, anterior inclusive ao Projeto Florença e ao novo

tom de acesso à justiça por meio do Poder Judiciário indicado pela referida pesquisa.

Ocorre que com o advento da CRFB de 1988 houve um rompimento do paradigma individualista-liberal passando o constituinte, como já trabalhado, a adotar a dignidade da pessoa humana como pedra de toque do ordenamento jurídico brasileiro de forma que este valor supremo deve irradiar efeitos sobre todas as normas, razão pela qual não é mais cabível qualquer interpretação que restrinja o vocábulo “necessitado” ou a locução “insuficiência de recursos” apenas para o viés econômico.

Antes de entrar nas formas de necessidade para além da econômica, que como dito, é caso da Defensoria Pública exercer as funções institucionais, há de se ressaltar que uma interpretação teleológica do termo necessitado não significa que e a Defensoria Pública atuará em todos os casos, sob pena de não atender aqueles que são efetivamente necessitados (entendidos todos aqueles que se encontram em alguma situação de vulnerabilidade)331.

Sobre tal aspecto, entende Amélia Soares da Rocha:

[…] não significa que a Defensoria pode atender tudo e todos, que o acesso, tal qual à educação e saúde (CF, art. 205), é universal. Há o espaço igualmente constitucional destinado à advocacia, que deve ser respeitado (é como diz o ditado popular: “se se quer respeito é preciso respeitar”). O que se quer dizer é que a necessidade não advém exclusivamente de questões econômicas, mas de outras questões de vulnerabilização do ser humano a que o Estado não pode se furtar de enxergar e proteger: se o Estado, através da Defensoria, não cuidar dessas situações, elas continuarão, na sua invisibilidade, produzindo visíveis injustiças, pois a ausência de recursos lhes impede de contratar advogado ou muitas vezes de simplesmente conhecer seus direitos. […] O necessitado de Justiça é, pois, quem, por sua condição de vulnerabilidade, não tem acesso aos recursos necessários à sua defesa. A missão constitucional da Defensoria Pública é garantir o acesso à justiça aos necessitados assim compreendidos como

331KETTERMANN, Patrícia. Defensoria Pública. São Paulo: Estúdio Editores, 2015, p. 54.

aqueles que por circunstâncias sociais econômicas, sexuais, étnicas e/ou culturais, não tem aceso aos recursos para exercitar com efetividade os seus direitos. Essa compreensão para direitos individuais ainda é incipiente; e, embora lógica, ainda enfrenta resistência, a qual decorre, principalmente, pelo desconhecimento da Defensoria enquanto instituição. É o exemplo da mulher que sofre violência de gênero, tem patrimônio, mas a ele não tem acesso e, sem a atuação da Defensoria, continuará a ser violentada. Nesses casos, como dito e repetido, a atuação da Defensoria é só́ até ter acesso ao recurso; uma vez a ele chegando, deve procurar advogado de sua confiança332.

Por outro lado, em que pese já se tenha anunciado no presente trabalho a existência de uma visão solidarista do termo necessitado, a qual quebra com o paradigma individual-liberal, é imprescindível apontar como as funções institucionais da Defensoria Pública passaram a acompanhar a referida movimentação histórica de modo que se alerta ao leitor que se abrirá um parêntese para que melhor se entenda a posição das funções institucionais desta instituição.

Como já explanado, verifica-se que no início do Século XXI nada chama mais a atenção do que a questão ambiental, tendo em vista a possibilidade de o ser humano ser erradicado da face da Terra.

Em que pese a proeminência da temática ambiental sobre o paradigma solidarista, é importante elucidar que a solidariedade, apesar de sofrer severa restrição na Europa do século XVIII, tanto que na França pós revolução de 1789 havia um delito por formação de associações, originou-se na sociedade ocidental a partir do exercício de contribuição na órbita jurídica ao dar diretrizes para a prática de atos e da fixação da personalidade dos novos atores sociais coletivos do século XIX, como associações e sindicatos333.

Porém, a interação do ser humano a partir de um visão ecológica passou a ser apontado de forma primordial, inclusive em aspecto

332ROCHA, A. S. da. Op. Cit. p. 83-84.

333 FARIAS, José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar. 1998. p. 85.

religioso, conforme Leonardo Boff, o qual vê nessa um eixo novo que redefine todos os demais334.

Da mesma forma, Félix Guatarri aponta que as relações da humanidade entre a respectiva psique, entre a vida em sociedade e perante a natureza tendem a se deteriorar cada vez mais, não só em virtude de poluições no sentido literal, mas também pelo desconhecimento das interações entre tais questões de modo que propõe que o mundo seja aprendido a partir de três pontos de vistas ecológicos, quais sejam o ecológico mental, o ecológico social e o ecológico ambiental335.

Diante disso, nota-se que há a necessidade de que se perceba o mundo a partir de uma complexa interação de seres, natureza e sociedades, não apontando simplesmente conhecimentos específicos sobre determinadas matérias.

