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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2 Inovação e Sistemas Nacionais e Regionais de Inovação

Apesar de sempre ter estado presente na vida das organizações, foi a partir dos anos 1960 que a inovação começou a ser pesquisada de forma institucionalizada. Seus estudos iniciais estão expostos no trabalho de Schumpeter (1982), que assim descrevia o processo de inovação: “A função de produção descreve a forma como a quantidade varia quando a quantidade dos fatores varia. Se ao invés da quantidade dos fatores variarmos a forma da função teremos inovação”. Nesse trabalho, o autor justificou a mudança econômica em longo prazo, defendendo que: competição tecnológica é a principal forma de competição no capitalismo (e as empresas que não acompanhassem tais demandas fracassariam); inovações abrem possibilidades para novas oportunidades de negócios e, no futuro, definirão o estágio para a continuidade da mudança.

Em trabalhos posteriores, outros autores mostraram o interesse pela mudança inovadora, tentando explicá-la por meio de uma visão de processo evolucionário e complexo conseguido com as relações internas nas empresas e destas entre si (NELSON; WINTER, 1982; FREEMAN, 1988; LUNDVALL, 1988, 1992; DOSI, 1991).

Enquanto a invenção pode ocorrer em qualquer lugar, como universidades, inovações ocorrem principalmente na esfera comercial. Para transformar a invenção numa inovação, a empresa precisa ser capaz de combinar diferentes tipos de conhecimentos, capacidades, habilidades e recursos. Daí a importância inicial de se distinguir invenção de inovação. Invenção é a primeira ocorrência de uma ideia para um novo produto ou processo. Inovação é a primeira comercialização dessa ideia. Algumas vezes, invenção e inovação ocorrem simultaneamente (por exemplo, na biotecnologia), embora, em muitos casos, exista um intervalo considerável entre os dois momentos (FAGERBERG, 2004).

Dosi (1988) define a inovação como uma busca, uma descoberta, uma experimentação, um desenvolvimento, uma imitação e uma adoção de novos produtos, processos e novas formas de organização. O autor ainda frisa que as principais maneiras de acumulação tecnológica são: P&D em empresas e laboratórios de pesquisa; processos informais relacionados com a difusão de informação e de inovação; externalidades de cooperação entre firmas; inovações adotadas de outras empresas; introdução de inovações inseridas em bens de capital e bens intermediários.

Schumpeter (1982) descrevia a economia como sendo estacionária, apresentando o processo de inovação através do fluxo circular. Na opinião dele, a tendência do sistema econômico é em direção a uma posição de equilíbrio, o que proporciona meios para a determinação de preço e quantidade de bens. Ele acreditava que as empresas imitadoras também inovam a partir de melhorias na inovação original, dando origem ao processo inovação–imitação–difusão, que é contínuo e lucrativo para todos. Sendo assim, já nessa fase é possível perceber algumas contribuições, tais como as formas de geração e difusão do conhecimento, os spillovers do conhecimento (NIETO e QUEVEDO, 2007).

Alguns autores consideram a inovação como algo que está em constante evolução (DOSI, 1991; PAVITT, 2001). Para esses autores, a teoria evolucionista – também conhecida como neoschumpeteriana é uma forma adequada ao estudo da empresa. Pavitt (2003) defende que a visão linear da inovação dificulta sua visualização e análise, uma vez que os três subprocessos da inovação (produção do conhecimento; transformação do conhecimento em produtos, sistemas, processos e serviços; atendimento às demandas do mercado), apesar de distintos, coincidem e às vezes ocorrem simultaneamente.

Sendo assim, e com base no pressuposto da não linearidade, Dosi (1991) defende que a teoria evolucionária apresenta como ideias centrais: foco nas propriedades do sistema econômico, no qual a dinâmica é internamente alimentada pela persistente emergência de inovações em produtos, processos de produção e formas de organização; inovações

conduzidas pela percepção de oportunidades não exploradas e motivadas pela perspectiva de se apropriar de benefícios econômicos da própria inovação; características da economia descobertas não palpáveis, aprendizado imperfeito; incorporação de procedimentos de aprendizagem em nível individual dos agentes, com resultados que podem ser reproduzidos e difundidos.

Uma das maiores fontes de inovação no século XX é o laboratório de pesquisa e desenvolvimento (P&D) industrial. Surgiu inicialmente na indústria química alemã e na indústria elétrica americana, por duas razões: primeiro, como parte de um processo mais geral de especialização funcional das grandes empresas industriais, o que levou a uma explosão de economias de escala, com velocidade que permitiu inovações radicais em materiais em processamento e fontes de energia; segundo, como forma de explorar, de maneira efetiva, o conhecimento emergente do avanço fundamental na química e na física. Esta é uma das grandes contribuições da teoria evolucionária, isto é, a interdisciplinaridade como forma de geração de P&D. Nesse sentido, Schumpeter (1982) apresenta cinco categorias de inovações: novos produtos; novos métodos de produção; novas fontes de suprimento; exploração de novos mercados; novas formas de organização dos negócios.

