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Inserção do capital no campo e a monopolização do território

A inserção do capital no campo brasileiro se processou a partir da década de 1950 quando houve importações dos meios de produção mais modernos. Porém, foi somente na década de 1960 que este processo acontece concretamente, com a implantação de um setor industrial com vistas à produção de equipamentos e insumos para a agricultura, deixando-a cada vez mais subordinada às regras de produção ditadas pela indústria.

A expansão do capital no campo dificultou e continua dificultando, mais ainda, as relações de produção com base na agricultura familiar, que tem sentido dificuldades de realizar inovações devido aos altos custos dos insumos e implementos e devido a dificuldade de obtenção de subsídios financeiros. Portanto, pode-se afirmar que a modernização não alcançou todos os atores sociais produtivos na agricultura. Então, foi subjugando o agricultor e fortalecendo a renda da terra que o capital passou a apropriar o excedente do trabalho no campo. Thomaz Júnior enfoca que:

A modernização da agricultura (modernização conservadora) é entendida como a adoção de novas técnicas e tecnologias no processo produtivo propiciando significativas alterações na estrutura fundiária. No Brasil, particularmente, houve um reforço da concentração de terras, mediante a expulsão forçada de milhares de famílias de pequenos produtores rurais que seguiram em direção às cidades, sendo que os territórios deixados foram apropriados pelos grandes empresários rurais – novos ricos – que passam a reordenar o espaço econômico e político, intensificando as desigualdades sociais (THOMAZ JÚNIOR, 2002, p. 11-12).

A inserção do capital no campo, por meio de tecnificação, deu origem ao agricultor capitalista e, dialeticamente, empobreceu o agricultor familiar descapitalizado, pois as relações “pré-capitalistas” ficaram reduzidas pela dificuldade de inovação e pela expansão capitalista no campo. Atualmente, a grande propriedade tecnificada prevalece e a pequena unidade é diversificada tanto pela existência de agricultores familiares integrados, quanto pelos excluídos desse processo de tecnificação, reproduzindo uma atividade onde a forma- mercadoria não é determinante.

Apesar de o agricultor familiar está vivenciando uma situação de precariedade, e mesmo com a desterritorialização, a agricultura familiar ainda ocupa a maior parte dos trabalhadores rurais. Isto significa que mesmo frente à subordinação do capital, muitos persistem e trabalham para sobreviver se mantendo na terra, pois a eles não restam alternativa.

Toda esta situação em que a agricultura se encontra inserida, atualmente, atribui-se a formação dos complexos agroindustriais que se originaram com a inserção do capital no campo no período pós 1960. Isto provocou mudanças no processo produtivo e a relação entre a agricultura e a indústria foi intensificada a partir da década de 1970.

Nesta época, um setor passou a depender cada vez mais do outro. As agroindústrias se tornaram ainda mais exigentes e a agricultura intensificou sua dependência em relação a ela, passando a produzir nos moldes estabelecidos pelos complexos agroindustriais. Sobre isto Müller aponta que:

Com a interação indústria e agricultura no período de 1960-1980, deparamo-nos com empresas e grupos econômicos que influenciam poderosamente a dinâmica das atividades agrárias, com profundas repercussões em suas estruturas (MÜLLER, 1989, p.34).

A interação entre agricultura-indústria não aconteceu de forma que envolvesse todos os produtores de um modo geral. O fato de os complexos agroindustriais terem expandido a utilização de novas tecnologias, como o uso de informática, microeletrônica, biotecnologia etc. provocou a marginalização dos pequenos produtores. Assim, pode-se afirmar que o capital, por meio destes instrumentos, tem monopolizado o campo, pois os custos destas novas tecnologias são altos e inatingíveis pelo pequeno produtor. Delgado analisa outros efeitos dessa transformação:

O processo de modernização da agricultura provoca intensa diferenciação entre as regiões e exclusão de grupos sociais. É um fenômeno que não contribui para encurtar a distância existente entre o grande e o pequeno produtor no país, mas pelo contrário, contribui para aumentá-la (DELGADO, 1985, p. 52).

Conforme se vê, a exclusão dos produtores mais pobres opera sobretudo porque com a modernização a agricultura se tornou cara e de difícil acesso. Segundo Teixeira (2005), à medida que o campo se industrializa vai substituindo os insumos que eram produzidos na própria propriedade por outros produzidos por setores não-agrícolas. Desta maneira, a agricultura brasileira passa a dividir em clivagens sociais definidas, porque o processo de inserção do capital é altamente concentrador. Assim, Prado Júnior afirma que:

A parcela da humanidade que vive em função da agropecuária brasileira, nada tem de homogênea, e muito pelo contrário, se encontra profundamente diferenciada e classificada em setores largamente apartados, que são de um lado, uma pequena minoria de grandes proprietários que não atingem 10% da população rural (incluindo famílias, empregados), e do outro lado, a grande maioria dessa população que vive em péssimas condições (PRADO JÚNIOR, 1987, p.20).

Esta diferenciação que a monopolização do capital provocou não se deu somente entre produtores. Ela acirrou ainda mais as diferenças entre as regiões brasileiras, pois é inegável que a agricultura do Centro-Sul do país é bem mais tecnificada que nas demais regiões.

Então, é possível admitir três teses sobre o processo de modernização da agricultura por meio da inserção do capital no campo brasileiro: primeiro, ela não é homogênea, já que apresenta desigualdades regionais; segundo, o capital subordina a todos, especialmente no processo de exclusão do pequeno agricultor; e por último, a modernização contribui para manter e reforçar a concentração de terras historicamente presente na realidade agrária brasileira.

Contudo, avalia-se que a introdução do capital no campo atingiu o seu maior objetivo que é o aumento da produção e da produtividade, porém não se atentou para as conseqüências dos seus impactos que afetaram a sociedade e provocaram metamorfoses desastrosas no mundo do trabalho. Outro fato que fica patente com a penetração do capital no campo é a monopolização do território demonstrada, por meio da concentração de terras. Isto tem provocado críticas à estrutura fundiária do Brasil, que é seletiva e excludente.

A inserção do capital no campo tem suscitado a monopolização do espaço agrário e da riqueza produzida nele, dando origem ao agricultor capitalista e, contraditoriamente, empobrecendo e as vezes até proletarizando os atores da agricultura familiar. Com o monopólio capitalista do campo, prevalece a grande propriedade rural com técnicas inovadoras e modernas, o que precariza a situação sócio-econômica do pequeno agricultor, que mesmo passando por dificuldades para manter suas terras e obter delas uma renda mínima, não desiste. Pode-se assim dizer: alguns resistem com a produção voltada para subsistência, enfrentando a pobreza e a miséria em que o capital os relegam.

Portanto, pode-se afirmar que o pequeno agricultor no Brasil e principalmente no Nordeste, é símbolo de resistência e força, pois muitos ainda conseguem, mesmo precariamente, permanecer no campo e lutar contra as urdiduras do capital.