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2 I NFRAESTRUTURA COMO I NSTRUMENTO DE P OLÍTICA I NDUSTRIAL : P ROPOSIÇÃO DE

2.2 Aplicação do quadro proposto: comparação de linhas de pesquisa em política

2.2.2 Linha de Pesquisa Neoschumpeteriana

Em contraponto à visão neoclássica, diferentes autores apresentam argumentos favoráveis a uma política industrial mais abrangente. Esta linha abrange uma grande variedade de conceitos, modelos teóricos e formas de abordar empiricamente o problema proposto, o que levou Suzigan e Vilella (2006) a denominarem este o “paradigma abrangente” em política industrial. Contudo, justamente esta abrangência impede que se identifique com clareza quais são as linhas principais de pesquisa e quais são as teorias satélites construídas a partir deste corpo teórico principal. Alguns dos principais pontos comuns entre os autores, que os colocam sob o mesmo guarda-chuva epistemológico, são.

• Uma postura favorável por princípio à utilização de uma ampla gama de instrumentos de política industrial;

61 • A estruturação empírica de seus argumentos com base no processo de observação e descrição sistematizada da história sócio-econômica das economias de interesse.

• Limitação na utilização de modelagem hipotético-dedutiva para amparar os argumentos e conclusões abordadas nos artigos, que normalmente amparam-se pelo método sistematizado de observação da realidade.

Esta linha abrange autores como Nassif (2003), que analisa os efeitos do processo de abertura comercial da década de 90 sobre a produtividade da indústria brasileira e o quantum exportado pelas denominadas “indústrias dinâmicas”. O autor refuta a hipótese de causalidade neoclássica entre nível de abertura, competição internacional e dinamismo industrial, buscando na intervenção objetiva do Estado uma solução mais efetiva para o padrão de desenvolvimento setorial brasileiro. O autor descreve fatos recentes da indústria brasileira à luz dos fundamentos teóricos que condicionam a efetividade da implantação de uma política industrial e de comércio internacional, destacando spillovers tecnológicos, ausência de elos críticos em cadeias produtivas (com destaque para o sistema financeiro), tendência à concentração em indústrias caracterizadas por economias de escala e posicionamento mercadológico global de indústrias originárias de países emergentes. A primeira conclusão é a de que o impacto produtivo decorrente do processo de abertura comercial da década de 1990 deu-se com maior intensidade nas indústrias de baixo dinamismo, o que resultou em ganhos econômicos e sociais de curto prazo, mas colocou em risco a dinâmica de longo prazo de indústrias de alto potencial de crescimento e contribuição futura (indústrias prioritárias). O autor retoma a ênfase em políticas industriais horizontais, dentre as quais cabe destacar a estabilidade macroeconômica, a adequação da arquitetura tributária, investimentos na recuperação, aprimoramento e expansão da infraestrutura física, melhora nos padrões educacionais e necessidade de coordenação institucional. Em seguida, apresenta reflexão similar à de Pessoa et al (2007), ressalvando que as evidências favoráveis a uma política vertical propriamente dita são fracas perante as evidências favoráveis a políticas horizontais. No entanto, ao categorizar a estrutura produtiva nacional pelo nível de influência gerado pelo processo de abertura comercial, identifica o maior impacto produtivo nas industrias de baixo dinamismo e a perda de eficiência nas indústrias prioritárias. Por um lado esta evidência refuta a hipótese de que a política de abertura comercial teria gerado incremento na eficiência industrial de longo prazo, uma vez não se observaram ganhos de

62 produtividade nos setores de maior importância macroeconômica de longo prazo. Por outro lado, sinaliza a necessidade de estabelecer políticas de governo que impulsionem o reordenamento do processo dinâmico entre setores industriais, enfatizando a presença de indústrias de alto dinamismo tecnológico. Os riscos das escolhas setoriais, nestes casos, deveriam ser mitigados pela predeterminação de indicadores e horizontes que sustentassem a hipótese de sucesso da intervenção pública através de instrumentos setoriais de política industrial.

Esta escola se manteve ativa, ainda que de forma razoavelmente isolada, ao longo das décadas de 1980 e 1990, ampliando seu espaço de discussão a partir da segunda metade da década de 1990. Uma síntese desta linha de pesquisa é proposta por Kupfer (1996). O autor destaca a forma sistêmica de observação do fato econômico como espinha metodológica do programa de pesquisa, em alternativa à metodologia econométrica clássica. O objeto de análise, para o autor, é a correlação entre o padrão de evolução tecnológica e a mudança do padrão concorrencial intra e interindustrial, daí a denominação de neoschumpeterianos.

