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A opção pela militância vinculada ao sindicato ou à política partidária rendeu uma vigilância constante dos órgãos da polícia política sobre trabalhadores, intelectuais, profissionais liberais e estudantes.256 Segundo Maria Tucci Carneiro257, desde as primeiras décadas do século XX, a categoria dos gráficos já se tornara alvo de uma atenção diferenciada por parte da polícia política, motivada por duas de suas características. Em primeiro lugar, por sua posição reivindicatória e de contestação ao então regime vigente e, em segundo, por sua posição de produtores de textos “subversivos”. Mesmo detendo nossa atenção sobre um período diverso, podemos considerar esses elementos, com algumas variações, como propulsores da repressão sofrida pelos gráficos no período pós-1964. Nos anos 1960 e 70, a própria polícia política parecia ainda operar com essa ideia de que os gráficos eram por natureza “subversivos”. Um dos entrevistados comenta a visão que os órgãos da repressão tinham sobre os militantes gráficos: “para a repressão, o Sindicato dos Gráficos sempre foi um ninho de comunistas”.258

Na opinião de Fraga Junior, essa era uma visão distorcida do grupo. As informações sobre o Sindicato dos Gráficos na documentação da polícia política estão reunidas, em sua maior parte, nas pastas que contêm dados sobre os indivíduos responsáveis, em diferentes níveis, pela ação sindical dos gráficos e pela organização dos comunistas na categoria. O que observamos nessa documentação

256 “[...] Preocupadas em definir e comprovar o crime político, as autoridades da repressão procuravam manter sob

vigilância a população brasileira instaurando uma verdadeira geopolítica do controle. Em decorrência deste cotidiano de opressão e medo, os mais diferentes segmentos sociais foram vigiados e julgados como subversivos da ordem. Alguns profissionais eram os mais visados por serem os responsáveis pela veiculação de ideias consideradas como perigosas. Jornalistas, escritores, artistas, músicos, estudantes, livreiros, gráficos e editores dificilmente escapavam de um inquérito policial aberto a partir de uma acirrada vigilância (campana) ou, até mesmo, de uma denúncia. [...]”. CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. “Os Arquivos da Polícia Política Brasileira: uma alternativa para os estudos de História do Brasil Contemporâneo”. www.usp.br/proin/publicações/artigos. Acessado em 20 de novembro de 2008. p.6.

257 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Livros proibidos, idéias malditas: DEOPS e as minorias silenciadas. São Paulo:

Ateliê Editorial, PROIN/USP, FAPESP, 2002. 2 ed. ampl. Ver particularmente o capítulo “artesãos da subversão”

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é um conjunto de suposições sobre as tendências “subversivas” da categoria, que nem sempre encontravam referências na prática cotidiana da categoria.

Estudos têm retratado o aparato da censura em diversas esferas da sociedade, seja no controle da informação que chega aos indivíduos ou na produção de informação sobre os indivíduos. “Esse formidável instrumental repressivo objetivava o exercício de uma vigilância cerrada sobre todos os setores da sociedade, visando detectar e punir toda e qualquer tentativa explicita ou implícita de “subversão” à ordem instaurada”.259

Esse “formidável instrumental repressivo” foi responsável pela produção de uma enorme massa documental que, em parte, será objeto de nossa análise.

A pesquisa da documentação da polícia política nos permite detalhar as trajetórias individuais de militantes gráficos e cruzar essas informações com o momento político vivido pelo Sindicato dos Gráficos e pelo próprio país. A frequência de nomes de militantes gráficos, nas diversas subdivisões, ou “entradas”, desse material, demonstra a vigilância da ditadura sobre aqueles indivíduos.260 Constam desta fonte desde pequenos resumos sobre as atividades de um determinado militante até relatos detalhados sobre sua militância político-sindical, incluindo anotações sobre greves de que participou, cargos que assumiu no sindicato, documentos de caráter coletivo que assinou, autos de prisão e Inquéritos Policiais Militares (IPMs).261 No caso

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AQUINO, Maria Aparecida. Censura, Imprensa, Estado Autoritário (1968-1978): o exercício cotidiano da

dominação e da resistência: O Estado de São Paulo e Movimento. Bauru: EDUSC, 1999. p.15. Aquino detém seus

estudos sobre o controle da informação que chegava aos indivíduos nos anos da ditadura (1968-1978). Seu trabalho prioriza a análise da censura política à imprensa escrita, particularmente nos jornais O Estado de São Paulo e o

Movimento.

260 O acervo reúne material recolhido entre 1933 e 1983. O conjunto do material foi denominado de Fundo DGIE

(Departamento Geral de Investigações Especiais do Rio de Janeiro, 1975 – 1983) último nome recebido pela instituição responsável pela produção desse tipo de documentação. A documentação foi dividida em seis séries que possuem por sua vez suas subdivisões: Série; Pasta Temática; Série Fichas de Investigados; Série Prontuários Individuais; Série Encadernados Administrativos; Série Iconográfica e Série Diversos. FIGUEIREDO, Mirian Beatriz Collares. “O acervo do DOPS: um projeto de tratamento documental”. DOPS: A lógica da Desconfiança. Rio de Janeiro: Secretaria Estadual de Justiça, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 1996. 2ª ed.

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Em seu estudo sobre o Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro e a Fábrica Nacional de Motores, (FNM) José Ricardo Ramalho faz uso dos Inquéritos Policiais Militares para discutir a repressão política ao movimento

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dos inquéritos, uma variada documentação costuma ser reunida: depoimentos de “indiciados” e “informantes”, fotos, panfletos e outros materiais impressos que serviriam como prova no processo.

