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3. Perspectiva metodológica

4.1. Os organizadores

4.1.2. Ingo Schreiner

Filho e neto de professores, o também professor Ingo Schreiner teve seu primeiro contato com a música na infância. A música era cultivada no âmbito familiar, regularmente. Seu pai, professor egresso do Lehrerseminar, ex-aluno do professor de música Wilhelm Schlüter, valorizava e cultivava a prática do canto com seus filhos.

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[...] Meu pai é filho de agricultor e professor. Meu avô era professor aqui no interior de Cruzeiro do Sul e também regia o coral da comunidade. Então ele estava envolvido com música. Ele tinha violino [e] meu pai aprendeu violino acho que com meu avô. Muito cedo depois do serviço militar, ele teve que ir para o oeste catarinense, para a colônia nova de Palmitos, para ajudar a irmã dele que era recém-casada e tinha um filho pequeno. [Como] ela precisava de ajuda, ele foi junto para ajudar no serviço. Muito rápido ele se transformou em professor porque havia muita[s] criança[s] e não tinha ninguém que desse aula para essas crianças. Então, escolheram ele para dar aulas lá em Palmitos e criaram uma escola [onde] ele começou a dar aulas. Ele cantava muito com as crianças. Ele gostava. Daí ele fez seu pé de meia durante uns quatro anos e comprava livros. Ele gostava muito de matemática também. Ele mandava trazer livros da Alemanha e começou a estudar por si próprio alguma coisa de matemática. Quando ele tinha [economizado] algum dinheiro, ele resolveu ir estudar em São Leopoldo, no antigo Lehrerseminar, que foi o precursor da Escola Evangélica de Ivoti. Lá ele foi aluno do Schlüter, [Lá] ele conheceu muita coisa sobre música, conheceu minha mãe também, e ai depois ele esteve um período em Candelária. Durante a guerra ele teve um problema sério, ele teve que sair de lá, até foi preso. Preso com a mulher grávida e dois filhos pequenos. Mas ele não ficou muito tempo preso e [então] ele ficou em São Leopoldo, encostado um tempo, Depois contrataram ele para ser professor. Ele ficou a vida inteira lecionando em São Leopoldo. E como tinha muitos filhos e ele gostava de cantar, cantava conosco diariamente, de noite, depois da janta. E às vezes dava briga, porque quando não funcionava... Eu me lembro de um dia que ele bateu na mesa e quebrou a mesa.66

Preocupado com o desenvolvimento da educação musical dos filhos, o pai Schreiner procurou ajuda, consultando o professor Max Maschler, então professor de música no antigo Lehrerseminar. Este aconselhou-o a introduzir o aprendizado da flauta-doce na família.

[...] Mas daí ele queria fazer mais e ele pediu conselho para o Max Maschler. O que ele poderia fazer para melhorar a educação musical dos filhos O Maschler conhecia o desenvolvimento musical da Alemanha, todo este movimento de recuperação da flauta doce e ele aconselhou pra ele [Schreiner] fazer isto. Aí meu pai até emprestou [pediu emprestado] umas flautas antigas dos Frank, que era o Eberhard Frank, marido da Isolde. Eles tocavam flauta em casa e eles tinham também relação com a Alemanha, eles tinham flautas. Então as primeiras flautas eram até emprestadas. Logo em seguida ele importou flautas para todos os filhos e começou a fazer um grupo para tocar.67

Desta forma, o pai Schreiner foi o responsável pela disseminação da flauta doce em São Leopoldo. Ele estudou e ensinou os filhos. Uma educação musical familiar através da flauta doce. Desta forma, os filhos podiam ser diariamente estimulados a praticarem o instrumento, trazendo grandes avanços em termos de desenvolvimento musical. Uma forma natural de se relacionar com a música que,

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sem dúvida, traz grandes resultados em função do estímulo diário, proveniente da família.

[...] O pai Schreiner introduziu aqui em São Leopoldo a flauta doce. Talvez não só em São Leopoldo. Talvez até foi para Porto Alegre. [...] Ele tinha contato com fabricante lá [Alemanha], como se diz, um fabricante de flautas Moeck, em Celle, [Alemanha] e ele mandava vir estas flautas por correio. Às vezes caiam na alfândega. Ele teve este mérito. O pai do Ingo.68.

