• Nenhum resultado encontrado

A instabilidade nos serviços públicos e seus efeitos sobre os trabalhadores

1.3. O trabalho no serviço público federal: contradição em processo?

1.3.4. A instabilidade nos serviços públicos e seus efeitos sobre os trabalhadores

Ao analisar as mudanças no Estado brasileiro, processadas desde o início dos anos 90, e confrontá-las com uma perspectiva de democratização e aperfeiçoamento do Estado e da proteção social, inserida em boa medida nos preceitos da Constituição Federal de 1988, percebe- se que foram em sentido contrário. Antes que os direitos fossem regulamentados, iniciou-se uma reação conservadora que envolveu a adoção de uma série de reformulações e medidas que repercutiram, concomitantemente, na redução da capacidade do Estado formular e executar políticas públicas de proteção social e na ampliação dos graus de flexibilidade das relações de trabalho. No que toca à estrutura do Estado, isso se deu de diferentes maneiras, seja por meio da

desconstrução direta do aparato estatal - mais característica da fase inicial de reforma (com a privatização de órgãos públicos, eliminação de parcelas do patrimônio estatal) - ou através da recorrente minimização de sua capacidade orçamentária e técnica e da abertura de espaços privados de acumulação no setor público.

O período inicial aqui considerado (1990-2002) desmontou o Estado. Propagando o mito do inchaço, da ineficiência e da necessidade de recuperar as “contas públicas”, em diversas dimensões, os sucessivos governos promoveram políticas que foram ruins não só para os trabalhadores do setor, mas para a sociedade como um todo, como lembram em alguns aspectos GOMES et. al. (2012, p. 171):

“O debate sobre o ‘inchaço’ do setor público muitas vezes oculta uma discussão de grande importância: a que diz respeito ao comprometimento de serviços essenciais de provisão integral/parcial realizados pelo Estado. Dito de modo diverso, a redução do número de servidores públicos, dependendo da forma como for realizada, pode afetar a provisão de serviços de saúde, educação, assistência social, previdência etc. Há indícios de que houve comprometimento no fornecimento de muitos desses serviços.”

Se os limites eventualmente impostos a esse processo de desmonte encontravam seus fundamentos na resistência organizada, o período inaugurado em 2003, entretanto, não significou a recuperação do Estado e a ampliação de sua capacidade de proteção social, como pareciam esperar boa parte dos que se opunham ao modelo adotado nos anos 90. Um dos aspectos mais reveladores, nesse sentido, diz respeito à política para a seguridade social, cujas sucessivas mudanças ampliaram significativamente a insegurança dos trabalhadores. Como lembra BOSCHETTI (2008, p. 103-104):

“Diversas contra-reformas, como as da previdência de 1998, 2002 e 2003, sendo as primeiras no Governo Fernando Henrique Cardoso e a última no Governo Lula, restringiram direitos, reforçaram a lógica do seguro, reduziram valor de benefícios, abriram caminho para a privatização e para a expansão dos planos privados, para os fundos de pensão e ampliaram o tempo de trabalho e contribuição para obter a aposentadoria. Foram contra-reformas na direção de restringir os direitos e não de universalizá-los, como apontava a Carta Magna.”

GRANEMANN (2009) relaciona as contrarreformas do Estado, na etapa atual do capitalismo, à extensão “da lógica das finanças para a totalidade da vida social”, conformando “uma sociabilidade na qual as políticas sociais mínimas operadas pelo Estado”, viabilizadas por meio “de instrumentos creditícios e financeiros”, se transformam em “elementos de financeirização no cotidiano dos trabalhadores” e, portanto, são validadas “na esfera da monetarização da vida” (p. 58). Presentes, na continuidade da política para a previdência, bem

como para outras políticas sociais, estiveram os principais elementos apontados pela autora ao caracterizar essas contrarreformas: “articulação estreita entre a política pública e o serviço privado, monetarização do direito social, focalização e reforço à fragmentação da força de trabalho pela especialização dos benefícios concedidos” (p. 57), conjunção que contribuiria para consolidar uma transmutação de políticas sociais em serviços privados (p. 63).

