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2.2 – A INOVAÇÃO EDUCACIONAL: ENTRE A QUALIDADE DA ESCOLA E A QUALIDADE DA EDUCAÇÃO

Uma decorrência da nova abordagem centrada na escola é o reconhecimento de que é no contexto da própria organização escolar que se implanta e se desenvolve a inovação educacional. Neste sentido, também não se sustenta a visão polarizada da produção da inovação no nível macro, pela implementação de grandes reformas estruturais do sistema educativo, ou no nível micro, por meio da aplicação de novos métodos e técnicas restritos à sala de aula.

Em outras palavras, supera-se uma perspectiva reducionista da escola entendida apenas como uma unidade administrativa, ou seja, um prolongamento da administração central, que seria capaz de determinar funcionamento das escolas por meio da definição de finalidades e normas e pela distribuição “uniforme” de recursos.

Em substituição, considera-se a escola como uma organização social que, inserida em um contexto local, dispõe de um espaço de autonomia para construir seu projeto pedagógico. Impõe-se, portanto, a clareza de que, circunscrita a sua realidade, cada escola realiza um percurso diferente dentro da autonomia que dispõe para planejar, avaliar e construir de próprio projeto em sua dinâmica cotidiana.

Para entender esta construção é fundamental contextualizar as condições reais de seu desenvolvimento, atentando-se para as práticas políticas e administrativas, para as condições estruturais, organizativas, materiais, de formação dos professores e à cultura organizacional.14 Deste ponto de vista, é compreensível que, apesar das semelhanças, as

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Na educação, o conceito de cultura organizacional passou a ser utilizado na década de 70. Na literatura identifica-se a distinção entre cultura interna (conjunto de significados e de quadros de referência partilhados pelos membros de uma organização) e cultura externa (variáveis culturais do contexto da organização, que interferem na definição de sua identidade). (NÓVOA, 1992)

escolas sejam necessariamente diferentes.

A pesquisa educacional recente tem se preocupado em investigar tais práticas, condições e valores com o objetivo de identificar as características organizacionais ou fatores que são determinantes para a eficácia escolar.15 Nas palavras de Lezotte:

“Houve críticas numerosas e contundentes à investigação sobre as escolas eficazes, que se depararam sempre com o fato incontestável de que algumas escolas apresentavam resultados notáveis. Enquanto estes lugares existirem, o debate sobre a eficácia escolar não é mera questão teórica, mas um problema de empenhamento e de política educativa.” (apud NÓVOA, 1992, p. 22)

Uma revisão das investigações mais significativas realizadas nas décadas de 70 e 80 permitiu concluir que os processos internos às escolas relacionam-se com o sucesso dos alunos, na medida em que escolas com idênticos inputs obtêm melhores resultados que outras. Uma segunda constatação se referia à identificação de processos que caracterizam escolas que têm mais ou menos sucesso.

Mais recente, as pesquisas de Bottani (1998) reafirmam a primeira conclusão. O pesquisador conclui que nem mesmo o gasto com a escola parece uma condição por si só necessária nem suficiente para se obterem melhores resultados educacionais, uma vez que podem se observar disparidades entre escolas que recebem financiamento igualmente estabelecido e que prestam serviços a uma população escolar análoga. 16 Portanto, a indicação de que algumas escolas alcançam níveis mais elevados do que outras, mesmo operando em condições muito similares, leva a concluir que a investigação sobre os fatores que determinam as diferenças de desempenho pode contribuir para a busca da melhoria das organizações de forma geral.