A família Schreiner executava, no começo, obras musicais de um livro que era utilizado no Lehrerseminar para as atividades de canto coral intitulado Heim69. Isto acontecia em função da escassez de material impresso, específico para flauta doce. Com o passar do tempo, o pai Schreiner importou também cadernos de flauta doce da Alemanha, oportunizando o acesso ao repertório específico de flauta doce e algumas transcrições.

[...] Como não tinha muita música, nós tínhamos que tocar do Heim [...] É um livro de canto coral que era usado no antigo Lehrerseminar. Todos os alunos tinham que comprar. Eu sei que tenho várias versões em casa. Um [era] da minha mãe, um do meu pai. É um livro grosso, que tem arranjos para coral a 4 vozes [...]. Heim é o autor ou o organizador do livro para corais a 4 vozes. E tem arranjos que vão de Bach a Beethoven, de tudo, uma seleção. E ai a gente tocava desse livro com flautas. Não tinha outra música para tocar. Depois ele conseguiu alguma literatura do Moeck Verlag, de Celle, que vendia flautas, flautas Moeck e vendia, editava cada mês uma revista. Se chama Zeitschrift für Spielmusik70. Tinha músicas originais ou transcrições para flauta doce. Então a gente tinha que... tocar. [...] Meu pai aprendeu e ensinava para nós do jeito dele.71

Observa-se na fala do colaborador a questão da obrigatoriedade de tocar um instrumento. As crianças não tinham opção para decidir se aprenderiam ou não o instrumento. A música fazia parte da concepção de educação do pai, concepção essa que, possivelmente, foi influenciada pela formação recebida no Lehrerseminar, onde estudou para ser professor. No Lehrerseminar, a música tinha seu espaço garantido, tendo “grande número de aulas semanais dedicadas às atividades artísticas, como a música, que envolvia a teoria musical, o coro e o curso de instrumentos musicais” (GOMES, 2005, p.110).

Quando o grupo de flautas doces da família Schreiner já estava formado, o professor Max Maschler sugeriu a introdução de um instrumento baixo como

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Entrevista realizada com o professor Hans Günther Naumann, no dia 05 de dezembro de 2007.

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Heim, livro de arranjos para coral.

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Revista para música instrumental (Tradução da autora).

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acompanhamento. Desta forma, por desistência do irmão mais velho, que não queria o compromisso de tocar no grupo, o professor Ingo teve sua iniciação no violoncelo.

[...] Eu passei para o violoncelo porque o Maschler aconselhou para o meu pai que era interessante acompanhar as flautas [com] um instrumento baixo, porque a flauta baixo não tem muito som. Então ele aconselhou a comprar um instrumento também baseado na viola da gamba que se chama Fidel72. Daí ele achava que o meu irmão era para tocar isto. [...] E ele tocava [flauta], Ele era mais velho que eu. Eu sou o quarto filho, e ele tocava com as minhas duas irmãs que tocavam muito bem... Eu era assim... considerado... o estepe, assim. Diziam que eu sempre cantava a quarta voz porque os meus irmãos mais velhos cantavam a três vozes e eu era para cantar junto e às vezes eu saía fora do [tom]... Mas ele [irmão] não quis. Ele não quis assumir este compromisso de tocar esta viola da gamba. Eu disse, eu quero.[...] Aí eu aprendi com o pastor, alemão, recém-formado que veio aqui para o Brasil para trabalhar, Gebhard Strebel. Ele era violoncelista. E ele estava fazendo um semestre de adaptação em São Leopoldo, na EST73, e dava algumas aulas também. Aí ele deu aula para mim. Eu tive aula com ele durante um semestre e aprendi a tocar este instrumento. Acho que eu tinha 14 anos, eu estudava... De repente eu senti vontade de fazer isto. Era uma coisa que me dava sentido, tinha significado pra mim e eu estudava pelo prazer de estudar. E logo em seguida eu já participei, depois de tocar um ano, de um concerto no Morro do Espelho, com música de câmara, tocando junto uma Sonata de Händel, no baixo contínuo. E aí o Maschler depois me aconselhou a fazer, estudar violoncelo com Pagnot, Jean Jacques Pagnot74[...] Era professor de violoncelo da... da UFRGS.[...] Eu fiz então vários anos de aula com ele, no curso de extensão, nunca fiz o curso regular e sempre fazia música de câmara. 75

Por tocar violoncelo e flauta doce, o professor Ingo foi convidado no ano de 1962, pelo então diretor da Escola Normal Evangélica, sediada ainda em São Leopoldo, para ser professor destes instrumentos. No ano seguinte iniciou seu trabalho como professor de música no currículo e paralelamente fazia o curso de Matemática na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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Fidel corresponde à rabeca. (Tradução da autora)

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Escola Superior de Teologia, em São Leopoldo.