BOITO JR. (2006, p. 241), discorrendo sobre o tema, coloca que:

“... a mercadorização de direitos e de serviços como saúde, educação e previdência também atende, de modo variado, à diferentes setores da burguesia – desenvolvem-se os negócios de uma fração burguesa que denominamos nova burguesia de serviços, beneficiária direta do recuo do Estado na área dos serviços básicos, e reduz-se, ao mesmo tempo, gastos sociais tradicionais, atendendo à pressão do grande capital.” Ainda que nos anos mais recentes haja movimentos contraditórios, que se processam de maneira mais relevante no que toca a algumas políticas sociais compensatórias, a uma política de acréscimo da força de trabalho no serviço público federal e certa recomposição salarial em relação ao período anterior, esses não são capazes de representar um real avanço do papel do Estado na proteção social e nas relações de trabalho. Portanto, pode-se sintetizar que, desde o início dos anos 90, há no Brasil um processo ininterrupto, embora não linear, de desconstrução do que houve de avanços sociais inscritos na Constituição, mesmo que por vezes se mantenha seu texto intocado.

Tampouco se pode falar em maior democratização das relações entre Estado e sociedade, por meio de maior participação na formulação ou da instituição plena de mecanismos de controle social. Ainda que sob maior transparência na quantificação do que ocorria na esfera pública federal, no modelo recente a retórica pró-reformas se manteve e, em meio a sua aplicação e imposição prática, incluindo sempre uma visão de inevitabilidade e a tentativa de desqualificação de qualquer oposição ou resistência, muitas vezes caracterizada como defesa de privilégios.

No que diz respeito ao trabalho no setor público, as transformações operadas no Estado foram em sentido semelhante ao das pressões e das mudanças do mercado de trabalho como um todo: os movimentos recentes são contraditórios, e apresentam aspectos positivos em relação ao contexto anterior; mas com elementos de persistência. O saldo do período que se estende desde o início dos anos 90 é de eliminação de postos de trabalho estáveis no serviço público, retirada de direitos historicamente conquistados, aumento da insegurança dos

trabalhadores, ampliação da utilização de instrumentos de flexibilização e precarização do trabalho, a exemplo das terceirizações e das contratações temporárias, entre outros.

Quanto às relações do Estado com os seus servidores, ainda que no segundo período em estudo (a partir de 2003) tenham sido anunciadas e adotadas medidas alvissareiras - como as mesas de negociação permanente - que poderiam prenunciar uma melhora, na prática, se manteve unilateralidade nas decisões, sob uma aparência de maior democracia. Mesmo que o governo federal tenha feito um esforço (bastante divulgado) para reformular algumas carreiras, esse processo, implementado de maneira diferenciada e segmentada, não implicou a construção de significativas mudanças positivas, tais como uma expressiva redução do leque salarial74 entre os

servidores, a garantia de paridade na aposentadoria ou a maior valorização do conjunto do funcionalismo.

De maneira geral, as mesas de negociação sempre se iniciaram com imposições e limites máximos, capazes de praticamente determinar a impossibilidade de avançar na maior parte das questões apresentadas. As representações dos trabalhadores nunca foram chamadas a discutir organização do Estado ou gestão pública. Não há alterações determinantes nos processos de negociação coletiva, na formulação de uma política salarial, nas formas de nomeação para cargos comissionados, ou quaisquer outros instrumentos que poderiam ser caracterizados como democratização das relações de trabalho.

Essas considerações são importantes para que se compreenda a visão crítica que aqui se apresenta à formulação e condução do Estado no conjunto do período em tela, desde o início dos anos 90. Critica-se a minimização do papel do Estado em relação à cobertura e proteção social; os processos de privatização e mercantilização do setor público; as estratégias de retirada do poder público de áreas que, não consideradas como exclusivas de Estado e não pertencentes ao que é classificado como núcleo estratégico, passariam a estar submetidas a processos de descentralização, publicização, terceirização; e critica-se ainda a gestão gerencialista, que impõe a lógica de flexibilização e precarização do trabalho.