À primeira vista, esse tipo de fonte poderia ser rechaçado por não ser uma narrativa direta dos atores que procuramos estudar, mas, acima de tudo, uma representação do poder público oficial sobre esses homens e mulheres. Apesar de ser uma documentação construída por órgãos do Estado, sua utilização com critérios pertinentes de análise nos permite chegar a dados antes ocultos.262 Se analisarmos cuidadosamente esse material, podemos perceber elementos constitutivos daquele período e a forma como o poder público enquadrava determinados grupos. Para sermos bem sucedidos com esse tipo de documentação, ou com qualquer outro, temos que nos indagar sobre o processo de produção desse documento e o contexto político que criava a necessidade de enquadrar indivíduos e instituições considerando-os uma “ameaça” para o país. Outra estratégia que não podemos deixar de considerar é o cruzamento desse material com outras fontes. Entrevistas, boletins sindicais e memórias dos militantes serão incorporados à análise

sindical no período pós-1964. Compartilhamos da perspectiva teórico-metodológica adotada pelo autor para a análise dos IPMs que não considera esse material um espelho da realidade que deva apenas ser selecionado para reconstruir o passado. Ele propõe pensarmos os IPMs a partir de suas “elaborações próprias”, problematizando a produção desse material. RAMALHO, José Ricardo. “Metalúrgicos do Rio de Janeiro e a repressão política pós-64”, in: RAMALHO, José Ricardo e SANTANA, Marco Aurélio (org.). Trabalho e tradição sindical no Rio de Janeiro – a

trajetória dos metalúrgicos. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

262 Maria Luiza Tucci Carneiro chama a atenção para a necessidade de “desmontar” esse tipo de documentação, cuja

lógica implica a ideia de comprovar um crime político. CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. “Os Arquivos da Polícia Política Brasileira: uma alternativa para os estudos de História do Brasil Contemporâneo”. www.usp.br/proin/publicações/artigos. Acessado em 20 de novembro de 2008. Sobre os limites e possibilidades do uso desse tipo de documentação ver: NEGRO, Antonio Luigi e FONTES, Paulo. “Trabalhadores em São Paulo: ainda um caso de polícia: o acervo do DEOPS paulista e o movimento sindical”, in: AQUINO, Maria Aparecida, MATTOS, Marco Aurélio V. L. e Jr. SWENSSON, Walter Cruz. (org.). No coração das trevas: o DEOPS visto por

dentro. São Paulo: Arquivo do Estado/Imprensa Oficial, 2001. Esse livro é o primeiro volume de uma coleção

composta por obras que analisam a organização e o conteúdo da documentação do DEOPS. Esse material é de fundamental importância para o pesquisador que se aventura por essa documentação da polícia política. Seu conteúdo também elucida questões metodológicas mais gerais que podem ser estendidas à análise desse mesmo tipo de documentação no Estado do Rio de Janeiro.

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como forma de criar um paralelo em relação ao material da polícia política.263 Como sugere Maria Luiza Tucci Carneiro, a abertura parcial dessa documentação pode nos trazer uma série de possibilidades: “[...]os pesquisadores têm a oportunidade de avaliar não apenas o mundo da repressão como também de reconstituir o mundo fantástico da resistência que, felizmente, não se calou durante os momentos de autoritarismo”.264

A documentação da polícia política contribuiu significativamente para um mapeamento de diferentes aspectos da vida de alguns dos militantes gráficos que analisaremos ao longo desse capítulo. São investigados elementos da vida pessoal, da atuação político-partidária e da inserção sindical desses atores sociais. Essa documentação também nos ajuda a entender o desaparecimento do cenário político de alguns militantes que, acuados pela repressão, “optam” pelo isolamento político. Outros, no entanto, forçados a entrar na clandestinidade, investem no confronto com o regime ditatorial.

Iniciaremos nossa análise pela trajetória de três lideranças do Sindicato dos Gráficos. Esses indivíduos, apesar de serem contemporâneos, terem participado de algumas mobilizações pela categoria e compartilhado os mesmos ideais, seguiram por caminhos muito distintos após o golpe de 1964. Por este motivo, suas trajetórias explicam, a partir de pontos diferentes, a história da categoria dos gráficos.

263 A análise comparativa com outras fontes não pode ser feita sem determinados cuidados metodológicos: “Em

entrevistas, em que podem perguntar se tal ou qual episódio realmente aconteceu como descrito nos papéis [da polícia política], os historiadores podem controlar suas informações, mas nem por isso devem confiar cegamente em seus informantes, os quais não estão imunes a reelaborações, equívocos e ressentimentos. O historiador é, enfim mais um consumidor do produto policial. Como os trabalhadores, não deve se submeter a ser uma tabula rasa”. NEGRO, Antonio Luigi e FONTES, Paulo. “Trabalhadores em São Paulo: ainda um caso de polícia: o acervo do DEOPS paulista e o movimento sindical”, in: AQUINO, Maria Aparecida, MATTOS, Marco Aurélio V. L. e Jr. SWENSSON, Walter Cruz. (org.). No coração das trevas: o DEOPS/SP visto por dentro. São Paulo: Arquivo do Estado/Imprensa Oficial, 2001. p.179

264 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. “Os Arquivos da Policia Política Brasileira: uma alternativa para os estudos de

História do Brasil Contemporâneo”. www.usp.br/proin/publicações/artigos. Acessado em 20de novembro de 2008. p.1.

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