Neste trabalho procura-se superar a forma mais comum de se tratar a questão da

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O “movimento das escolas eficazes” surgiu como reação às conclusões do Relatório Coleman, caracterizando-se por um esforço de medição dos efeitos das escolas, capaz de contrapor-se à tese: “schools make no difference.” Nóvoa descreve cinco fases do movimento: identificação, descrição, intervenção, contextualização e excelência. Nesta última, afirma-se a especificidade do processo educativo e destaca-se a co-responsabilização dos diferentes atores, incentivando-se os espaços de participação e a prática de pensar o trabalho. (NÓVOA, 1992, p. 24)

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O pesquisador analisou os indicadores estabelecidos em quarto relatórios da OCDE/1996 e os resultados da pesquisa TIMSS - Third International Mathematics and Science Study da IEA/96

qualidade da educação, encarada apenas sob a ótica dos insumos. Como Waiselfisz (1994), entendo que tal restrição de enfoque implica no deslocamento de foco da qualidade da educação para a qualidade da escola, o que se constitui em prática dominante do planejamento e da administração educacional, não só no Brasil.

Embora se possa argumentar a ausência da circulação de informações, fora dos meios acadêmicos, capazes de pautar as decisões na área, a adoção de um enfoque que privilegia os insumos se deve, principalmente, ao controle exercido pelas autoridades educacionais na alocação e distribuição dos mesmos, além do fato dos insumos serem mais facilmente identificados pelo público, o que se traduz em possibilidade de rápida obtenção de retorno político.

Assim, constatado o baixo desempenho do sistema educativo, a abordagem mais comum induz à proposição de medidas de melhoria de um conjunto de insumos ou fatores que, supostamente, influenciariam ou determinariam a qualidade do ensino. Tais medidas, de caráter pontual, em geral centram-se na formação dos professores, na reforma ou reequipamento dos espaços escolares (biblioteca, laboratório, etc), na ampliação ou construção de escolas para eliminar a superlotação de salas e na dotação quantitativa e qualitativa de material escolar. O que se referencia é que “a escola de qualidade seria aquela que tem excelentes professores, boa infra-estrutura física, espaços e equipamentos idôneos, uma boa relação professor/aluno, etc.” (WAISELFISZ, 1994, p. 303)

No Brasil se tem buscado soluções tópicas e restritas para os problemas da educação e da gestão escolar que, por serem globais e estarem inter-relacionados, não podem ser resolvidos alternando-se o investimento entre capacitação, melhoria de condições físicas e materiais, em metodologias, em produção de materiais, etc.” (LÜCK, 2000). Reafirmo, como a autora, a visão de que é preciso agir conjuntamente em todas as frentes, pois todas estão inter-relacionadas.

As evidências levantadas no SAEB/1995 corroboram a necessidade de superação de uma lógica exclusivamente pautada nos insumos, na medida em que possibilitam “sustentar que os resultados pedagógicos não dependem só dos recursos materiais

disponíveis na escola (prédios, equipamentos ou materiais), ou da formação docente ou, inclusive, dos processos curriculares preconizados”. (CASTRO , 1999b, p. 84).

Segundo a autora, nossa realidade educacional reafirma a tendência mundial ao apontar a existência de uma “matriz organizacional da escola, que determina os modos, limites e possibilidades de transformação dos recursos curriculares, materiais e humanos da escola em resultados pedagógicos concretos”.

Na composição desta matriz são destacados os seguintes aspectos: autonomia escolar; a qualidade do trabalho docente; a responsabilidade e o compromisso com a aprendizagem do aluno; as expectativas de sucesso escolar; o planejamento coletivo e as relações colegiadas; o poder de articulação das famílias e a capacitação e formação de recursos humanos.

Em síntese, tais evidências reforçam as teses da centralidade da escola, destacando a maior valorização dos seus processos internos sobre os insumos. Assim, entendendo ser possível tratar da qualidade da educação em seu sentido mais amplo, na próxima seção se procede à revisão da literatura sobre o tema, incorporando as contribuições dos diferentes estudos pesquisados17 e sistematizando-as em um quadro teórico composto por quatro categorias de análise: recursos materiais, recursos humanos, gestão e currículo, as quais se articulam na composição da matriz organizacional da escola.