74 Ainda que tenha havido redução no período, para o caso dos servidores em atividade. Conforme os boletins

estatísticos do Ministério do Planejamento nº 81 (janeiro/2003) e nº 237 (janeiro/2016), no topo da tabela, em dezembro de 2002 o maior salário representava 22 vezes o menor salário atribuído aos servidores públicos federais do Executivo; em dezembro de 2015, esse indicador era de 19 vezes. Persistem, entretanto, muitas disparidades entre as diferentes carreiras, além de terem-se ampliado as diferenças entre remunerações de ativos e aposentados.

Para que os números não ofusquem o que se pretende de fato analisar, cabe destacar que este estudo se insere em um campo particularmente crítico à adoção de formas flexíveis de trabalho nos serviços públicos (bem como no mercado de trabalho como um todo), bem como à desconstrução de direitos. Tais práticas, que muitas vezes são tomadas como “normais” ou “necessárias” pelos gestores públicos, associadas tanto aos pressupostos da “moderna administração” gerencial, como a uma condição de inevitabilidade diante das restrições - ou da busca do que seria a “eficiência encontrada no setor privado” - tratam-se em verdade, como aqui já se buscou demonstrar, de adotar modelos e práticas de gestão que apontam para a precarização do trabalho nos serviços públicos.

Tal como indica SENNETT (2009, p. 33), “a instabilidade pretende ser normal”; porém, a condição de instabilidade, de provisoriedade, de incerteza quanto ao futuro, que marca cada uma dessas formas de relação do Estado com parte expressiva da força de trabalho que conduz, opera e presta os serviços públicos, não deve ser assim considerada, sob pena de se passar a considerar “normal” ou “inevitável” cada um dos aspectos desumanos associados à intensificação do trabalho, ou à destruição de direitos, ou à desigualdade.

Da mesma forma, diante da precarização do trabalho que atinge a todos, instáveis e estáveis, ativos e aposentados, por meio das diferenças de remuneração, ou da intensificação do trabalho, com uma sobrecarga maior destinada a todos os que estão nos serviços públicos, da inserção de maiores controles sobre os trabalhadores, da exigência de maior polivalência/multifuncionalidade aos que restaram, ou mesmo da adoção de formas de remuneração variável condicionadas ao desempenho, não se vê também qualquer aspecto positivo na flexibilização adotada como política de gestão do Estado. Assim como SENNETT (2009) também marca e reforça, a flexibilidade aparece como um elemento fortemente negativo na vida dos trabalhadores, posto que, dependente tão somente dos pressupostos trazidos pelo curto prazo, destrói qualquer constância e estabilidade. Afinal, “[a] repulsa à rotina burocrática e a busca da flexibilidade produziram novas estruturas de poder e controle, em vez de criarem as condições que nos libertam” (p. 54).

Essa também é a visão presente em GAULEJAC (2007). A gestão gerencialista do trabalho que visa orientar condutas e estabelecer culturas corporativas - no setor privado ou público - tenta arrancar do trabalhador um ideal de indivíduo capaz de se adaptar às exigências da nova ordem, em meio à necessidade de contenção de gastos, às restrições de recursos materiais e

de pessoal. Nesse contexto, precisa ser polivalente, criativo, deve assumir responsabilidades e riscos. Deve ser flexível o suficiente para contornar instabilidades, superar adversidades, fazer sempre mais, melhor, mais rápido. Para o autor (p. 36-37):

“Sob uma aparência objetiva, operatória e pragmática, a gestão gerencialista é uma ideologia que traduz as atividades humanas em indicadores de desempenhos, e esses desempenhos em custos ou em benefícios.

