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Insalubridade: a leitura da Justiça do Trabalho

Os direitos decorrentes do trabalho numa indústria considerada insalubre eram pleiteados pelos trabalhadores de forma individual e coletiva em esferas diferentes da sociedade, incluindo a Justiça do Trabalho. Apesar dos avanços na legislação que regulamenta o tema os operários gráficos sofreram por muitos anos com a exposição aos materiais tóxicos e com o descumprimento da legislação nas oficinas gráficas. Os acórdãos do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro nos fornecem uma dimensão dos conflitos surgidos a partir das condições insalubres de trabalho. Podemos analisar a partir desse material como as demandas dos trabalhadores gráficos eram interpretadas pelos magistrados.

O adicional de insalubridade foi um tema constante nos acórdãos nos anos 1960 e 70. A principal questão jurídica envolvida dizia respeito ao cálculo da insalubridade. Não havia consenso se o cálculo deveria ser feito sobre o valor do salário mínimo e depois acrescido ao salário real que o trabalhador recebia ou diretamente sobre o salário real do trabalhador.173 O

173 Entre os acórdãos analisados, que abordavam a questão da insalubridade, não encontramos nenhuma ação em que

o trabalhador em questão fosse uma mulher. As explicações para tal fato podem ser diversas, no entanto passam sem dúvida pelo número reduzido de mulheres na categoria. Além disso, o setor insalubre era um espaço ainda mais

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outro ponto de conflito era o pagamento da insalubridade ao trabalhador que recebia mais que um salário mínimo acrescido do adicional de insalubridade. A dúvida é se esse trabalhador deveria ou não receber o adicional. Nas decisões, como os próprios gráficos relatam em seus periódicos, não havia concordância, o que fazia do recurso à Justiça do Trabalho uma opção utilizada com frequência entre os trabalhadores.

Em 1960, a Gráfica Bloch recorre, no TRT, de uma decisão em primeira instância que determinava o pagamento do adicional de insalubridade calculado sobre o salário mínimo e adicionado ao salário contratual. A Gráfica Bloch era conhecida entre os gráficos por constantes atitudes de desrespeito ao trabalhador. Em uma das reportagens no Notícias Gráficas os responsáveis pela Bloch, Adolpho Bloch e Oscar Bloch, são chamados de “reacionários”.174 O acórdão do TRT conclui:

Só quando há, na mesma empresa, trabalho prestado em local salubre igual ao prestado em setor insalubre é que, havendo paradigma, que não o do mínimo legal, é que o adicional se liga ao salário do trabalho igual referenciado.

O caso dos autos é de trabalho insalubre sem comparativo, e é remunerado com salário que cobre o mínimo somado à taxa.175

A decisão antes favorável ao trabalhador, agora beneficia a empresa argumentando que a lei foi cumprida. Em outro exemplo, o adicional é definido como uma taxa que cumpre a função de aumentar o salário mínimo: “o adicional de insalubridade, tanto na sua base legal, como na sua história, é uma simples taxa de majoração do salário mínimo”.176

A decisão não foi unânime e o desembargador que teve seu voto vencido argumentou em sentido contrário a determinação da justiça:

restrito para as mulheres nas oficinas gráficas. Contudo, incluem-se entre os casos analisadas ações coletivas em que, embora mulheres pudessem estar presentes, só se tem acesso ao primeiro nome que consta na ação.

174 “Telescópio nas empresas”. Notícias Gráficas. Março de 1964. p.3. 175

Acórdão nº. 1296 de 1960.

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Sempre estivemos com os que entendem que o adicional insalubridade deve ser sobre o salário contratual, a não ser que se demonstre, de forma clara e indiscutível, que a sua fixação em nível superior ao mínimo decorreu da inclusão do adicional.177

Apesar de o tema continuar controverso ao longo dos anos 1960, a Justiça do Trabalho tende a concluir que o adicional de insalubridade deve ser calculado sobre o salário mínimo e acrescido ao salário contratual. Outra controvérsia nos julgamentos dizia respeito ao período sobre o qual deveria incidir o pagamento do adicional de insalubridade. A divergência era se a taxa deveria ser paga a partir da formulação do laudo que constata a insalubridade ou se o benefício deveria ser retroativo, desde que o trabalhador já exercesse a função insalubre. “Acertado o decisório. As diferenças são devidas não a partir do laudo, mas sim, conforme Pré- julgado do T.S.T (n 29 de 30/11/67) do período não prescrito de dois anos”.178 Outro acórdão faz referência a este “Pré-Julgado”, afirmando que o mesmo: “dirimiu a oscilante jurisprudência até então existente”. 179

No primeiro caso citado, já havia sido determinado o pagamento retroativo e o Diário de

Notícias recorre da decisão. Já no segundo caso, o entendimento foi de que o adicional não

deveria ser pago retroativamente, o que favorecia a empresa O Jornal S/A. Nesse caso é o trabalhador que recorre da decisão, buscando garantir seu direito de receber os valores retroativamente, pleito em que foi bem sucedido.

Algumas empresas recorriam das decisões que confirmavam o pagamento do adicional de insalubridade alegando não ser o trabalho executado insalubre. Em uma ação coletiva movida por um grupo de impressores da Litografia Tucano, a empresa alega que os trabalhadores não executam trabalho insalubre.