Neste diapasão, como já frisado, o Direito não restaria fora de tal atuação, mas o que ainda não foi dito é que a assistência jurídica e a Defensoria Pública também devem caminhar no mesmo sentido.

Neste ponto, é importante deixar claro que o paradigma individual liberal, consolidou-se pelo fato de a política neoliberal se caracterizar pela defesa de corporações multinacionais que impõe objetivos ao mercado financeiro e ao mercado de bens e consumos para as populações do planeta336.

Com efeito, o individualismo liberal ainda se encontra no cotidiano social, para além do direito, especialmente, por ser norteado pelo capitalismo, sistema econômico ora vigente, no momento em que o ser humano se preenche em um consumismo exacerbado, conforme alerta Zygmunt Bauman:

Numa sociedade de consumo, compartilhar a dependência de consumidor — a dependência universal das compras — é a condição sine qua non de toda liberdade individual; acima de tudo da liberdade de ser diferente, de “ter identidade”. Num arroubo de sinceridade (ao mesmo tempo em que acena para os clientes sofisticados que sabem como é o jogo), um comercial de TV mostra uma multidão de mulheres com uma variedade de penteados e cores de cabelos, enquanto o narrador

334 BOFF, Leonardo. Do Iceberg à Arca de Noé: o nascimento de uma ética

planetária. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. p. 70.

335 GUATARRI, Félix. Op. Cit. p. 23-24.

comenta: “Todas únicas; todas individuais; todas escolhem X” (X sendo a marca anunciada de condicionador). O utensílio produzido em massa é a ferramenta da variedade individual. A identidade — “única” e “individual” — só pode ser gravada na substância que todo o mundo compra e que só pode ser encontrada quando se compra. Ganha-se a independência rendendo-se. Quando no filme Elizabeth a rainha da Inglaterra decide “mudar sua personalidade”, tornar-se a “filha de seu pai” e forçar os cortesãos a obedecerem a suas ordens, ela o faz mudando o penteado, cobrindo o rosto com grossa camada de pinturas artesanais e usando uma tiara também feita por artesãos. A medida em que essa liberdade fundada na escolha de consumidor, especialmente a liberdade de auto-identificação pelo uso de objetos produzidos e comercializados em massa, é genuína ou putativa é uma questão aberta. Essa liberdade não funciona sem dispositivos e substâncias disponíveis no mercado. Dado isso, quão ampla é a gama de fantasias e experimentação dos felizes compradores?337.

Com efeito, o modo de viver incentivado pelo neoliberalismo levou a uma sociedade de consumidores em que o indivíduo que pode comprar está incluído em tudo, tanto que existe um anseio por consumir que gera inquietude, mal-estar, depressão e condiciona a estrutura de valores do indivíduo338.

De outra banda, necessário anotar, que em obra anterior Zygmunt Bauman já realizaria críticas a uma forma individual liberal de conduta incentivada nos dias atuais, qual seja, a tolerância, a qual, nos ditames do referido autor, se limita a saber que a diferença perante outrem não ameaça a própria vida de um certo indivíduo de modo que somente com transformação da tolerância em solidariedade é possível com que a sociedade tenha uma adequada orientação: “A tolerância é egocêntrica e contemplativa; a solidariedade é socialmente orientada e militante”339.

337 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 99.

338BELLO FILHO, Ney de Barros. Op. Cit. p. 159.

339 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência. Tradução: Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. p. 270.

Zygmunt Bauman lembra também que o laissez-faire (expressão francesa que simboliza o liberalismo econômico na sua versão mais pura) demonstra nenhuma inocência no ponto em que permite que um indivíduo observe a miséria humana sem que haja modificação anímica, aplacando a dor da consciência, com base num credo de que não existe alternativa340. Por sua vez, Ney de Barros Bello Filho aponta que para impedir o avanço das agressões oriundas do mercado e de um modo de vida individualista e excludente, é necessário o fortalecimento do Estado341.

Dentro desta perspectiva, verifica-se que a CRFB de 1988 adotou o paradigma solidarista, para além da adoção da dignidade da pessoa humana como valor supremo no respectivo art. 1, III, como já mencionado, mas em diversos dispositivos.

Num primeiro momento, é importante frisar que se estabeleceu que a República Federativa do Brasil tem como objetivo construir uma sociedade solidária, conforme o art. 3º, I, da CRFB de 1988.

Por seu turno, tal norma, ainda que possua um caráter programático, é dotada de força jurídica, tendo em vista que impõe um dever político ao órgão com competência para satisfazer o seu comando342, razão pela qual se percebe que o Estado brasileiro como um todo possui o dever de aplicar o paradigma solidarista.