Indo buscar do lado das ciências exatas uma cientificidade que elas não puderam conquistar por si mesmas, as ciências da gestão (...) legitimam um pensamento objetivista, utilitarista, racionalista e positivista. Constroem uma representação do humano como um recurso a serviço da empresa, contribuindo, assim, para sua instrumentalização.

(...) O gerencialismo pela qualidade (quality management) é uma ilustração, entre outras, das mutações nos modos de dirigir e de avaliar a produção, dos efeitos de poder que elas induzem e do modo com que elas contribuem para normalizar os comportamentos, eliminando toda crítica. A gestão gerencialista é uma mistura não só de regras racionais, de prescrições precisas, de instrumentos de medida sofisticados, de técnicas de avaliação objetivas, mas também de regras irracionais, de prescrições irrealistas, de painéis de bordo inaplicáveis e de julgamentos arbitrários. Por trás da racionalidade fria e ‘objetiva’ dos números dissimula-se um projeto ‘quantofrênico’ (a obsessão do número) que faz os homens perderem o senso da medida.”

Essa transposição acrítica da lógica gerencial utilitarista privada para o ambiente público pode implicar maiores dificuldades de identificação entre o servidor e o que este produz, frustrando as possibilidades de autonomia e contribuindo, assim, para um eventual processo de alienação no trabalho. O mesmo estudo (p. 100), mencionando os vários controles, normatizações, rotinas pré-estabelecidas em busca da “qualidade total”, aponta as contradições do modelo gerencial:

“Aqui tocamos na ambiguidade permanente do poder gerencialista, que reside na defasagem entre as intenções anunciadas de autonomia, de inovação, de criatividade, de desabrochamento no trabalho, e a aplicação de dispositivos organizacionais, produtores de prescrição, de normalização, de objetivação, de instrumentalização e de dependência.”

Os instrumentos de fiscalização “permitem tornar públicos os resultados de cada um, de efetuar comparações, de produzir equivalências entre o trabalho de uns e de outros” (GAULEJAC, 2007, p. 101), facilitando a identificação dos que eventualmente se distanciarem do cumprimento das normas pré-estabelecidas, pegos “em falha por insuficiência”. Este trabalhador que se desvia dos modelos é tido como “incapaz, incompetente ou insuficientemente motivado”, ou “responsável pelos defeitos do sistema” (p. 121). Dentro da hierarquia das organizações, para aqueles que serão submetidos ao controle, questionar as normas passa a ser considerado praticamente como um delito.

É assim que, em várias áreas do setor público, adotam-se sistemas de avaliação estandardizados. Como no caso da educação pública federal, na qual os sistemas avaliativos aplicados desde 1998 medem, a partir de determinados critérios, a qualidade do “produto final”, ignorando o processo envolvido na construção do ensino e da aprendizagem. Com base nessa limitada mensuração, constroem-se indicadores de produtividade que embasam a distribuição de recursos de determinados programas e projetos, o que estabelece em âmbito público uma lógica de competitividade e concorrência. BOSI (2007, p. 1.513), a esse respeito, comenta:

“... a pressão exercida para aumentar a quantidade de trabalho dentro da jornada de 40 horas tem se concretizado, principalmente, alicerçada na idéia de que os docentes devem ser ‘mais produtivos’, correspondendo à ‘produção’ a quantidade de ‘produtos’ relacionados ao mercado (aulas, orientações, publicações, projetos, patentes etc.) expelidos pelo docente. Por um lado, evidencia esse processo o direcionamento empresarial da ciência, tecnologia, pesquisa e desenvolvimento, presente nos editais dos órgãos de fomento à produção científica. Cada vez mais, o CNPq e as fundações estaduais de apoio à pesquisa têm convertido seus recursos para pesquisas e estudos que aparelhem e potencializem a capacidade de reprodução do capital, desenvolvendo uma razão instrumental que pode ser facilmente verificada no caráter dos editais divulgados. O perfil de pesquisa que escorre caudalosamente desses editais termina por ditar o padrão para a produção acadêmica em geral. Uma das conseqüências desse processo é que a qualidade da produção acadêmica passa então a ser mensurada pela quantidade da própria produção e por valores monetários que o docente consegue agregar ao seu salário e à própria instituição.”

