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A expectativa de guerra causava uma sensação de alerta constante na sociedade. Em Fernando de Noronha ou fora de lá, a sensação era de que, a qualquer momento, o inimigo poderia surpreender a todos. O imaginário rondava não apenas o céu e o mar, mas pairava na sensação de insegurança de que um evento dessa natureza pudesse ocorrer. No entanto, as exposições em torno da segurança e defesa, patrocinadas pelos governos americano e brasileiro, não se alinhavam a essa realidade de guerra. E isto era tão significativo que, mesmo sofrendo bombardeio (ataque), a Ilha de Fernando de Noronha se encontrava distante do que acontecia em Recife, e isso se caracterizou pela ausência de notícias nos jornais remetendo-se ao fato. Esse ataque era relatado por e entre os militares, ficando ali, retido, que a ilha havia sofrido bombardeio de aviões inimigos. Essa informação era dada em caráter secreto e não causaria espanto caso a ideia do American

way of life não tivesse tido tamanha repercussão e aceitação. O jogo estava sendo jogado e a regra era: defesa e ataque.

Parece que o inimigo orienta os seus meios para um ataque a frente S [lê-se sul]

da Ilha.

Aviões inimigos sobrevoam a ilha e lançam bombas, visando de preferência as regiões da Vila Getúlio Vargas, porto de Santo Antônio, os ambulatório, a usina, oficinas e o quartel do 30º BC [lê-se Batalhão de Caçadores do Exército].96

Relatou o Capitão Zenon da Silva (Comandante do Destacamento Independente de Sapadores e Pontoneiros). Essa informação, colhida de um comunicado interno entre o Comandante do Destacamento Misto, General Ângelo Mendes de Moraes e o comando da 7ª Região Militar, no dia 07 de maio de 1943, não chegou à capital pernambucana. Não constando comentário, notícia, reportagem, nota ou informativo algum sobre esse suposto ataque à “sentinela avançada”. Tão próxima ao litoral nordestino e a 540 km da cidade de

Recife, levando-nos a questionar se fora real ou apenas um treinamento de guerra. Concentrava-se ali, no entanto, um teatro de operações de guerra.

Imaginar toda essa movimentação bem próxima ao nosso litoral transformava o dia- a-dia da cidade do Recife, bem como o desenvolvimento cultural a partir do contato com estes militares estrangeiros norte-americanos, como também a própria ilha que se militarizava sob a égide da defesa nacional e segurança. O entrar e sair constante de americanos na capital pernambucana era visto com certo cuidado por parte das autoridades policiais. Não era pelo fato de estarmos alinhados (juntos) contra o Eixo, que se daria o direito de estrangeiros transitarem livremente pelas ruas do Recife. O fato era, inclusive, contrário à ideia de que esses estrangeiros viviam numa eterna lua de mel com os brasileiros. Pelo menos não por parte dos investigadores do DOPS de Pernambuco. A soberania do Brasil tinha que ser salvaguardada a todo custo. Esse cuidado podia ser observado nas pequenas e cotidianas resistências patrocinadas por estes investigadores, quando, por exemplo, uma simples atividade fotográfica gerava inúmeros pedidos de autorização do consulado americano ao Secretário de Segurança Pública de Pernambuco, Etelvino Lins, já que, a atividade fotográfica ou os pedidos de autorização, podiam ser indicativos de atividades de espionagem. No entanto, mesmo com a atenção das autoridades da DOPS, estas atividades se encontravam próximas do nosso dia-a-dia, seja pelo Eixo, seja pelos norte-americanos. Como exemplos disto, tomamos a chegada de vinte náufragos do vapor americano James Robertson, torpedeado por submarinos do Eixo ao sair de Fortaleza (Ceará) para o Rio de Janeiro, na madrugada do dia 07 julho de 194397, e o desmonte de um aparato de espionagem a favor do Eixo, especificamente a serviço da Alemanha, pelo serviço secreto americano. No material apreendido encontrava-se o mapa (abaixo) detalhado de todo o Arquipélago de Fernando de Noronha com traçados dos planos das fortificações que existiam pela ilha, o efetivo de tropas, localização de baterias, estações de rádio, etc.98

97 APEJE-PE; DOPS-PE; Prontuário nº 27.708 - Consulado Americano; cópia do oficio nº 260. Recife, 14 de

julho de 1943.

Ilustração 12 - Plano hidrográfico e topográfico do arquipélago de Fernando de Noronha elaborado por um germanófilo potiguar em 1942, por encomenda do cônsul alemão em Pernambuco, apreendido

pelo DOPS-PE e encaminhado ao Ministério das Relações Exteriores e Justiça para embasar o processo onde o epigrafado é acusado de traição à nação brasileira. Fundo: SSP/DOPS/PE prontuário

nº. 14. 312.

Esses dois eventos permitem perceber que as democracias na América Latina não estavam livres da ameaça dos regimes totalitários que rondavam a Europa. Mostram também que, a fala importada pelos norte-americanos que garantiam a segurança do Atlântico se encontrava frágil diante da impossibilidade de proteger essas águas. Mesmo montando um cinturão de defesa Atlântica com bases espalhadas pelo litoral nordestino, a exemplo da base aérea de Parnamirim (RN) – um dos maiores e mais movimentados aeródromos militar do mundo – e da base na Ilha de Fernando de Noronha, visando à segurança do território brasileiro, as águas do Atlântico ainda não se encontravam devidamente protegidas.

Enquanto Recife e Natal se deixavam influenciar pela cultura dos Estados Unidos, esses três eventos (o ataque contra a ilha, o ataque contra o vapor americano e o espião Artur) podem ser tomados como espelhos de uma guerra que transformava sonhos em realidades, e causavam insegurança e muitas incertezas para o amanhã. O “inimigo” estava à solta e a qualquer minuto poderia nos surpreender pelo mar (com os submarinos), pelo ar (com ataques aéreos) e também por terra (com os esquemas de vigilância que a espionagem proporcionava). Era ilusão imaginar um cenário de guerra distante do

continente europeu, pois ela estava próxima de qualquer cidadão brasileiro. E o que restava ao Brasil fazer? Alinhar-se a quem lhe garantia o futuro? No caso em questão, era o solícito lado americano.