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Tropa de Elite foi uma das mais caras produções cinematográficas brasileiras de todos os tempos. Orçada, inicialmente, em 8 milhões de reais, Tropa de Elite atingiu, ao fim, a cifra de 10,5 milhões de reais, o que a situa em um patamar poucas vezes atingido por outras produções da cinegrafia nacional.

Com um elenco relativamente jovem, no qual se destacam Wagner Moura (Capitão Nascimento), André Ramiro (André Matias), Caio Junqueira (Neto), Milhem Cortaz (Capitão Fábio), Fernanda Machado (Maria) e Fábio Lago (Baiano), entre outros, Tropa de Elite, apesar dos elevados custos de produção, em nada se assemelha ao estilo norte-americano de filmografia superproduzida, antes, pelo contrário, traz a lume uma violência na qual se vêem grande parte dos problemas que, se não são específicos do Brasil, parecem ter uma coloração inegavelmente brasileira.

Abordado por publicações que gozam de reputação jornalística elevada como Super Interessante, Veja, Isto é, entre outras, o filme é mostrado sob ângulos diversos, mas não sem certo grau de passionalismo inspirado nas fortes cenas dos conflitos diários entre o BOPE e os traficantes de drogas dos morros cariocas.

Tome-se como exemplo dessa afirmação a corrupção em larga escala da polícia, a criminalização da pobreza, a violência dos morros cariocas e as sanguinárias guerras inter-quadrilhas e destas com a polícia. Assim e por mais que se queira universalizar as questões que Tropa de Elite faz emergir, é inegável que seu foco maior, acima de qualquer relação de causa e conseqüência, é a realidade brutal das grandes cidades brasileiras, em especial do Rio de Janeiro.

Os próprios dados numéricos relativos ao filme parecem indicar a ressonância que a produção causou na sociedade. Pirateadas por funcionários da empresa que fez as legendas do filme, cópias da obra foram vistas por um público não inferior a 11 milhões de pessoas (BOSCOV, 2007).

Após ser lançado e somando-se os dados legais, Tropa de Elite atingiu o patamar de, aproximadamente, 16 milhões de expectadores, o que o posiciona como uma das maiores produções cinematográficas brasileiras.

Tropa de Elite foi inspirado no livro A Elite da Tropa, de autoria do ex-capitão do BOPE, Rodrigo Pimentel, do major PM André Baptista e de Luiz Eduardo Soares, sociólogo ligado à SSP-RJ. Embora use o relato escrito como ponto de partida, o filme promove uma adaptação à linguagem cinematográfica, o que o obrigou a promover mudanças em personagens e situações, sem, contudo, fugir ao elemento mais importante do livro: a essência da formação e atuação do policial do BOPE (PIMENTEL, BAPTISTA e SOARES, 2006).

Dirigido por José Padilha, que vem acompanhando o BOPE desde a desastrosa tentativa de acabar com o seqüestro do ônibus da linha 174, Tropa de Elite foi rodado entre setembro e novembro de 2006, em diversas locações no Rio de Janeiro. Fátima Toledo, que já foi diretora da Febem, ficou responsável pela preparação dos atores, optando por dividi-los em quatro grupos distintos: policiais do BOPE, PM convencional, traficantes e os jovens da universidade. Com isso, logrou obter um comportamento baseado em uma visão sempre parcial dos atores, nunca uma panorâmica geral que, normalmente, estes possuem. Desse modo, aproxima- se da vida real, onde universitários dificilmente terão uma noção apropriada de como é o cotidiano de um grupo de traficantes na favela, assim como das ações e do trabalho do BOPE ou mesmo da PM e vice-versa (RIBEIRO, 2007).

Rodado, nas cenas de ação, no teatro de operações real do BOPE, o filme, em diversos momentos, se viu ameaçado e/ou prejudicado por atitudes que dificilmente se veriam em outras produções cinematográficas. Um dos primeiros problemas se deu quando uma van, carregada com 91 armamentos reais modificados para darem tiros de festim, foi roubada por traficantes. Nem o veículo nem as armas foram vistos novamente, o que obrigou a direção do filme a encomendar outro lote de armamentos, a um custo considerável.

