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A longa trajetória escolar das pesquisadas traduz seus esforços e de suas famílias, para alcançar um “futuro melhor”. Seguindo o refrão hegemônico que diz “educação é tudo”, as famílias, desde cedo, fizeram investimentos que foram depois continuados por cada uma das professoras, com o intuito de cursar a graduação e a pós-graduação. Esse acúmulo de capitais, objetivado nas competências e títulos adquiridos, assegurou-lhes a inserção no campo educacional, tal como esse está estruturado na cidade de Campina Grande. O conceito de campo educacional ajuda- nos a compreender que, quando nossa população se engaja no mercado de trabalho educacional, não está apenas criando um vínculo burocrático-contratual com as creches e pré-escolas, mas ingressando num espaço social regido por leis

específicas, por um tipo particular de disputas materiais e simbólicas e ocupando uma posição na hierarquia desse espaço.

Embora não seja um conceito central nesta pesquisa, faz-se necessário definir o que Bourdieu referencia como campo social. Segundo Domingos Sobrinho (2000), o referido conceito é um dos aspectos inovadores da sociologia de Bourdieu, devido à analogia que este autor faz entre a economia e os mercados de bens simbólicos, ou seja, os espaços sociais não econômicos, nos quais os indivíduos são tão calculistas e estratégicos como nos mercados econômicos. Para ele, não são exclusivas do campo econômico as estratégias aí desenvolvidas pelos agentes, visando comprar ou acumular bens e capitais. Essas estratégias são também comuns aos demais espaços sociais. Um campo social é, portanto, um mercado de bens simbólicos, entretanto um campo de forças e de lutas “[...] no interior do qual os agentes se enfrentam, com meios e fins diferenciados conforme sua posição na estrutura do campo de forças, contribuindo assim para a conservação ou a transformação de sua estrutura.” (BOURDIEU (2007, p. 50).

Bourdieu (2004, p. 20) afirma que um campo social é um “[...] universo no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem, reproduzem ou difundem a arte, a literatura ou a ciência.” É um mundo social como outro qualquer, com leis sociais mais ou menos exclusivas. Dito de outra forma: é um espaço relativamente autônomo, um microcosmo dotado de leis próprias.

Esse conceito nos ajuda a entender que quando os indivíduos de nossa população ingressam no campo educacional o fazem a partir de determinado lugar na hierarquia das posições desse. Lugar em grande parte condicionado pelo volume de capital de seus portadores. Não é por acaso, então, que as professoras detentoras de menor volume de capital, isto é, em termos de escolaridade e formação profissional, estão concentradas na rede estadual e as melhor qualificadas encontram-se na rede municipal, conforme demonstrado.

Sigamos explorando as particularidades da inserção de cada um dos subgrupos que formam esse professorado no campo educacional. Comecemos por analisar as razões da escolha pelo campo de atuação vinculado à Educação Infantil.

É notória a fluidez das respostas obtidas para as razões do ter se tornado professora da Educação Infantil. Observe-se que as respostas não são mutuamente exclusivas, porquanto houve liberdade para o registro de mais de uma razão quanto à escolha deste tipo de docência.

Tabela 2.1 - Razões para se tornar professora da Educação Infantil Razões da opção pela Educação

Infantil Professoras municipais N = 100 Professoras estaduais N = 60 N % N % Anseio profissional 56 56,0 17 28,3

Influência: mãe, pai, tia, irmãs, avó, prima, esposo, sogra, professora, amigos.

24 24,0 16 26,7

Fruto do acaso 11 11,0 17 28,3

Profissão facilita a inserção no

mercado de trabalho 5 5,0 4 6,7

Amar crianças 3 3,0 2 3,3

Necessidade financeira 2 2,0 9 15,0

Desejo de infância/ adolescência 2 2,0 2 3,3

Gostar da área 1 1,0 1 1,7

Convivência com alunos numa

escola de parentes 2 2,0 - -

Concurso público 1 1,0 - -

Oportunidade 1 1,0 - -

Fonte - Questionário II da pesquisa (2008/2009).

Verificamos que, em ambas as redes de ensino, dois motivos se fizeram presentes com maior percentual e igualdade de indicações (1º e 2º lugares): por atender aos meus anseios profissionais (56% M e 28,3% E) e fruto do acaso (11% M e 28,3% E).

Constatamos, aqui, a tendência observada no capítulo anterior, de as respostas serem influenciadas pelos aspectos que condicionam a clivagem interna do professorado. Dessa forma, no município, as respostas vinculadas a anseio profissional são bem mais expressivas que aquelas atribuídas a escolha ao acaso. Além destas, destaca-se a influência de terceiros (24%). As demais possuem percentuais baixos.

No estado, acontece o inverso. A resposta anseio profissional tem percentual bem menor (28,3%) que no município, não obstante a resposta fruto do acaso tenha o mesmo percentual. Observando-se os percentuais referentes à profissão facilitar a inserção no mercado de trabalho (5% M e 6,7% E) e à necessidade financeira (2% M e 15% E) parece-nos evidente haver uma maior relação das docentes municipais com a profissão, quando comparadas ao professorado do estado, que destaca a

necessidade de estar no mercado de trabalho muito mais por sobrevivência. As demais respostas têm percentuais muito baixos.

