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Infraestrutura como instrumento de Política Industrial: Vinculação Normativa

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2.3 Infraestrutura como instrumento de Política Industrial: Vinculação Normativa

política industrial, qual a sua lógica operativa em cada uma das linhas de pesquisa e quais são os objetivos a que atendem. De forma simplificada, podemos expor as características do setor de infraestrutura de acordo com determinadas características físicas: baixa ou nenhuma "mobilidade física"; indivisibilidade; baixa relação produto- capital; considerável presença de custos irrecuperáveis (sunk costs); elevada dispersão do consumo de serviços associados. Cabe nessa definição, além da infraestrutura de transporte, telecomunicações e energia, a infraestrutura urbana composta por redes de esgoto, água, transporte público e outras. Essas características atendem ao conceito de "serviço público".

O caráter fixo da infraestrutura é explicado pela impossibilidade de deslocamento dos ativos utilizados para a prestação dos serviços (ainda que por vezes os “serviços” possam ser transportados, como o caso de energia elétrica). Essa especificidade gera conseqüências relevantes, sendo a principal a irrecuperabilidade dos investimentos, ou seja, parte dos investimentos realizados são afeitos ao empreendimento em questão e, portanto, impossível de ser recuperado ou revertido em outro empreendimento. Essa

70 questão é complementada pela elevada relação capital-produto40, exigindo elevada mobilização de recursos para sua expansão.

A indivisibilidade característica da infraestrutura decorre do seu caráter de rede, isto é, da necessita do usuário ao utilizar ter disponível a totalidade do serviço.

De outro lado, usualmente os investimentos no setor de infraestrutura estão sujeitos a significativas economias de escala, escopo e a externalidades positivas. A baixa relação produto-capital e o atributo de "rede" explicam a freqüente ocorrência de monopólios naturais nos setores de infraestrutura.

Uma primeira visão sobre a utilização de investimentos em projetos de infraestrutura é apresentada nas diferentes correntes citadas na seção anterior. Pessoa et al (2007), juntamente com Nassif (2003) destacam investimentos em infraestrutura como um dos elementos relevantes na composição de políticas industriais horizontais. Mas é no âmbito da americana National Bureau of Economic Research (NBER) que se desenvolvem as primeiras linhas estruturadas de pesquisa. A montagem de um quadro mais amplo neste programa indica que investimentos em infraestrutura podem representar uma parcela mais relevante na estrutura de crescimento de um país.

Os primeiros indícios da vinculação entre investimentos em infraestrutura e variáveis macroeconômicas remotam ao trabalho seminal de Aschauer (1989), que desenvolve um modelo econométrico simples para mensurar a influência da acumulação de capital público não militar sobre a produtividade do trabalho nos Estados Unidos. Os resultados econométricos de Aschauer indicam uma forte correlação entre a produtividade do trabalho e a formação bruta de capital não militar do setor público usando dados de 1945 a 1985. Um resultado similar decorre da omissão do estoque de capital público não militar, que indica a ausência de uma variável relevante na especificação dos testes. O autor ainda aborda uma especificação onde se substitui a variação no estoque de capital não militar público pelo gasto público. Após o desenvolvimento de diversos estágios intermediários para lidar com o problema de endogeneidade, conclui ser possível aceitar a hipótese de que, inversamente ao resultado obtido para variação de estoque, não há correlação entre gasto público e produtividade do trabalho. As especificações que incluem capital militar apresentam estatísticas não significativas.

40 Fleury (2001), trata dos modelos de financiamento do setor de infraestrutura a partir dos elementos

71 Um detalhamento das variáveis públicas escolhidas pelo autor indica que o papel da infraestrutura fixa é muito mais relevante do que o capital imobilizado em equipamentos. Dentro de infraestrutura fixa o autor identifica o que ele denomina de core da infraestrutura como determinante principal da variação de produtividade do trabalho41. Uma análise do padrão histórico conduzida pelo autor identifica o período entre 1970 e 1985 como aquele onde a produtividade da mão de obra menos cresce na totalidade da amostra. Diversos autores procuraram explicar este fato observável pela redução do dispêndio privado com P&D (que se reduziu no período de 6,5% para 2,6% das receitas privadas no período), mas não concluem em favor desta variável como o elemento central desta explicação. Igualmente a variação no preço do petróleo possui poder explicativo limitado sobre a redução da produtividade da mão de obra no período. Aschauer (1989) conclui ser possível afirmar que o principal indutor da redução da produtividade da mão de obra neste período é a desaceleração no crescimento da infraestrutura pública.

Os resultados de Aschauer (1989) são replicados para a Suécia por Berndt e Hansson (1991). Os autores replicam na Suécia os modelos de Aschauer para o período de 1960 a 1988. Contudo, ao invés de observarem a produtividade do trabalho, os autores observam o efeito da infraestrutura pública sobre o custo do trabalho no setor privado, controlando para salários constantes. Os resultados globais se repetem. Uma forte correlação entre a produtividade da mão de obra e a variação de capital público na Suécia é comprovada para o período de crescimento mais acentuado (até 1980), sendo a inversão desta tendência uma das variáveis explanatórias mais relevantes para a queda do crescimento da produtividade da mão de obra. Berndt e Hansson também descartam a hipótese de que o gasto público tenha correlação direta com a variação da produtividade da mão de obra, centrando o foco de análise na infraestrutura.

