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3. Perspectiva metodológica

4.4. As leituras

A leitura se caracteriza como um ato carregado de intenção e possibilidades de apropriações. Cada leitor, a partir de experiências prévias, apropria-se de modos diferentes de textos, escritos ou falados, dando a eles o sentido. Dentro desta perspectiva, o cancioneiro “Louvai Cantando” (1968) se insere como objeto passível de infinitas leituras. Cada leitor que dele se apropria, inscreve-o em uma realidade própria. Desta forma, o cancioneiro se inscreve na realidade escolar como suporte para leituras, trazendo informações sobre as práticas que se estabeleceram e sobre as apropriações decorrentes do material no período e contexto analisados.

4.4.1. O professor como leitor

O cancioneiro “Louvai Cantando” (1968) traz para o professor de música inúmeras possibilidades de leituras, dependendo do olhar que sobre ele é lançado. Ao apresentar a inserção de hinos à Pátria, o cancioneiro permite aos professores uma incursão cívica dirigida à realidade escolar. Da mesma forma, ao apresentar em suas páginas hinos em louvor a Deus, o cancioneiro induz o leitor a uma prática de leitura norteada pela espiritualidade protestante. Ao voltar-se à última e mais extensa parte do cancioneiro, dedicada ao folclore, percebe-se que as leituras dependem de seus leitores, de suas experiências e de suas necessidades.

O olhar que o professor de música lança sobre o cancioneiro e o uso que dele faz, torna o objeto fonte importante para a história da educação musical em nosso

país, trazendo informações pertinentes às práticas musicais no período e contexto analisado. A necessidade de um material que oportunizasse o canto a mais vozes, contemplando também um repertório voltado para o folclore e que perpassasse valores cristãos, fazem do “Louvai Cantando” um cancioneiro que atendeu aos interesses e necessidades do contexto analisado.

Através do olhar do professor de música sobre as diferentes práticas de leitura que o cancioneiro oportuniza, conseguimos inscrevê-lo nos contextos relacionados à escola. No entanto, não apenas nos contextos relacionados especificamente às aulas de música, mas em momentos da realidade escolar em que o canto oportunizava um estreitamento entre os indivíduos e a música. Estes momentos poderiam ser em festas escolares ou em alguma data cívica, nos festejos de um aniversariante, numa roda descontraída de canto ou ainda para a despedida alguém.

4.4.2. As práticas de leitura

As práticas de leitura alicerçadas no cancioneiro “Louvai Cantando” (1968) trazem como característica uma prática marcada pela oralização e convivência social intensa. Nos espaços em que as práticas de leitura se fazem presentes, e aqui a realidade escolar teuto-brasileira, diferentes formas de apropriação são oportunizadas. Cada realidade, mesmo a inscrita no espaço escolar, pressupõe possibilidades de práticas de leituras, trazendo seus participantes para a esfera de participantes ativos ou participantes passivos, dependendo da postura adotada por estes leitores no momento destas práticas.

Como participantes ativos do processo de leitura, salienta-se a interação dos alunos com o professor através de uma prática coletiva do canto. No instante em que o professor assume a tarefa de cantar para os alunos, estes passam à categoria de ouvintes, tendo como conseqüência uma apropriação indireta das informações oralizadas através do canto. Este movimento entre participante ativo e passivo também perpassa as atividades exclusivamente discentes, pois, na proporção que vários leitores se inserem nas práticas de leitura, sempre há a possibilidade de alguns transitarem por hora na esfera de leitores passivos e outras vezes na esfera

de leitores ativos. Este movimento pendular relativo às práticas de leituras não impede o desenvolvimento musical mesmo entre os leitores passivos, pois estes nunca são somente leitores passivos, garantindo o trânsito entre ativos e passivos.

4.4.2.1. A aula de música

A escola é um espaço carregado de possibilidades de leituras provenientes da oralização através da prática do canto coletivo. Segundo Garbosa (2003, p. 264), a escola enquanto espaço formal de educação caracterizou-se por ser um local privilegiado para a execução musical, oportunizando ambientes em que o canto tinha um especial apelo. Através da voz, os textos inseridos no cancioneiro foram sendo oralizados e desta forma também perpetuados, pois, a partir destas leituras, novas leituras eram feitas na medida em que os estudantes compartilhavam este conhecimento em outros espaços, transitando mais uma vez entre leitores passivos e ativos.

A aula de música caracterizou-se como uma possibilidade garantida de leitura, servindo o cancioneiro “Louvai Cantando” (1968) de suporte para tal. Garantir este espaço torna a vivência musical passível de construção a longo prazo, aprofundando as experiências e os conhecimentos específicos da área. “Ninguém precisava defender o por que [das] duas aulas de música. Era tradição, nem se discutia. Ponto pacífico. Assim como matemática, geografia, história , a música fazia parte da cultura geral.”117

4.4.2.2. Protocolos de leitura

Segundo Garbosa, (2003, p.264), os protocolos de leitura se constituem em um conjunto de normas que regulam as práticas mediante a utilização da obra.

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Esses protocolos estão diretamente vinculadas às práticas efetuadas, práticas relacionadas ao canto nos espaços escolares.

O cancioneiro “Louvai Cantando” (1968) traz em suas páginas subsídios relativos à sua presença em determinados espaços em função do repertório que o compõe. Desta forma, por apresentar hinos pátrios, hinos religiosos e folclore, o cancioneiro já determina através destas informações, sua presença em diferentes espaços e oportunidades vinculadas à vida escolar.

A prática de oralização característica do canto coletivo, traz inscrita em si uma atividade capaz de promover a socialização dos indivíduos. Também apresenta um aspecto altamente estimulante para as atividades promovidas nas aulas de música, oportunizando, de forma consciente, vários estágios de desenvolvimento musical em que o corpo participa de forma ativa no processo. Ao cantar, os participantes se inscrevem nesta realidade, participando fisica e cognitivamente.

Dos protocolos de leitura faziam parte na aula de música a forma como os alunos se posicionavam para a execução das canções ou hinos. Algumas vezes ficavam em pé, outras, sentados em cadeiras de braço. Não havia classes, o que facilitava o deslocamento físico no momento da prática do canto.

Por ser um cancioneiro provido de arranjos a duas e três vozes, o “Louvai Cantando” estipula como protocolo também uma organização relativa às vozes dos arranjos. “Cada um sentava onde queria, mas depois, por exemplo, com aquelas turmas que eu cantava, cantava a quatro vozes, aí a gente juntava por naipe.”118 Em outras aulas os alunos sentavam em

[...] fila, distribuídos por meninas na frente, meninos nos fundos.”E quando se queria cantar, a coisa já estava então mais fixa. Se dominava[m] melhor uma canção, [os alunos] levantavam e cantavam. Claro, nas aulas, isto tudo eu não lembro agora, se fazia exercícios de empostação de voz e uso do diafragma, etc, etc. 119

Nestes protocolos de leitura onde a oralização coletiva se faz presente, a aula de música traz inscrita em si uma série de apropriações, dentre elas a memorização. Também nestes espaços comportamentos são assimilados, assim como regras e valores perpassam as práticas de leitura.

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Entrevista realizada com o professor Hans Günther Naumann, no dia 05 de dezembro de 2007

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