Chama ainda a atenção os percentuais (24% M e 26,7% E), muito próximos nos dois grupos, ligados à influência de terceiros na escolha da profissão. Estes estão desta forma distribuídos: na rede municipal, influência materna (10%), da professora (6%), de amigos (3%), da tia (2%) e das irmãs, avós e prima, todos com 1%, ou seja, uma pessoa. Na estadual, influência da mãe (10%), da tia (5%), da professora e do pai, 3,3% cada, e das irmãs, esposo e sogra, 1,7%. Diante do exposto, percebemos, nas duas redes, a mesma percentagem da influência materna.

Esses dados indicam como a instituição familiar influencia as opções, gostos e preferências. Como concebe Bourdieu (2004, p. 131),

O habitus, que é o princípio gerador de respostas mais ou menos adaptadas às exigências de um campo, é produto de toda a história individual, bem como, através das experiências formadoras da primeira infância, de toda a história coletiva da família e da classe; em particular, através das experiências em que se exprime o declínio da trajetória de toda uma linhagem e que podem tomar a forma visível e brutal de uma falência ou, ao contrário, manifestar-se apenas como regressões insensíveis [...].

Algumas justificativas para a opção profissional, obtidas por ocasião das entrevistas ou nas conversas informais, registradas no Diário de Campo, possibilitaram conhecer com mais detalhes as razões das mesmas. Em alguns casos, histórias e dramas familiares (alcoolismo paterno e morte materna) levaram algumas dessas professoras a serem educadas por outro familiar, que exercia a profissão de professor, daí ter surgido o desejo de também se tornar professor. Há relatos do desejo de se tornar professora “desde criança” ou “desde adolescente”, apesar da realização de vestibular para outros cursos, antes da decisão de cursar Pedagogia. Ou mesmo, o despertar para a docência ao lidar com crianças, no decurso da formação em Pedagogia.

A esse respeito Bourdieu considera que, na nossa vida, fazemos escolhas que parecem racionais, quando na verdade são produzidas pela nossa história individual ou coletiva, decorrentes das experiências vividas ao longo de nossa trajetória pessoal e social: “[...] Os agentes de algum modo caem na sua própria prática, mais do que escolhem de acordo com um livre projeto, ou do que são empurrados para ela por uma coação mecânica [...]” (BOURDIEU, 2004, p. 130).

Seguindo a ótica interpretativa adotada, inferimos ainda que as respostas mais articuladas com o interesse profissional, tanto no município como no estado, são produzidas por professoras mais afinadas com o “sentido do jogo” do mercado de bens educacionais, ou seja, mais conscientes da força dos investimentos feitos para alcançar uma melhor posição nesse campo. No caso do município, isto fica mais evidente, pois as professoras percebem, na vida real, a importância de ter feito os investimentos que lhes foram possíveis - graduação e especialização.

Relativo ao tempo de docência, as professoras do município exercem a profissão há mais tempo que as do estado, como demonstrado na Tabela 2.2.

Tabela 2.2 - Tempo de exercício profissional Tempo de atuação

profissional

Professoras municipais Professoras estaduais

N % N % 1 a 4 anos 13 6,5 34 31,2 5 a 10 anos 51 25,6 45 41,3 11 a 15 anos 48 24,1 24 22,0 16 a 20 anos 55 27,6 3 2,8 Acima de 21 anos 30 15,1 3 2,8 Não informou 2 1,0 - - Total 199 100,0 109 100,0

Fonte - Questionário I da pesquisa (2008/2009).

A maioria (66,8%) das docentes municipais tem mais de 10 anos de exercício profissional, ao passo que 72,5% das estaduais atuam no magistério há menos tempo: de um a 10 anos. O percentual de professoras, cujo tempo de atuação situa- se entre um e quatro anos, é pouco expressivo na rede municipal, mas tem expressão na rede estadual (6,5% M e 31,2% E) e quase só encontramos docentes com mais de 15 anos de profissão, na rede municipal (42,7% M e 5,6% E). Esses resultados decorrem das distintas formas de vínculo empregatício, posto que, enquanto o pessoal das creches e pré-escolas municipais é efetivo, o das estaduais tem contrato temporário.

No tocante ao tempo de docência em Educação Infantil, conforme a Tabela 2.3, os dados referentes às professoras do estado, em relação aos da Tabela 2.2, praticamente se mantêm: 32,1% de um a quatro anos; 41,3% de cinco a 10 anos e 23,9% de 11 a 15 anos. Isto indica que a experiência profissional da grande maioria delas é exclusiva nesta modalidade de ensino. A maior parte das professoras

municipais concentra-se numa faixa de tempo bem menor do que a do exercício profissional de um modo em geral: 31,6% de cinco a 10 anos e 24,1% de 16 a 20 anos.

Tabela 2.3 - Tempo de atuação na Educação Infantil Tempo de atuação em

Educação Infantil

Professoras municipais Professoras estaduais

N % N % 1 a 4 anos 32 16,1 35 32,1 5 a 10 anos 63 31,6 45 41,3 11 a 15 anos 42 21,1 26 23,9 16 a 20 anos 48 24,1 3 2,8 Acima de 21 anos 12 6,0 - - Não informou 2 1,0 - - Total 199 100,0 109 100,0

Fonte - Questionário I da pesquisa (2008/2009).