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O CENÁRIO DOS ‘NOVOS’ PRODUTORES

3. VITINICULTURA MUNDIAL E O CENÁRIO DOS NOVOS PRODUTORES

Este capítulo apresenta a discussão sobre a situação vitivinícola mundial, enfatizando a indústria vinícola dos novos produtores, tendo como base o grande crescimento destes no que se refere à produção, à exportação, à importância nos mercados globais e ao atendimento aos requisitos de paladar dos consumidores de vinho. Para isso, aborda-se a questão técnica da produção do vinho – sob os aspectos da viticultura e vinicultura –, a classificação dos vinhos em segmentos de qualidade, o comportamento da indústria vinícola mundial em termos de produção, área plantada, exportações e tendência de consumo. Apresenta-se o crescimento das novas regiões produtoras mundiais e as características do vinho por elas produzido.

No final do capítulo, levando-se em conta o objetivo do trabalho, é feita uma análise de dois novos produtores mundiais, África do Sul e Chile. Analisam-se as suas características de produção, a formação e a evolução de suas indústrias do vinho, a sua importância nos mercados globais, os upgradings realizados e os fatores que estão na base de tais upgradings.

3.1 A Arte de Elaborar Vinho

Estimativas mostram que a arte de elaborar9 vinho tem mais de seis mil anos, não sendo claro o lugar de sua primeira produção – os lugares mais prováveis são a Mesopotâmia, o Oriente Médio ou o Cáucaso. O vinho foi introduzido no Egito, na Grécia, na Espanha (por volta de 2.500 a.C.), no sul da Itália e na Sicília pelos navegadores gregos e fenícios. Os romanos levaram o vinho à França, por volta de 600 a.C., de onde, posteriormente, ele se espalhou para o norte, no primeiro e segundo séculos antes de Cristo (ANDERSON, 2003). Terjeiden (2006) apud Van Tienhoven (2008) ressalta, contudo, que o consumo de vinho no passado era totalmente diferente do atual, pois apenas no século XVIII a garrafa foi introduzida e o vinho passou a ser adequadamente conservado.

Com as expedições colonizadoras, as vinhas europeias chegaram a outros continentes – Cristóvão Colombo, por exemplo, foi quem introduziu a uva no continente americano, na sua segunda viagem às Antilhas, em 1493. O cultivo, posteriormente, estendeu-se para o

9 Há distinção entre elaboração e fabricação de vinho. Alguns especialistas discordam do termo “fabricação”,

México e o sul dos Estados Unidos, chegando às colônias espanholas da América do Sul, em especial à Argentina e ao Chile, sendo, só mais tarde, introduzido no Brasil.

O processo de elaboração de vinho pode ser dividido em duas partes: viticultura e vinicultura (enologia). Viticultura significa tudo que o que ocorre no vinhedo (no campo), e vinicultura, o que acontece na adega. Para Robinson (2006), um aspecto importante na elaboração do vinho é o terroir, que, além do solo, leva em conta a quantidade de minerais, a quantidade de sol que as videiras recebem e o microclima (temperatura, umidade, vento etc.). Outros fatores a serem considerados, no que se refere à qualidade do vinho, são a forma como a videira é plantada, mantida e irrigada, bem como a quantidade plantada, uma vez que quanto menor a quantidade de videiras por hectare, melhor a qualidade do vinho.

O processo de vinificação (no Anexo A é possível ver um processo completo de elaboração de vinho) inclui a fermentação e o tempo durante o qual o vinho é amadurecido em tanques de aço inoxidável (com ou sem adição de carvalho) ou em barris de carvalho. O vinho pode ser misturado (blended, chamado de assemblage no Brasil) ou, então, ser de uma única variedade (ou varietal). No primeiro caso, é necessário indicar no rótulo a espécie que predomina.

A qualidade do vinho se relaciona diretamente com os avanços enológicos e tecnológicos de produção, processamento e armazenamento do produto. O uso de sofisticadas máquinas é crescente na indústria vinícola mundial, especialmente entre os novos produtores, tais como novos filtros, engarrafadeiras, tanques e barricas, dentre outros equipamentos. Por exemplo, o uso de tanques de aço inoxidável, em vez de tonéis de madeira, permite o controle artificial da temperatura de fermentação, fazendo que a produção deixe de ser tão dependente das condições climáticas.

O conceito de terroir, que está por trás do certificado de origem, é determinado mais por fatores naturais do que pela intervenção do homem, conceito este que é a base da defesa dos velhos produtores, especialmente a França, mas também a Itália e a Espanha (PONTE, 2007a). Esses países defendem o caso da “natureza determinística”, enquanto os novos produtores (principalmente a Austrália) argumentam que os vinhos de característica específica podem ser repetidos em quase todos os lugares do mundo, desde que usadas as técnicas adequadas.