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Jean Jacques Pagnot foi professor titular do curso de Bacharelado em Violoncelo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

[...] Profissionalmente eu comecei com aulas de música enquanto eu estudava. Eu dava aulas de flauta em casa. [...] Eu ganhava assim um dinheirinho que pra mim era bom. Não dependia mais tanto do pai e aí surgiu a oportunidade de dar aula na Escola Evangélica, que naquela época era em São Leopoldo. [...] Depois de algum tempo, comecei a dar aulas em sala de aula, aula de música mesmo. [...] E aí foram meus alunos a Edi Benke, Tia Edi; o marido dela, o Sílvio; a Rovena Schmidt, este pessoal. Eles foram meus alunos. [...] Estes foram meus alunos na primeira série, o que corresponde atualmente a 5ª, 6ª série... 5ª. Era a primeira série ginasial daquela época. Eu dei aulas de música e eu aprendi com eles a solfejar. Usava um método do Fritz Jöde, que era...[...] Tônica dó.[...] Ele [Fritz Jöde] que elaborou este projeto todo. Ele [o método] funcionava muito bem. E eu sempre ensinava para alunos entre 12, 13, 14 anos a solfejar. E aprendi a solfejar com eles porque eu não tive solfejo antes. E a escrever notas, a brincar com música e a reger também. Eu sei que no fim do primeiro ano que eu dei aula para eles, eles tinham que no exame pegar assim, ler a música, tentar descobrir ela. Pelo menos uma tentativa de ler. E aprenderam a reger alguma coisa... [noções básicas de regência] Eu fazia com eles.76

Aproveitando a experiência adquirida junto aos alunos, o professor Ingo foi registrando canções do folclore gaúcho, recuperadas pelo movimento de Paixão Côrtes e Barbosa Lessa, nos encontros em que acompanhava o irmão ao violão, enquanto esse fazia ensaio com o grupo de danças gauchescas. Utilizou esse material nas aulas de música na Escola Normal, onde era professor.

[...] E eu peguei partes com o Lauro Müller, Telmo Lauro Müller. Mais a música aqui do Rio Grande do Sul e depois disto aqui [manuscritos que o professor Ingo organizou]. E eu experimentava. Como eu tocava violão, eu estava interessado em achar acompanhamentos para isto. E nas aulas de música eu aproveitava isto para cantar. Então eu praticava. Eu usava mais deste material aqui do que, por exemplo, do “Louvai Cantando”. Porque a edição do “Louvai Cantando” é posterior à minha.77

O professor Naumann, na função de diretor da Escola Normal, escutava as canções que eram cantadas nas aulas que o professor Ingo ministrava.

[...] É que eu estava dando aulas na escola de Ivoti, na Escola Normal e o Naumann era diretor. [...] Eu dava aula de música e recolhia estas coisas que eu tenho, do meu jeito, sem muita sistemática... E eu estava praticando isto lá na escola e ele viu isto. Sabia que eu sabia e juntou isto.78

Hans Günther Naumann também acumulava a função de presidente da Comissão Coordenadora de Música Sacra e, em função do desafio de procurar canções folclóricas para serem incluídas no cancioneiro, convidou o professor Ingo Schreiner para participar deste processo. [...] E o Ingo então foi nosso professor de violoncelo... um camarada muito, muito inteligente e nós três então organizamos isso

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Entrevista realizada com o professor Ingo Schreiner, no dia 06 de dezembro de 2007.

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Entrevista realizada com o professor Ingo Schreiner, no dia 06 de dezembro de 2007.

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[“Louvai Cantando”].79 O professor Ingo participou da elaboração do cancioneiro, contribuindo com sugestões de canções que poderiam ser incluídos no material. [...] Eu não trabalhei nisso. A dona Barbara [foi] quem mais trabalhou. Eu forneci as coisas. Até tem algum arranjo meu aqui junto.80

A participação do professor Ingo foi fundamental. Apesar de não ter formação específica na área, sempre teve a música presente em sua vida de forma intensa. A vivência musical familiar, construída ao longo da infância, proporcionou ao professor uma profunda relação para com a música, presente ainda nos dias de hoje.

Atualmente o professor Ingo Schreiner é professor de Matemática na UNIVATES, em Lajeado. Paralelamente, rege o coral da igreja e participa de um conjunto de música de câmara como violoncelista.