177 Acórdão nº. 508 de 1960. Voto vencido. 178

Acórdão nº. 280 de 1968.

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No mérito, insiste em que o trabalho dos impressores não é insalubre, porquanto se limitam a colocar as chapas no prelo e a movimentar este, não fazendo composição nem manipulando tipos ou tintas. Cita pronunciamentos deste Regional e do Egrégio Tribunal Superior a respeito, pedindo, finalmente, que a ser devido o adicional, que seja somente a partir de sua comprovação pelo órgão oficial.180

O laudo produzido pelo Departamento Nacional de Segurança e Higiene do Trabalho não deixa dúvidas da condição de trabalho dos impressores, pois eles manipulavam caracteres tipográficos à base de liga de chumbo, o que estava incluído na definição de atividade insalubre de acordo da portaria 491, de 16 setembro de 1965. O recurso feito pela Litografia Tucano é negado. Em outro caso, a Editora Jornal do Comércio contesta o laudo que comprova a insalubridade no setor dos linotipistas. Os juízes negam o recurso alegando:

I – Insalubridade.

II – A tese do recurso é que o laudo da Higiene não é laudo nem aqui nem na China. III –Na China não seria mesmo, pela falta de preceito; mas aqui é.

IV – aliais, sendo linotipistas os Reclamantes, a condição não podia ser ignorada por uma empresa gráfica, e, por isto, as prestações devidas são devidas com a só limitação do biênio prescricional, conforme o prejulgado que regula a matéria.181

Nesse caso, os representantes da empresa, além de usar um argumento inapropriado e juridicamente insustentável, tentam ignorar a condição insalubre de trabalho de um operário que lida diretamente com materiais tóxicos como o chumbo, o que, desde 1964, já havia sido incluído no quadro de profissões insalubres. A tentativa de desqualificar o laudo sobre as condições de trabalho parece um recurso sem muitas chances de sucesso. Por outro lado, mesmo não tendo seu recurso aceito pela Justiça, a empresa adiou o pagamento dos valores devidos aos trabalhadores.

Como podemos observar, as leis referentes à insalubridade deixavam margem para interpretações diversas que, associadas às constantes alterações na lei, contribuíam para a falta de

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Acórdão nº. 1589 de 1968.

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pacificação e unanimidade nas decisões jurídicas. No entanto, considerando o momento político experimentado pelo país após a implantação da ditadura civil-militar em 1964, observamos que o recurso a justiça apresentava-se como uma opção válida para os trabalhadores e estes, por sua vez, obtiveram, em muitos casos, sentenças favoráveis aos seus pleitos.

Os conflitos entre patrões e empregados e entre os próprios gráficos, muitos gerados pelas condições de trabalho nas oficinas, também fazem parte da construção da identidade desses operários. Para os gráficos sindicalistas, entretanto, a vida político-sindical ocupa um espaço determinante na definição de suas identidades. A partir da análise dos embates no domínio político-sindical, sem perder a ligação com a conjuntura política nacional, no próximo capítulo, mapearemos a esfera da militância sindical na vida dos gráficos cariocas.

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CAPÍTULO III

Voz dos Gráficos: conflitos e consensos na política sindical

Para fins que Vossa Senhoria [Ilm.º. Sr. Superintendente da Policia Judiciária do Estado da Guanabara] julgar convenientes, transmito em anexo, uma cópia da relação dos Jornais e Revistas que podem ser enquadradas nas Organizações Auxiliares Cripto ou para Comunistas [Notícias Gráficas, Voz do Gráfico etc.] bem como uma relação de revistas e Jornais distribuídos no Brasil e que merecem um estudo detalhado, devido ao caráter de suas publicações. (Polícia Política/RJ - Secreto, pasta 7.)

Este capítulo discutirá as disputas internas ocorridas no Sindicato dos Gráficos, percebendo esse espaço como parte da construção da identidade e da história desses trabalhadores. Questões geracionais, opções político-partidárias e a posição hierárquica ocupada nas oficinas são alguns dos elementos que tornam o grupo suscetível a dissonâncias internas. Conflitos e consensos construídos na instituição de classe serão analisados, num primeiro momento, a partir dos periódicos da categoria.

No entanto, essa abordagem é mais eficiente até 1964. Durante a ditadura militar, o cenário institucional é mais precariamente reconstruído pela imprensa operária. Um dos jornais que registra parte da experiência de militância dos trabalhadores gráficos deixa de circular em 1964. Já o periódico oficial do Sindicato dos Gráficos circula com interrupções ao longo da ditadura. Portanto, para analisar o cenário sindical nesse período, recorremos a entrevistas e artigos que reconstroem essa história nos anos 1980. Por fim, para entendermos as questões levantadas nesse capítulo, não podemos deixar de considerar o contexto sócio-econômico do país. As restrições à democracia impostas pelo regime de exceção instalado no país no pós- 1964 influenciaram a experiência da classe trabalhadora brasileira como um todo, devendo

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portanto ser objeto de nossa análise. Os espaços de militância sindical mantidos após o golpe de 1964 foram novamente atingidos no final de 1968, exigindo um esforço de rearticulação da classe operária. As estratégias de ação sindical serão levantadas nesse capítulo percebendo o impacto das mudanças na conjuntura política para a atuação dos militantes gráficos.