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4 ESCOLHAS METODOLÓGICAS DA PESQUISA: IDEALIZAÇÕES,

4.3 INSPIRAÇÃO HERMENÊUTICA DIALÉTICA PARA CONSTRUÇÃO

Para a análise dos dados me inspirei na proposta operativa da Hermenêutica Dialética idealizada por Minayo (2008) entendendo que tal proposição coaduna com a postura epistêmica pensada e com a metodologia de produção de dados utilizada na pesquisa, fornecendo um quadro referencial que permite uma análise contextualizada que leve em conta tanto o que foi observado no cotidiano das mulheres no Sertão, quanto suas falas, posturas e comportamentos fornecidos em entrevista.

Na articulação entre a hermenêutica e a dialética, embora se tratem de campos distintos, cada uma contribui com a construção de um modo de pensar e fazer ciência. A partir da leitura de Minayo (2008) da hermenêutica, é possível compreender a intersubjetividade entre pesquisadora e participantes da pesquisa como o campo onde os dados são produzidos, se fazendo necessário respeitar, ser empática e entender as falas das mulheres como dotadas de sentido e expressão de seus contextos. Para a hermenêutica, não se trata de buscar uma essência do discurso, mas de respeitar os significados do outro e, para tanto, é preciso se aproximar e estar ciente dos contextos que permeiam cada ator. O cotidiano surge, na hermenêutica, como lugar de privilégio onde nasce o discurso e de onde parte a análise, pois é nele onde ocorre o encontro intersubjetivo que permite a interpretação e a compreensão.

A dialética, por sua vez, contribui com a análise ao agregar a possibilidade da crítica e abrir espaço para as contradições que emergem das diferentes categorias sociais que se entrecruzam nos sujeitos. Ambos os métodos de produção de conhecimento se pautam na compreensão dos sujeitos em suas relações, se dedicam às estruturas que condicionam os sujeitos individual e coletivamente, mesmo as estruturas que se contrapõem, mas a dialética, de acordo com Minayo (2008), enfatiza os processos de transformação e busca dialogar com os macroprocessos que circundam os significados pessoais.

1 A Hermenêutica Dialética, embora se constitua um campo de pesquisa, serve aos propósitos desta dissertação

enquanto inspiração no que se refere aos procedimentos metodológicos propostos por Minayo (2008), de modo que não se trata de um estudo propriamente deste campo, mas de uma aproximação parcial, ainda que se proponha cuidadosa, de tal forma de análise.

Partindo da articulação de ambos os campos, Minayo (2008) estrutura operacionalmente, em termos mais diretivos, de que modo uma análise Hermenêutica Dialética pode proceder. A autora parte, em um primeiro plano, da necessidade de descrever as determinações fundamentais, o contexto sócio histórico das pessoas que participam da pesquisa. Desse modo, enfocando suas recomendações operacionais, tanto na descrição metodológica, quanto nos capítulos teóricos, as questões relativas ao ambiente e às mulheres que observei e entrevistei foram definidas de modo a esclarecer o lugar onde me inseri, em que condições me apresentei e de que pressupostos parti.

O segundo momento interpretativo, tido em outras metodologias como a análise de dados propriamente dita, se estrutura nos fatos empíricos. É preciso buscar tanto o sentido das falas das participantes, quanto vinculá-las à significação cultural, ao momento histórico e às estruturas circundantes. Nesse momento, a análise contempla não só comunicações diretas, que no caso são as entrevistas, como também o que foi observado de costumes, hábitos, comportamentos, rituais e interações informais.

A partir do material de análise são construídas categorias de analíticas, pensadas desde o contato com a teoria - no caso, demandas, rede de apoio e relações de gênero na rede - e categorias empíricas e operacionais. Para tanto, Minayo (2008) propõe, inicialmente, a ordenação dos dados, de modo que as entrevistas realizadas com as participantes foram transcritas e literalizadas, demarcando pausas, risadas e interrupções. Após a transcrição, o conjunto de dados foi lido, organizado e classificado em três etapas.

A primeira etapa de classificação foi a leitura horizontal e exaustiva dos textos, também chamada de leitura flutuante, procurando compreender cada entrevista e os momentos chave descritos no diário de campo que lançam luz sobre os objetivos, ajudando a construir as categorias empíricas: problemáticas vivenciadas, prestadores de assistência e tensões na rede. As categorias empíricas representam o que aparece nos dados em nível concreto e servem para estabelecer interrelações com as categorias analíticas já estabelecidas.

A segunda etapa de classificação exigiu uma leitura transversal dos subconjuntos e do conjunto de dados como um todo, construindo um recorte destes de acordo com as categorias analíticas. Assim, cada categoria empírica foi agrupada a uma categoria analítica equivalente. Por exemplo, os pontos das entrevistas ou da observação que fazem referência às necessidades das mulheres ou às suas dificuldades que representam omissões governamentais, classificadas enquanto problemáticas vivenciadas, foram agrupadas sob a categoria analítica das demandas. Do mesmo modo, as pessoas, grupos ou instituições que fornecem auxílio ou amparo às mulheres chefes de família pesquisadas, considerados prestadores de assistência, citados por

elas ou registrados em diário de campo, foram identificados enquanto componentes da rede de

apoio. Já todos os conflitos, contradições, inconsistências ou padrões estabelecidos de alguma

forma pouco igualitária dentro da rede que oferece suporte às mulheres, nomeados como pontos de tensão na rede, foram agrupados para servir de base na análise das relações de gênero em tal rede.

A última etapa de análise busca construir um conhecimento pautado no concreto pensado, desse modo, inspirada nas proposições de Minayo (2008), procurei utilizar o material empírico como ponto de partida e ponto de retorno da análise. Busquei, partindo da dialética, fazer da análise um movimento circular, apresentando os relatos, as falas e o observado, correlacionando com o lugar histórico e social, com as produções anteriores sobre o tema e utilizando os dados produzidos em campo para intentar construir um conhecimento que agregue o peculiar e contribua com a temática como um todo, tendo em mente as limitações de minha parcialidade, dos meus recortes, locais de fala e conhecimentos prévios enquanto determinantes desta produção.

Na mesma perspectiva, Oliveira (2006) propõe que durante a análise, o pesquisador não simplesmente traduza dados empíricos em conceitos, mas que toda análise é uma interpretação, permeada pelos conceitos básicos constitutivos da área de conhecimento do pesquisador. Os dados, sejam eles produzidos em observação (pelo ver) ou em entrevista (pelo ouvir), são sempre em parte construídos pelo pesquisador. Desta forma, durante a análise, os dados e a malha conceitual que a fundamentam, guardam entre si uma relação dialética que serve de base para a elaboração de um texto final.

A referida reflexão justifica-se, conforme Haraway (1995), na necessidade de resistir à simplificação e a fixidez dos fatos, admitindo-se gaguejar, explicar parcialmente, interpretar, sem perder o criticismo, o engajamento político em prol da heterogeneidade e da responsabilidade pelo que se vê e se traduz. Nesse sentido, a ciência que se intenta privilegia conhecimentos locais ao mesmo tempo em que dialoga com a necessidade de construir traduções em uma linguagem comum e com as teorias sistêmicas em voga, de modo que possam ser acessadas e ressonar, espera-se, na construção de políticas públicas e práticas mais afinadas com a realidade.