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Se existe um inegável ódio dos traficantes em relação aos soldados do BOPE, representados socialmente como a face mais visível da repressão policial,

com a Polícia Militar do Rio de Janeiro mostrada no filme as relações parecem ser ambíguas e ditadas pelas circunstâncias.

Em outras palavras, se em um dado momento a PM atua como “amiga” dos traficantes, vendendo armas ou “aliviando” uma apreensão de drogas e/ou armas, em outro momento essa mesma polícia encarna o inimigo, com todas as nuances e vicissitudes que isso implica.

Assim sendo, não se pode falar de representações sociais estanques de violência dos traficantes em relação à PM, pois isso, ao que tudo indica, só ocorre em relação ao BOPE. O policial militar será representado socialmente de diferentes modos, nas diferentes situações que venham a ter lugar: tanto pode ser um aliado, como um inimigo.

Essa relação mutável entre PM e traficantes demonstra que, nas representações sociais, é possível haver a alteração dos núcleos centrais de maneira célere, ainda que dentro de um arcabouço mais amplo.

Em outras palavras, o PM representado socialmente como amigo, pode, logo em seguida, ser representado socialmente como inimigo, o que configura uma aparente contradição.

Na verdade, as representações sociais dos criminosos sobre os policiais militares não são unidirecionais, pelo contrário, encampam (e o traficante é consciente disso) tanto a possibilidade de “ter um acerto” como um conflito. Com isso, podemos verificar que representações sociais são erigidas a partir de elementos simples e concordantes, mas também sobre aspectos complexos e, aparentemente, contraditórios, sem que altere suas características essenciais.

6.4 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE VIOLÊNCIA DOS TRAFICANTES SOBRE OS UNIVERSITÁRIOS

A forma como os universitários são representados socialmente pelos traficantes do morro é bastante ambígua, ainda que essa ambigüidade só se revele em momentos extremos, como, por exemplo, quando Baiano se vinga nos membros da ONG que atua na favela por ter baleado mortalmente um oficial do BOPE.

Nas partes iniciais do filme podemos verificar a atuação da ONG na qual trabalha a universitária Maria e alguns de seus colegas do Curso de Direito da universidade é tolerada amistosamente pelos traficantes. Ao que tudo indica, a ONG recebe o aval e mesmo o apoio do traficante Baiano, dono do morro. A convivência entre a comunidade e os traficantes parece relativamente harmônica, tanto quanto destes com os universitários.

Esse clima de cordialidade, contudo, não impede que a violência permaneça em um estado latente, pulsante, pronta a explodir nas mais diversas direções e de modo quase sempre letal ou extremamente danoso. Um exemplo de rara eloqüência é a execução do menino responsável por avisar aos traficantes sobre a chegada da polícia ao morro. Capturado pelo BOPE, o garoto, que não deve ter mais do que 12 ou 13 anos, é obrigado, sob a ameaça de uma arma apontada para seu rosto e sofrendo grande pressão psicológica, a indicar o “vapor” (indivíduo que transporta e entrega a droga), durante uma batida policial. Solto pelos soldados após a delação, a criança foge, desesperada, pelas ruelas do morro, mas não consegue escapar de um fim trágico, morta pelos traficantes pouco tempo depois (esse dado fica implícito no filme, mas a visita da mãe do fogueteiro à sede do BOPE esclarece a morte do menino).

As representações de violência dos narcotraficantes, contudo, encampam como aceitáveis quaisquer possibilidades de ação violenta, desde que elas signifiquem uma forma de manter o status quo ou ainda de ampliar o poder do dono do morro e de seus asseclas. Isso equivale a dizer que, do ponto de vista dos traficantes apresentados no filme, os membros da ONG só têm utilidade enquanto mostram para a comunidade que Baiano tem “consciência social” e, enquanto duram as relações amistosas, são bem recebidos e tratados.

Quando matam o oficial Neto, do BOPE, sem saber que pertencia ao batalhão, os narcotraficantes não hesitam, porém, em assassinar friamente a jovem Fernanda e queimar vivo no microondas (uma pilha de pneus colocada em volta do corpo da vítima que é encharcada de gasolina e depois incendiada) seu namorado, enquanto riem debochadamente da agonia do rapaz. Tais execuções decorrem diretamente da percepção de “justiça” de Baiano e de seus comparsas: já que foi Maria quem trouxe, sem ter conhecimento do fato, um policial para dentro da favela, nada mais “natural” do que os membros da ONG serem assassinados, pois seu “papo não foi reto”.

Ainda que não seja intenção do presente estudo emitir juízos de valores estéticos sobre o filme de José Padilha, o cineasta, acusado por muitos de apresentar uma visão política e ideológica de extrema direita, tem o mérito de não vitimizar os traficantes, antes, pelo contrário, busca mostrá-los numa dimensão que, se não é imparcial, também não peca pelo extremismo. Baiano, por exemplo, é apresentado sob uma perspectiva bastante crível, qual seja a de que deve ter sido um menino pobre sem maiores opções na vida que não virar traficante. Não se nega as pequenas tragédias por trás de um bandido, mas também não se exime o mesmo de sua responsabilidade em face da violência cometida. O filme de Padilha é, para dizer o mínimo, coerente com um posicionamento que procura (pelo menos tenta) dar a cada um seu quinhão de direitos e deveres (CARNEIRO, 2007).

O filme mostra que o mesmo garoto que conversa descontraída e amenamente com a jovem Maria, a impede de sequer ver seus amigos da ONG que, pouco depois, são sumariamente executados. Pai e marido preocupado com o bem- estar de sua família, Baiano é, também, um homem que mata ou manda matar com a mesma naturalidade com que brinca com um de seus “vapores” (estudante universitário) viciado em cocaína. Fica nítido, assim, que as representações de violência dos membros do tráfico sobre os universitários são perpassadas de visões nas quais infringir dor, sofrimento e morte aos outros é apenas uma parte do ofício, mesmo que isso permaneça oculto sob um frágil “capa” de camaradagem.

7 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE VIOLÊNCIA DOS UNIVERSITÁRIOS

7.1 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE VIOLÊNCIA DOS UNIVERSITÁRIOS