Morrison e Schwartz (1992) re-direcionam o foco de pesquisa em dois sentidos. Primeiro, a variável explicativa do modelo econométrico torna-se o volume de infraestrutura desenvolvida no nível estadual Americano, substituindo o estoque de capital federal. A variável dependente, neste caso, é a produtividade do trabalho na indústria e não da economia agregada. A métrica utilizada alinha-se com a de Berndt e Hansson (1991), medindo a produtividade dos fatores por seu elemento dual, custos de produção. O resultado encontrado é positivo, mas menos relevante do que os resultados registrados

41 O autor inclui no conceito de infraestrutura core rodovias, ruas, aeroportos, plantas geradoras de energia

elétrica, transmissão de gás, transporte de massa, água e saneamento como os principais elementos explanatórios da variação da produtividade da mão de obra.

72 por Aschauer. Os autores reportam em adição o declínio dos efeitos do impacto da variação do estoque de capital público sobre a produtividade marginal do trabalho na indústria.

Nadiri e Mamuneas (1991) re-orientam a direção do programa de pesquisa para o delineamento de um plano que correlacione infraestrutura como instrumento de política industrial. Os autores partem dos resultados de Hulten e Schwab (1991) para examinar os efeitos de infraestrutura pública e investimentos / incentivos públicos para P&D sobre a estrutura de custos de produção e a produtividade da mão de obra em 12 setores manufatureiros nos Estados Unidos. Os resultados mais relevantes indicados pelos autores referem-se à clara distinção do impacto da acumulação de capital público sobre setores industriais. A limitação deste resultado, seguindo os problemas estatísticos previamente delineados em Hulten e Schwab (1991), refere-se à impossibilidade de medir o uso de infraestrutura pública pelos vários setores industriais analisados. O segundo resultado a ser destacado é a predominância dos efeitos de P&D privado sobre P&D público, confirmando a literatura precedente (Griliches (1986), Griliches e Lichtenberg (1984)) de menor eficácia deste instrumento de política pública, apesar de terem sido encontrados resultados positivos.

Em 1994 Holtz-Eakin e Schwartz (1994) revêem os testes precedentes através da especificação de um modelo econométrico mais sofisticado, baseado em dados de painel, para testar os impactos do crescimento do estoque de capital público (infraestrutura) sobre o crescimento do PIB dos 48 estados contíguos americanos. Os testes são realizados inicialmente na forma de cross section para o último ano da amostra, testando a hipótese de que os Estados poderiam estar em estado estacionário, e em seguida usando dados de painel para testar as mudanças nas trajetórias de convergência do PIB entre Estados. Ainda que positivos, os resultados encontrados pelos autores são de proporção muito menor do que os resultados reportados por Aschauer (1989) e os demais.

Após o ciclo de crescimento da economia Americana iniciado na segunda metade da década de 1990 o programa de pesquisa é em grande medida descontinuado. Este objeto de pesquisa é retomado no âmbito do Banco Mundial, com a publicação de Banco Mundial (1993) e (1994).

Canning (1999), baseando-se nos relatórios do Banco Mundial de 1993 e 1994 (World Bank (1993) e (1994)) apresenta a forma que o programa de pesquisa do Banco Mundial

73 em impactos que infraestrutura sobre crescimento econômico viriam a ter nos anos seguintes. O autor utiliza amostras que variam entre 57 e e 104 países e assume como proxi para investimentos em infraestrutura o número de telefones por trabalhador, encontrado resultados positivos e significativos para o período de 1961 a 1990. Demetriades and Mamuneas (2000) realizam testes similares aos de Canning (1999), focando sua amostra em dados da OECD.

De acordo com a exposição acima realizada, podemos finalizar este capítulo com a indicação de que investimentos em infraestrutura correspondem a instrumentos de política industrial na lógica utilizada pela diversas linhas de pesquisa.

De acordo com a lógica neoclássica, infraestrutura é um setor que apresenta a natureza descrita por Grossman (1990). Conforme citado, os investimentos em infraestrutura são caracterizados por economias de escala, externalidade positiva, características de rede e indivisibilidade. Nesse sentido, o instrumento avaliado e preconizado no âmbito do programa de pesquisa neoclássico é, essencialmente, o investimento público. Contudo, mais recentemente, autores associados a essa linha de pesquisa passaram a indicar que investimentos induzidos pela iniciativa privada também cumpririam esse papel, aproximando os resultados das escolas institucionalistas.

Nesse enfoque, o objetivo preponderante dos instrumentos utilizados é a promoção do crescimento econômico, sem comprometer o equilíbrio macroeconômico, em especial o equilíbrio fiscal. O método de análise associado a essa linha de pesquisa é o hipotético- dedutivo, o qual procuraremos utilizar no próximo capítulo.

De acordo com a lógica do Banco Mundial, as evidências que relacionam investimentos em infraestrutura ao crescimento econômico transformam, por conseguinte, investimentos em infraestrutura em instrumentos de políticas públicas. A forma de mensuração destes resultados constitui a espinha dorsal do programa de pesquisa, de forma que procuramos adotar os padrões econométricos com o objetivo de sustentar o diálogo e expandir os resultados previamente encontrados.

De acordo com a teoria de arranjos produtivos, investimentos em infraestrutura são instrumentos que permitem a integração entre diferentes elos e cadeias produtivas, reduzindo custos e melhorando a competitividade internacional do setor afetado. A síntese desta visão fez com que temas como o Plano Plurianual de Investimentos, conduzido pelo Ministério do Planejamento do Governo Federal, adotassem esse padrão de análise para planejar as novas metas e ações públicas correspondentes.

74 De acordo com a teoria instuitucionalista, o processo de regulação do setor de infraestrutura representa o instrumento de fato da política industrial. Investimentos diretos, induzidos, financiamento público.

Concluímos, portanto, que existe uma vinculação normativa entre investimentos em infraestrutura e instrumentos de política industrial. No próximo capítulo abordamos o problema de pesquisa através de uma modelagem teórica.

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