Campanário e Muniz (2004) revisam as ações de política adotadas no Brasil em seu contexto macroeconômico para observar a correlação entre o pêndulo teórico e as ações práticas de governo. Neste sentido, a PITCE de 2003 deveria estar circunscrita aos objetivos macroeconômicos: por vezes, “não atrapalhando” seu funcionamento, por vezes, “alavancando” os resultados macroeconômicos a partir de ações microeconômicas. Contudo, os autores não apresentam seu posicionamento próprio sobre o perfil e a forma de adoção de uma política industrial.

Suzigan (1996) constitui outra relevante referência nesta abordagem, ao partir de Johnson (1984), Corden (1980) e Adams e Bollino (1980) para delinear uma abordagem institucional com o objetivo de revisitar a história do desenvolvimento industrial brasileiro. O autor amplia o conceito de política industrial para incluir todos os elementos de políticas públicas que influenciam direta ou indiretamente a trajetória de dinâmicas relativas entre setores industriais. Neste sentido, consolida em uma mesma arquitetura conceitual os elementos de políticas verticais e horizontais, afirmando serem ambos indistinguíveis em sua proposição de resultados. Para o autor, o problema da derrocada da política industrial no Brasil não se associa apenas às crises internas (geradas pelo descompasso das contas públicas ou pela inflação crônica), mas principalmente ao esgotamento do modelo de gestão da política face à velocidade das novas tecnologias desenvolvidas a partir da

63 década de 1980. A dificuldade em selecionar setores líderes, que deveriam ser direta ou indiretamente alavancados, a determinação de metas e prazos, a tendência ao protecionismo excessivo tornaram a política industrial ineficiente não por seus princípios, mas por sua dificuldade de implantação. A estes fatores somam-se diversos outros elementos que se complementam em diferentes circunstâncias36 e que, ao invés de levarem ao fortalecimento da capacitação do setor público, acabaram por produzir a conclusão do processo de desarticulação destas políticas.

Ainda que diferentes visões sobre a necessidade, a forma e as prioridades de uma PI coexistam nessa linhas de pesquisa, muitas vezes não chegam a estruturar um debate acadêmico positivo e perene. Cada autor assume para si a razão sobre os argumentos expostos, sem necessariamente buscar o diálogo sobre referenciais teóricos, métodos empíricos e conclusões com os demais (da mesma ou de outras linhas). O resultado prático é a redução de um discurso acadêmico sistematizado que apoie, na medida de suas possibilidades, a formulação de ações de Estado e práticas empresariais que busquem a otimização das trajetórias dinâmicas da economia brasileira.

No plano internacional, o debate sobre a necessidade, pertinência e abrangência de uma política industrial é certamente mais abrangente e melhor estruturado, ainda que as duas principais linhas de pesquisa espelhem o perfil da controvérsia existente no Brasil.

Rodrick (2007) constitui o marco referencial para a discussão corrente sobre as diversas formas de manifestação da intervenção pública do Estado no domínio econômico. O autor enumera uma série de fatos específicos do período de maior prosperidade de economias como China, Ilhas Maurício e Indonésia. O estreitamento do primeiro movimento de análise37 para o segundo, onde o foco recai sobre o papel desempenhado por ações de política industrial na determinação da dinâmica econômica de um país e sobre como essas ações afetam crescimento, produtividade, comércio e igualdade social nos leva a resultados muito menos seguros.

Quanto aos aspectos empíricos, os autores de tradição Neoschumpeteriana evocam a impossibilidade de mensurar o sucesso de políticas verticais por meio de instrumentos de

36 A exemplo da dificuldade em consolidar a transição do modelo de substituição de importações para o

modelo de promoção a exportações, a ausência de medidas efetivas de promoção ao desenvolvimento tecnológico, a tendência ao sobre-subsídio injustificado, que gera distorções na direção contrária ao pretendido pela política industrial, a tendência à sobre-regulação na economia brasileira e a ausência de continuidade nos planos estabelecidos.

64 tradição neoclássica, alegando que “cada caso é um caso”. Desta forma, apenas uma observação cautelosa dos fatos permitiria produzir juízos de valor sobre a eficácia de uma política industrial, inclusive dissociando seus efeitos dos elementos macroeconômicos que a circunscrevem38.