Cumpre salientar que a referida norma, por estar inserida dentro de uma concepção neoconstitucionalista (superação de regimes totalitários que substituíram ideiais iluministas de liberdade e igualdade pela barbárie pura e simples que culminaram na introdução em constituições por textos que contenham opções políticas fundamentais que formassem um consenso mínimo a ser observado pelas maiorias) para que tenha eficácia é necessário que se desenvolva uma dogmática específica343.

Nesta senda, Jeanne da Silva Machado aborda a solidariedade como um princípio norteador de qualquer atividade dentro do sistema jurídico brasileiro:

340BAUMAN, Zygmunt. Op. Cit. p. 245.

341BELLO FILHO, Ney de Barros. Op. Cit. p. 21.

342 MENDES, Gilmar Ferreira, BRANCO, Paulo Gonet. Curso de direito

constitucional, 11 ed. São Paulo: Saraiva. 2016. p. 70.

343 BARCELOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, Direitos fundamentais e controle das políticas públicas. Revista de Direito Administrativo, Rio de

Janeiro, v. 240, p. 4, Disponível em:

<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/43620/44697>. Acesso em: 10 Out. 2017.

[…] o princípio fundamental da solidariedade impõe uma política de solidariedade social, a ser exercida por meio de políticas públicas, orientadoras, segundo esse princípio básico e estruturante da solidariedade social, não só de toda a atividade legislativa, administrativa e judiciária, como também das atividades sociais privadas que a essas políticas devem se submeter, permitindo a imposição desse princípio constitucional, em qualquer caso em que se verifique a sua negação evidenciadas em atos comissivos ou omissivos344.

Por tal razão, o legislador constituinte, foi além e estabeleceu em determinados casos concretos a aplicação de um paradigma solidarista, dentre os quais se inicia apontando a necessária solidariedade entre homem e mulher.

Neste sentido, além de a CRFB de 1988 estabelecer a igualdade entre homem e mulher no respectivo art. 5º, I (dispositivo que parte de uma ótica apenas individual liberal, não permite isoladamente com que haja de fato uma igualdade), também estabeleceu no art. 226, §5º, que os deveres inerentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente entre homem e mulher.

Veja-se que aqui, o homem deixou de exercer um papel de chefe de família para um sistema em que homem e mulher passaram a ter de tomar decisões em comum acordo345, em verdadeira solidariedade.

Por outro lado, também é possível extrair do texto constitucional a incidência da solidariedade entre o capital, trabalho e meio ambiente como se observa do artigo 170, VI, da CRFB de 1988 que estabelece que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados, dentre outros os princípios de defesa do meio ambiente e da busca do pleno emprego.

Dito isso, verifica-se que a leitura do texto constitucional é clara no ponto em que demonstra que não é permitido para efeitos jurídicos a

344 MACHADO, Jeanne da Silva. A solidariedade na responsabilidade

ambiental. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2006, p. 116.

345 CASABONA, Marcial Barreto. O princípio constitucional da solidariedade

no direito de família. 2007. 210 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007. Disponível em: <https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/7500/1/Marcial.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2017. p. 163.

colocação de um liberalismo clássico sem a intervenção do Estado, eis que a atividades econômicas devem buscar assegurar a todos a existência digna e não ofender o meio ambiente nem a busca pelo pleno emprego de forma que os casos que não observarem tal perspectiva solidária incidirão em contrariedade ao texto constitucional.

Sobre o tema, importante trazer a seguinte lição de Ingo Wolfgang Sarlet, Paulo Affonso Leme Machado e Tiago Fensterseifer:

Com relação à pedra estruturante do sistema capitalista, ou seja, a propriedade privada, os interesses do seu titular devem ajustar-se aos interesses da sociedade e do Estado, na esteira das funções social e ecológica que lhe são inerentes. A ordem econômica, constitucionalizada a partir dos princípios diretivos do art. 170 da CF/88, mas também e essencialmente com base nos demais fundamentos e objetivos constitucionais que a informam (por exemplo, os objetivos fundamentais da República elencados no art. 3º da CF/88), expressa uma opção pelo que se poderia designar de um capitalismo ambiental ou socioambiental (ou economia ambiental ou socioambiental de mercado) capaz de compatibilizar a livre-iniciativa, a autonomia e a propriedade privada com a proteção ambiental e a justiça social (e também justiça ambiental), tendo como norte normativo “nada menos” do que a proteção e promoção de uma vida humana digna e saudável (e, portanto, com qualidade, equilíbrio e segurança ambiental) para todos os membros da comunidade estatal346.

Não bastasse os referidos tratamentos específicos sobre a incidência da solidariedade, em virtude da crise ambiental já apontada em capítulo anterior, o meio ambiente passou a ser o cerne do paradigma solidarista, visto que, ainda que a doutrina elenque vários princípios de direito ambiental, todos vislumbram a observância da dignidade da pessoa humana das presentes e futuras gerações.

Sobre tal aspecto, José Rubens Morato Leite, Patryck de Araújo Ayala e Paula Galbatti de Silveira: