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Tendo em vista questões relativas ao curto período de tempo para o desenvolvimento da descrição e análise dos dados da presente dissertação, bem como as tarefas relacionadas à análise acústica qualitativa, quantitativa e estatística, esta seção apresenta uma breve inspeção articulatória com o objetivo de mais bem detalhar alguns aspectos das produções da criança já apontados na seção 4.1.

4.2.1 Os gestos articulatórios intrínsecos à produção do rótico

Conforme já evidenciado, CR apresentou, de forma preponderante, a partir da terceira coleta – na qual há a emergência da estrutura CCV –, a produção de taps, ainda que com durações maiores do que as constatadas nas produções das informantes adultas. Formas outras de produção, como segmentos retroflexos e vibrantes, foram igualmente atestadas, indiciando a presença de produções variáveis.

Nas produções com realização do tap, a inspeção articulatória dos dados identificou a produção de róticos formados por apenas um gesto de ponta de língua, conforme expresso na Figura 44 – aproximando-se do padrão do adulto –, o qual tem início ao final do elemento vocálico que o antecede.

(a) (b)

Figura 44 – Movimentos de ponta de língua na realização do tap em “prata” (primeira repetição da coleta #6), produzido por CR. Em (a), início do movimento de elevação da ponta da língua; em (b), movimento de máxima constrição. Da direita para a esquerda nas imagens, partes anterior e posterior da língua

Chama a atenção, nas imagens, o sulco formado na região do corpo da língua, característico de produções retroflexas. Na produção da informante AD2, o gesto de ponta de língua presente na produção do tap não apresenta o sulco constatado na configuração articulatória de CR, como pode ser visto na Figura 45.

Figura 45 – Movimento de máxima constrição de ponta de língua na realização do tap em prata (primeira repetição) por AD2. Da direita para a esquerda nas imagens, partes anterior e posterior da língua

A sequência do movimento de CR, no entanto, como pode-se constatar de (a) para (b) na Figura 44, apresenta apenas a elevação da ponta, sem encurvamento e sem retração do corpo.

Outras formas atestadas nas produções de CR são a produção de retroflexas e vibrantes, como pode ser constatado nas imagens dispostas nas Figuras 46 e 47:

(a) (b)

(c) (d)

Figura 46 – Movimentos de ponta de língua na realização do segmento retroflexo em prata (segunda repetição da coleta #6), produzido por CR. Em (a), início do movimento de elevação da ponta da língua; em (b), movimento de máxima elevação da ponta; em (c), início da retração do dorso; em (d), retração do dorso e encurvamento da ponta. Da direita para a esquerda nas imagens, partes anterior e posterior da língua

(a) (b)

(c)

Figura 47 – Movimentos reiterados de ponta de língua na realização da vibrante em preso1, quarta coleta, produzido por CR. Em (a), primeiro movimento de elevação da ponta da língua; em (b), leve abaixamento da ponta para a produção do segundo elemento vocálico; em (c), segundo movimento de elevação da ponta. Da direita para a esquerda nas imagens, parte anterior e posterior da língua

A inspeção articulatória dos dados confirma, portanto, os resultados da análise acústica no que concerne à presença de diferentes formas de róticos a constituir a estrutura CCV. O padrão do tap evidenciado na Figura 44, com a clara presença de um sulco na região do corpo, sinaliza, pois, para a instabilidade na coordenação do articulador. O movimento único, preciso, balístico de ponta esperado – conforme visualizado na produção de AD2 – não ocorre – caso da produção do retroflexo – ou ocorre “arrastado”, quase por dar sequência à constituição articulatória necessária à produção do retroflexo, ou ocorre de forma repetida, constituindo os segmentos vibrantes.

4.2.2 A coordenação gestual: o rótico e o elemento vocálico

Os resultados já evidenciados na seção 4.1 indicaram o papel central do elemento vocálico na coordenação gestual que constitui a sílaba CCV. Nos dados de CR, o elemento vocálico se apresenta com maior duração em comparação às produções das adultas, mas essa duração é variável.

A Figura 48 evidencia a forma variável com a qual a duração do elemento vocálico se apresenta nos dados de CR.

(a)

(b)

Figura 48 – Imagens acústicas do software AAA do elemento vocálico presente em duas ocorrências de “prata” (primeira e terceira repetições da coleta #6) de CR. Em (a), elemento vocálico mais longo, antecedendo a produção do tap; em (b), elemento vocálico mais curto antecedendo a produção do tap. Da direita para a esquerda nas imagens, partes anterior e posterior da língua

A criança está, na verdade, adquirindo o padrão do português que prevê a realização do gesto de ponta de língua do rótico após o desdobramento inicial do gesto vocálico, desta forma, surgem formas mais longas e menos longas.

Confirmando o proposto por Silva, Clemente e Nishida (2006), o tap se sobrepõe ao gesto vocálico – ainda que não o entrecorte –, deixando-o eclipsado por alguns poucos milissegundos.

A discussão acerca da qualidade do elemento vocálico, discutida pelos autores com base em dados acústicos, pode ser aqui aprofundada com base na inspeção articulatória.

Na Figura 49, observa-se a comparação dos traçados da borda da língua de CR, para o gesto de máxima de constrição do elemento vocálico e da vogal nuclear nas três repetições de “prata” da coleta #6, produzidas por CR.

Figura 49 – Teste-t do gesto de máxima constrição do elemento vocálico e do gesto de máxima constrição da vogal nuclear nas três ocorrências de “prata” da coleta #6, produzidas por CR. À direita do gráfico, parte anterior do trato vocal; à esquerda, parte posterior do trato vocal.

A análise dos traçados das bordas da língua, por meio do software AAA, não evidenciou diferenças significativas quando comparada a média do gesto de maior constrição do elemento vocálico com a média do gesto de maior constrição da vogal nuclear. Tal resultado indicia, pois, que elemento vocálico e vogal nuclear são parte da vogal que constitui a sílaba CCV.