As filmagens também sofreram revezes com a comunidade e as quadrilhas que controlam o morro Chapéu Mangueira, pois a PM ocupou o local, sem aviso

prévio à equipe, por duas vezes, o que causou irritação nos moradores, pois estes creditaram a ocupação a Padilha e seus auxiliares. Os produtores do filme foram obrigados a pagar cerca de 2 mil reais a traficantes para fazerem algumas cenas dentro da comunidade, segundo o que foi apurado pela equipe de jornalistas da Revista Vip (RIBEIRO, 2007).

Um dado também significativo em Tropa de Elite é que, durante as filmagens, a equipe de Padilha te ve a consultoria de policiais do BOPE, de um lado, e de traficantes de drogas, de outro. Ambas consultorias foram relevantes, respectivamente, por mostrarem a forma “adequada” (perdoe-se a contradição semântica do termo dentro da oração) de se torturar uma pessoa com o saco plástico usado pelos policiais do BOPE; assim como matar as pessoas queimadas no “microondas” (forma de assassínio particularmente bárbara, na qual a vítima é colocada dentro de uma pilha de pneus e, em seguida, tem o corpo molhado por gasolina ou querosene, sendo ateado fogo na seqüência).

Em vários momentos os atores se viram em risco de serem atingidos pela guerra diária dos morros, inclusive na cena onde colocam fogo ficticiamente em um dos personagens, iniciativa que, por pouco, não deu início a um tiroteio entre quadrilhas rivais.

A busca pelo maior realismo possível, aliás, levou Padilha a usar policiais verdadeiros do BOPE em algumas cenas, o que conferiu uma aparência assustadoramente verídica a determinadas imagens. Outro dado que revela a tensão nos bastidores do filme é o fato de os personagens, em grande parte das externas na favela, usarem coletes à prova de balas verdadeiros sob as roupas (VERSIGNASSI, NARLOCH E RATIER, 2007).

As informações sobre os bastidores e mesmo sobre sua exposição/comercialização tiveram que ser, em grande parte, baseadas em informações jornalísticas, seja pela inexistência (até o momento em que escrevemos este capítulo) de livros e dados oficiais, seja ainda pela repercussão imediata do filme, o que impediu uma visão geral mais aprofundada.

Não obstante, tratam-se de informações imprescindíveis para se compreender a dimensão do filme em que, aparentemente, “A sociedade ansiava [...] por esse tapa na cara dado pelo capitão Nascimento (...)” (CARNEIRO, 2007, p.82).

3 A POLÍCIA APRESENTA SUAS ARMAS: REPRESENTAÇÕES DE VIOLÊNCIA NO BOPE

Analisar as representações sociais de violência partilhadas pelos membros do BOPE afigura-se como uma tarefa particularmente laboriosa, dado que a agressividade, a brutalidade e a tortura (para ficarmos em apenas 3 exemplos da violência intra-estrutural da corporação aqui enfocada) estão por tal forma entranhadas no cotidiano dos policiais que não é possível, a priori, existir uma tropa de elite na PM carioca atual sem a configuração que apresenta. Em outras palavras, em que pese a ousadia da asserção, acreditamos poder afirmar que o BOPE, como a tropa de elite que é, não teria condições de manter o seu formato de ação, metas e resultados, sem que para tanto concorressem os métodos brutais dos quais faz uso. Isso somente se daria em uma reformulação estrutural da corporação, como veremos mais adiante.

Por conta disso, aferir a visão coletiva de violência dos soldados é uma iniciativa que demanda o exame da conformação formacional, relacional e funcional do policial de elite, passando pelas transformações impressas na personalidade do militar até que este se converta no cão de guerra desejado.