Em meados da década de 1980, Lundvall deu uma grande contribuição à questão de ambientes de interação da inovação ao sugerir os Sistemas Nacionais de Inovação (SNI). Na opinião do autor, um sistema nacional de inovação é formado por um conjunto de agentes e interações em determinado campo de produção, difusão e utilização de novos conhecimentos relativos aos inter-relacionamentos de uma determinada fronteira geográfica. Ele ressalta o papel do conhecimento, das habilidades e capacidades, bem como das interações com o mercado.

Mais recentemente, têm sido realizados muitos estudos que consideram a visão interativa da inovação, o aumento de sua complexidade e risco atrelado, a importância de fontes de conhecimento externas à organização, as relações intra e interinstitucionais e o ambiente no qual as empresas estão inseridas. Modelos de referência na área são os que tratam do Sistema Nacional de Inovação e de Desenvolvimento (LUNDVALL, 1988; EDQUIST, 1997), clusters (PORTER, 1990, 1998) e Sistemas Locais de Inovação (CARBONARA, 2002; CASSIOLATTO e LASTRES, 2003, 2000; NASSIMBENI, 2003; SICSÚ, 2005).

O SNI abrange as instituições que influenciam a introdução e a difusão de novos produtos, processos e sistemas na economia nacional. É o caso dos departamentos de pesquisa, dos institutos tecnológicos e das universidades, além dos sistemas de produção, de

marketing e de finanças das empresas (LUNDVALL, 1992). Edquist (2003) tem a seguinte posição sobre os SNI:

(a) Colocam a inovação e outros processos de aprendizagem como foco. (b) Incluem perspectiva holística e interdisciplinar.

(c) Possuem visão histórica e consideram o processo de inovação como sendo evolucionário.

(d) Ressaltam diferenças entre sistemas e que a noção de otimalidade é inexistente. (e) Apresentam interdependência entre atores – no sentido de “players”.

(f) Consideram inovações em produtos e processos, bem como em seu desenvolvimento e difusão.

(g) Enfatizam o papel central das instituições – no sentido das “regras do jogo”. (h) Estão associados com a propagação conceitual.

(i) São frameworks mais conceituais do que teorias formas.

O autor considera que as inovações se classificam em inovações em produtos e em processos. Inovações em produto podem ser bens ou serviços, e algumas dessas inovações podem ser transformadas, posteriormente, em inovações em processo. Estas podem ser tecnológicas ou organizacionais. Edquist (2003) considera que as inovações em produto e em processo estão intrinsecamente relacionadas. Assim, apenas bens e processos tecnológicos podem ser considerados como “tecnológicos”, no sentido material. Inovações de processos organizacionais e serviços são “intangíveis”. O argumento para essa distinção entre produto e processo reside na suposição de que o impacto econômico e o social diferem. Por exemplo, enquanto a introdução de novos produtos normalmente é vista como tendo um efeito positivo no aumento de renda e emprego, a inovação no processo, devido à sua natureza de redução de custos, pode ter um efeito ambíguo.

Giuliani (2008) apresenta uma versão mais simplificada de um SNI, com três características essenciais:

a) Escopo nacional.

b) Relações sistemáticas entre instituições. c) Inovação e mudança tecnológica.

A autora destaca o último ponto ao chamar atenção para o fato de que precisa ser feita uma distinção entre países avançados e aqueles em desenvolvimento. De fato, o approach do SNI tem sido aplicado à análise do desenvolvimento econômico nos recentes países industrializados e em desenvolvimento. Contudo, essa teoria, apesar da sua aplicação bem sucedida aos setores industriais tradicionais dos países desenvolvidos, não é adequada na

tentativa de entender a complexidade das relações inovadoras, nos países emergentes e setores de rápido crescimento, como é o caso da vitivinicultura (AYLWARD, 2003). Na mesma linha, Lundvall (2002) sugere que os SNI nos países em desenvolvimento têm características que o diferenciam daquele dos países desenvolvidos, tais como:

a) São menos desenvolvidos. Historicamente, as propriedades tecnológicas e institucionais necessárias ao moderno crescimento não foram desenvolvidos dentro destes sistemas.

b) Não estão relacionados especificamente ao estágio de desenvolvimento do país e ao desenvolvimento estrutural e institucional.

c) Diferente dos países avançados, a acumulação de capital e aprendizagem contribui mais para o progresso técnico, nos países em desenvolvimento, que a inovação.

