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Em 1956, o Diário de Pernambuco trazia em suas manchetes a posse de um novo presidente brasileiro e a retomada da “cooperação amigável”186 que existia entre os governos dos Estados Unidos e do Brasil. Construída na realidade da Guerra Fria, a nova ordem mundial era vista como um dos indicativos para que se estabelecessem áreas de influências econômicas na divisão feita pelos chamados “mundo livre e mundo soviético”

187, dentro da América Latina, como se a América Latina fosse um grande bolo a ser

retalhado. Mais a frente, outras manchetes (como uma segunda notícia de escala internacional) tinham como tema o comunismo, os seus efeitos pelo mundo e as medidas tomadas pelos capitalistas para combatê-lo. Isso incomodava ao governo soviético que

183 SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo (1930 – 1964). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. pp.

183.

184 Idem pp. 185. 185 Ibidem.

186 Diário de Pernambuco, 02 de fevereiro de 1956.

187 Diário de Pernambuco, sexta-feira; 03 de fevereiro de 1956 - Expressões utilizadas pelo DP ao noticiar as

respondia acusando o governo de Washington de promover “as tensões mundiais”.188 Estas informações da Guerra Fria circulavam na sociedade pernambucana em confluência a um clima de esperança para o desenvolvimento do Brasil com Juscelino Kubitschek na presidência.

A tentativa de vincular a presença comunista com a figura do novo presidente eleito ainda rondava os discursos udenistas e de alguns grupos dentro das Forças Armadas. Numa entrevista concedida ao Diário de Pernambuco, em 08 de janeiro de 1956, Kubitschek havia falado que “pessoalmente não tinha compromisso algum com os comunistas e não tinha feito qualquer pacto com eles [durante] a campanha eleitoral”.189 “O partido comunista tinha já pouca força antes de ser posto fora da lei e que esta força [está] declinando à medida que se desenvolve a economia do país”.190

JK buscava tornar o governo limpo dessa influência como forma de garantir segurança ao capital estadunidense nas relações econômicas com o governo brasileiro, já que havia o receio, por parte dos Estados Unidos, em viver sob o risco de uma aliança soviética com o Brasil. Para JK, a relação partidária com os comunistas (no caso o PCB brasileiro) poderia prejudicar os seus planos em escalas internacionais. Ele havia sinalizado intenções (quando saiu em comitiva pela Europa e EUA) de abertura ao capital estrangeiro, percebendo a possibilidade de adquirir investimentos para o Brasil, a partir do interesse americano em “ocupar militarmente” a Ilha de Fernando de Noronha, tornando-a moeda às barganhas possíveis ao Brasil numa negociação como esta (mesmo JK argumentando o contrário).

A inquietação em torno das possibilidades postas ou pensadas para o Brasil – seja interna (acelerar o desenvolvimento econômico, implantando novas indústrias e siderurgias e integrar a nacionalidade, construindo estradas e uma nova capital para o Brasil) ou externa (com a Operação Pan-Americana (OPA) que visava à multilateralização das relações interamericanas) era analisada não apenas pelos líderes mundiais, mas também pelas forças políticas brasileiras, que se dividiam e se exprimiam por entre grupos das Forças Armadas mais conservadoras, uma extrema esquerda, os intelectuais do Instituto Superior de Estudos Brasileiros e os liberais. Vivíamos entre o limite do comunismo e o do capitalismo liberal, seguindo as diretrizes dadas por uma política que resultava da relação

188 Idem – ACUSAÇÕES AOS ESTADOS UNIDOS/ NOVA CARTA DE BULGANIN AO PRESIDENTE

EISENHOWER.

189 Diário de Pernambuco, domingo; 08 de janeiro de 1956 – OS COMUNISTAS E O GOVERNO. 190 Idem.

conflitante entre russos e americanos. O mundo, até então na ordem da Guerra Fria191, experimentava a geopolítica sinalizada na IV Reunião de Consulta (conferência de Washington DC, 1951), em que algumas decisões visavam aos rumos políticos assistencialista da latino-América para o seu desenvolvimento (como o programa do Ponto IV) e o desenvolvimento, nos países aliados, de políticas de contenção ao comunismo.

O Ponto IV era “um programa de assistência técnica com escopo de auxiliar o Brasil a ajudar-se a si mesmo”.192 Era “um órgão permanente do departamento de Estado norte-americano que [agia] em cada país que a ele [recorria] sob o título de United States Operation Mission”.193 E entender “o ajudar o Brasil a se ajudar”194, dada como explicativa pelo professor e economista Vila Alvarez ao novo programa assistencialista, partia da ideia da abertura de linhas de investimentos ao capital estrangeiro; cobertura cambial externa para importar maquinarias nas indústrias que fossem montadas, e isenção fiscal a esses investidores estrangeiros.195

A ideia de o Brasil ser um “aliado fiel” ao governo de Washington estava fundada na convicção de que “o fortalecimento econômico sob a liberdade pode ser conseguida muito melhor quando as nações livres trabalham juntas visando ao benefício mútuo dos seus povos”196 em favor da segurança do hemisfério. Para o coordenador do programa, John B. Hollister, fortalecer economicamente as nações livres podia ser entendido como uma estrategia que garantia a liberdade dessas nações livres do comunismo. Nada mais conveniente, então, que arregimentar a defesa em contrapartida a largos investimentos ao Brasil.