Pesquisas mostram grande dificuldade no uso de conceitos para se definir a qualidade de um produto e, principalmente, de um serviço. Ponte (2007b) fez um estudo abordando várias teorias da convenção sobre a qualidade de vinho e apresenta algumas formas de se analisá-la:

• singularidade do vinho, enólogo ou propriedade;

• marca/varietal, terroir, indicação ou origem geográfica; • aval de um renomado crítico/escritor de vinho ou publicação;

• avaliação da segurança alimentar, ambiental e o impacto social, certificações; • preço e promoção;

• testes de laboratório, codificação e procedimentos.

Os vinhos são classificados: a) quanto à classe: de mesa; leve; fino; espumante; frisante; gaseificado; licoroso; composto; b) quanto à cor: tinto; rosado, rosé ou clarete; branco; c) quanto ao teor de açúcar: nature; extra-brut; brut; seco, sec ou dry; meio doce, meio seco ou demi-sec; suave; doce. O vinho tinto (red wine) é feito da uva escura (vermelha) e tanto a casca como a polpa são usadas no processo de fermentação. Os vinhos brancos são feitos com uvas brancas ou escuras, mas o suco precisa ser separado da casca antes do processo de fermentação, como acontece com o vinho rosé. No caso do vinho rosé, o suco recebe a coloração através de um breve contato com a casca escura, durante a fermentação (ROBINSON, 2003). A ênfase deste trabalho são os vinhos finos. Esse tipo de vinho caracteriza-se por um teor alcoólico que varia entre 8,6% e 14,0% e é elaborado com Vitis vinifera, uva de origem europeia que apresenta um conjunto de qualidades organolépticas próprias.

Há uma enorme quantidade de variedades de uvas vinícolas cultivadas ao redor do mundo. Na Tabela 3.1 são apresentadas as mais comuns, por país produtor.

Deve-se destacar a expressão “indicação geográfica” (IG), ou “indicação de procedência” (IP), que surgiu quando os comerciantes e consumidores passaram a identificar que alguns produtos, de determinados lugares, apresentavam qualidades particulares, apenas atribuíveis à sua origem geográfica; assim, começaram a denominá-los de forma a indicar sua procedência. O mais antigo sistema de indicação de procedência é o francês – Appelation d´Origine Controllée (AOC) –, mas a maioria dos velhos e novos produtores têm uma classificação própria, sendo a expressão “denominação de origem” (DO) de uso comum. Para o caso dos vinhos finos brasileiros, Tonietto e Falcalde (2003) apresentam uma classificação hierárquica e espacial de nomes geográficos (Figura 3.1).

Albert (2004) chama atenção para a clara oposição que se criou entre os vinhos do Velho Mundo (Europa e região mediterrânica) e os do Novo Mundo, constituído pelas regiões da Califórnia, Chile, Argentina, Uruguai, Brasil, África do Sul, Austrália, Nova Zelândia e pelas regiões emergentes da Europa (Alentejo/Portugal, Catalunha/Espanha, Languedoc- Roussillion/França e Puglia e Sicília/Itália). Para ele, apesar da similaridade entre as cepas

plantadas, os métodos de vinificação são mais tradicionais no primeiro caso, enquanto a moderna tecnologia predomina no segundo. A Austrália é um exemplo de indústria vinícola onde a colheita e a poda são maquinizadas.

Tabela 3.1: Principais Variedades Viníferas, por País

Variedade de Uva Vermelha/ Branca

País

Cabernet Sauvignon V África do Sul, Austrália, Chile, EUA, França, VSF¹

Carmenère V Chile

Chardonnay B África do Sul, Austrália, Chile, EUA, França, Itália, VSF

Chenin Blanc B África do Sul, França

Colombard B Austrália, EUA, França

Malbec V Argentina

Merlot V França, Itália, Novos Produtores

Petit Verdou B VSF

Pinotage V África do Sul

Pinot Blanc B Alemanha, França

Pinot Noir V Alemanha, EUA, França

Riesling B Alemanha, Áustria, França

Sangiovese V Itália

Sauvignon Blanc B Austrália, África do Sul, Chile, EUA, França, N. Zelândia, VSF

Sémillon B Austrália, EUA, França

Syrah V Austrália, França, VSF

Tempranillo V Espanha, Portugal, VSF

Zinfandel V EUA

Fonte: Adaptada de Van Tienhoven (2008) ¹ Vale do São Francisco

A classificação do vinho em segmentos de qualidade (conforme demonstrado na Figura 3.2) é muito importante para entender a indústria vinícola, na qual o vinho pode ser classificado como: basic, popular premium, premium, super-premium, ultra-premium e icon, de acordo com a evolução de sua qualidade e preço ao consumidor. Em termos de características dos vinhos, é importante fazer uma distinção entre os do Velho e os do Novo Mundo. Os do primeiro são vistos como a expressão do microclima de certa região geográfica (terroir), o que demanda alguma guarda para que os vinhos sejam consumidos, enquanto os do Novo Mundo se apegam mais ao critério da variedade das uvas e suas características, sendo bastante frutados, jovens e prontos para serem bebidos precocemente, o que os torna mais afinados com o paladar mundial globalizado (ALBERT, 2004).

Figura 3.1: Hierarquia conceitual e aplicada para a regionalização da produção Fonte: Tonietto e Falcade (2003, p. 156)

BRASIL