Essas características específicas deixam explícita a necessidade de uma maior participação do governo no sentido de formular um sistema de inovação, em âmbito nacional, que possa levar em conta os esforços realizados por setores econômicos, clusters e empresas. A participação dos governos – nos níveis central, estadual e local – é vista como um quesito importante no crescimento das empresas (PORTER, 1998; STERN, 2000; EDQUIST, 2003; CHOLETTE, 2006; FERNANDES; LIMA, 2009). Segundo Porter (1998), os governos precisam definir os papéis da concorrência – via proteção da propriedade intelectual e reforço das leis antitruste –, para que a produtividade e a inovação levem ao sucesso da economia. Para ele, uma vez que a produtividade é que determina a prosperidade de qualquer estado ou nação, os governos precisam criar um ambiente favorável ao aumento de tal produtividade. Stern (2000) é da opinião de que as escolhas de políticas públicas têm importantes impactos nos incentivos globais e pressões para que haja inovação na economia, incluindo patentes e leis de direitos autorais, gastos com P&D, grau de taxação dos ganhos de capital e abertura da economia à competição internacional.

Assim, Edquist (2003) defende ser papel do governo instituir políticas de inovação, no nível nacional. Finaliza afirmando que os governos devem: facilitar mudanças na estrutura de produção; promover mudanças estruturais na direção dos setores de produção dominados majoritariamente por inovações em produtos e menos por processos; principalmente, ser proativos e apoiar o surgimento de novos produtos e novos sistemas setoriais de inovação, o que é importante particularmente num mundo caracterizado por rápida mudança tecnológica e globalização econômica.

No Brasil, os estudos sobre inovação já vêm sendo realizados há certo tempo (ROSENTHAL; MEIRA, 1995; VIOTTI, 2002); porém, só recentemente ganharam

importância, com a instituição da rede de pesquisa interdisciplinar Redesist, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), cujos estudos estão relacionados aos Arranjos Produtivos Locais (CASSIOLATTO, 2000). Segundo definição da Redesist, os “Arranjos Produtivos Locais (APL) são aglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais – com foco em um conjunto específico de atividades econômicas – que apresentam vínculos mesmo que incipientes” (CASSIOLATTO e LASTRES, 2003). Constata-se que esses estudos ressaltam o importante papel da regionalização – territorialidade –, além de vínculos de qualquer natureza e grau entre os vários atores locais.

Sicsú (2005) enfatiza essa questão, ao afirmar:

[...] primeiro, deve-se entender que a questão regional é parte da estratégia nacional e, como tal, é fundamental inseri-la nas preocupações de todas as instituições e agentes que participam do Sistema Nacional de CT&I [...] Num segundo nível, a preocupação é a construção ou consolidação de Sistemas Regionais de Inovação que tenham a capacitação adequada para articular parcerias e contribuir para o desenvolvimento das diferentes regiões. A preocupação é evitar uma concentração excessiva da base técnico-científica nacional, bem como criar condições, nos diferentes subespaços, para pensar num Sistema de Inovação e Aprendizagem que faça parte das vantagens competitivas para alavancar seu desenvolvimento. E, nesse sentido, é fundamental levar em consideração as especificidades locais.

Miranda e Lima (2001) alegam que política regional contemporânea requer instrumentos que podem ser chamados de infraestrutura intangível – universalização do ensino fundamental de qualidade, competências tecnológicas, capacidade de produção de conhecimento, capacidade de aprendizagem e meios para assegurar a transferência de conhecimento entre quem o produz (oferta) e quem o transforma efetivamente em inovação (demanda). É cada vez mais notório que o desenvolvimento regional está associado à presença dessa infraestrutura intangível, indispensável para a consolidação de sistemas de inovação, que impulsionam a competitividade das firmas e contrastam com práticas deletérias, baseadas em simples atração de empresas em função de exploração de trabalho barato e de inventivos fiscais.

Em qualquer caso, vários estudos têm mostrado que links entre instituições estão entre as principais fraquezas dos países latino-americanos. No entanto, há casos de sucesso de relações cooperativas entre usuários e produtores de tecnologias, nas quais se estabelecem estreitos laços entre empresas locais e universidades e laboratórios de pesquisa. Gomes (2004) atesta que tal situação tende a ocorrer especialmente em indústrias baseadas em recursos naturais e agroindústrias, o que implica a dependência da pesquisa universitária sobre

inovação. Nesses casos, as empresas locais confiam na pesquisa básica e aplicada que elas não são capazes de realizar.

Entretanto, a inovação, per se, pode não ser um fator adequado de competitividade global para atingir a meta de integração às cadeias globais. Se a taxa de inovação de um setor ou cluster for menor que a dos concorrentes, o efeito pode inclusive ser oposto, diminuindo a sua participação no mercado. Nesse quesito são comuns os estudos sobre upgrading que o diferenciam da inovação, ressaltando que esta está mais relacionada aos sistemas nacionais e regionais de inovação, nos quais as políticas públicas são fundamentais para a definição do escopo das inovações geradas. Contudo, é imperativa a análise, do ponto de vista de upgrading – agregação de valor –, que leve em conta a inserção de clusters dos países em desenvolvimento nas cadeias globais e a grande dificuldade em se regulamentar a influência dos líderes globais (KAPLINSKY e MORRIS, 2001).