Quando se dá o início do governo de Juscelino (1956) também é sinalizado o retorno da “velha barganha nacionalista” através da OPA (Operação Pan-Americana). A diplomacia brasileira voltava a ganhar ‘cores nacionalistas’ e o desenvolvimento brasileiro voltava a readquirir sua importância estratégica, empolgando e mobilizando parte da sociedade brasileira. A OPA objetivava atrair a atenção dos Estados Unidos para a América Latina e obter maiores créditos nos marcos do sistema interamericano. Pretendia

191 Que era uma guerra também de caráter psicológico e que deixava o mundo em um alerta constante a

deflagração de um 3º conflito mundial.

192 Diário de Pernambuco, 26 de maio de 1956 – SERIA INSTALADO NO RECIFE O ESCRITÓRIO DO

PONTO IV.

193 Idem – MAIOR ASSISTÊNCIA A ÁREA SUBDESENVOLVIDA DO PAÍS. 194 Ibdem - No dizer do economista Fernando Villa Alvarez.

195 NASCIMENTO, pp 03.

196 Diário de Pernambuco, quinta-feira, 02 de fevereiro de 1956 – Foi o que declarou no Rio de Janeiro o Sr.

incrementar os investimentos nas regiões economicamente atrasadas do continente, compensando a escassez de capital e promovendo a assistência técnica necessárias à produtividade.197 Juscelino imaginava um espetacular programa de desenvolvimento econômico que minimizaria os problemas críticos da miséria humana, responsáveis pelo fomento da inquietação política na América Latina. O governo Eisenhower pouco se mostrou interessado pelo assunto.198 Em discurso à nação e aos representantes diplomáticos dos Estados americanos no Rio de Janeiro, em 1958, JK falava que a posição brasileira quanto à Operação Pan-Americana era:

apenas colaborar, na medida de suas forças, para um entendimento geral e efetivo entre os países irmãos do continente. Nada pleiteia para si, isoladamente, nem haverá, nas gestões especificas da Operação iniciada, cabimento para conversações bilaterais. Não há, nesta comunidade de nações livres, pretensão a liderança que logre resultados fecundos e duradouros.199

E de um modo geral, a possibilidade de o governo brasileiro combater os problemas sociais mediante projetos de desenvolvimento econômico era uma tentativa de “eliminar a sua grande chaga: o subdesenvolvimento”.200 E “não se poderá prestar maior serviço ao ideal pan-americano do que o de tentar”201, mesmo com recursos norte-americanos. Dentro de todo esse panorama desenvolvimentista ora esboçado, a Ilha de Fernando de Noronha se prestava a ser um instrumento para barganhar algo do lado americano. Como ela seria agraciada pelas colaborações existentes entre brasileiros e norte-americanos? E a que destino se prestava? São alguns dos questionamentos que rondam a funcionalidade e a participação do arquipélago neste inicio de governo juscelinista.

Concretamente, não podemos dizer se houve ou não algum plano ao desenvolvimento insular. A funcionalidade de Noronha era vista com base na defesa e posse territoriais, que se direcionavam às rotas de defesa ao comércio marítimo do atlântico, bem como à contenção da expansão comunista, e assim, garantir que as águas que banhavam os litorais de lá (EUA) e de cá (Brasil) podiam ainda conceber tranquilidade, encontrando-se longe da influência russa. Nesse ambiente internacional, a política interna brasileira, que tinha como escopo o desenvolvimento industrial, criava um

197 VIZENTINI, pp. 205

198 PARKER, Phyllis R. 1964: o papel dos Estados Unidos no golpe de estado de 31 de março de 1964. trad.

Carlos Nayfeld. Civilização brasileira. Rio de Janeiro, 1977. pp 16

199 Discursos – 1958: Juscelino Kubitschek de Oliveira. Rio de Janeiro, 1959 - RJ, 20 de junho de 1958. pp.

243.

200 Idem. pp. 243. 201 Ibidem.

ambiente favorável à capitalização de recursos do estrangeiro, especialmente vindo dos Estados Unidos. Em nome da segurança hemisférica e a salvaguarda das democracias, Brasil e Estados Unidos se lançavam numa nova ordem das relações internacionais, em que os nacionalismos de ambas as nações se tornavam uma constante. Para Ayerbe (2002), as posturas nacionalistas adotadas por alguns governos e movimentos era uma das preocupações que o governo de Washington tinha quando se referia à América Latina, no início da Guerra Fria. Esses acabavam adotando uma perspectiva “equidistante” da influência dos EUA, já que tomavam como base uma política de afirmação nacional. Em caso de uma guerra com a União Soviética, poderiam sofrer um boicote por parte desses governos, sindicatos e demais movimentos, em que a infiltração de ideias antiamericanas poderia ser decisiva202, mas no caso do Brasil podia ser diferente. O posicionamento adotado por Juscelino era demonstrado na cessão de Noronha aos americanos, que se prestava ao argumento de “proteger o mundo livre contra ditaduras autoritárias que visam à escravização da democracia”203, numa pretensão, talvez, de barganhar o desenvolvimento do restante do país e a execução do programa de plano de metas prometidas durante a campanha eleitoral.