Sob a mesma lógica, ao mesmo tempo, o “novo servidor” deve ser capaz de responder ainda a uma sociedade que, por meio de uma campanha bem sucedida por parte de sucessivos governos e de uma grande mídia privatista, estigmatizou a figura do trabalhador do serviço público como símbolo de morosidade, ineficiência, corrupção, privilégios. A retórica e a política da excelência, da qualidade, da eficácia, do desempenho, da meritocracia, impõem uma resposta centrada no desgaste e no esforço do indivíduo, e não na estruturação do Estado. As exigências jamais podem ser satisfeitas, pois sempre é possível melhorar e readaptar-se mediante novos contextos restritivos.

Segundo o Ministério do Planejamento75, em dezembro de 2015 havia 231.533 cargos

vagos nas diferentes carreiras do Poder Executivo, o que representaria 30% do total. Em alguns órgãos/carreiras, a proporção de cargos vagos assume dimensão mais preocupante, como nos casos do IBGE, INPI, INCRA, INMETRO, Receita Federal, Previdência, Saúde e Trabalho, entre

75 Conforme os dados disponíveis em <http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/servidor/

outros. Pode-se supor que, em muitas instituições públicas, na ausência da devida reposição dos cargos vagos por meio de concursos, trabalha-se com quadros de pessoal reduzidos face às demandas, o que muito provavelmente acarreta sobrecarga de trabalho e pressões produtivistas sobre os servidores em atividade.

BERNARDO et al. (2013), analisando a partir de estudo de caso alguns aspectos do trabalho na área pública de saúde, notam que “a necessidade contínua de produção modificou negativamente as relações interpessoais no ambiente de trabalho de uma forma similar à destacada por LINHART (2009)”. Os autores referem-se à construção do controle subjetivo sobre os trabalhadores, a partir da constituição de espaços de trabalho nos quais as relações com os demais (superiores, colegas) se dão em função do que a organização necessita e em prol da eficácia. Mencionam que, com todos trabalhando de maneira cada vez mais individualizada e com atenção às cotas/metas que precisam cumprir, torna-se difícil até mesmo conhecer os demais colegas de trabalho. Portanto, vê-se que a sociabilidade no trabalho pode ser alterada a partir das restrições e dos controles impostos no setor público.

Esse movimento de “apartar-se do próximo” distancia, desconstrói laços de solidariedade. Assim, impacta sobre as possibilidades de identificar-se coletivamente, de organizar-se, de resistir. Se isso é verdade para trabalhadores reunidos sob condições semelhantes no local de trabalho, é, todavia, mais intensa a segmentação que tende a se processar entre trabalhadores dotados de diferentes direitos, submetidos a distintas condições de trabalho e de remuneração, ou entre os trabalhadores que se concentram dentro e os que estão fora do local de trabalho. Portanto, a funcionalidade da gestão gerencialista e da diferenciação dos direitos revela- se como um aspecto importante de dominação, controle e inibição das resistências.

Ao mesmo tempo em que demanda, cada vez mais, formas mais flexíveis de uso do trabalho, e um perfil de trabalhador mais escolarizado, mais ágil, pró-ativo, adaptável, móvel, aberto a mudanças, o Estado “moderno” oferece mais insegurança. Destina insegurança aos trabalhadores temporários, que sabem o limite máximo, mas não o mínimo de seus contratos com o Estado, que não sabem quando serão dispensados, e que se sabem detentores de direitos muito mais escassos em relação aos demais servidores. Confere insegurança aos trabalhadores efetivos em atividade, que não sabem quando e sob quais condições se aposentarão do serviço público, ou quais direitos perderão ao longo de sua vida laboral, ou o quanto sua remuneração real será comprimida, de acordo com as restrições de cada momento. Imprime insegurança aos

aposentados, que em sua retirada do serviço público conhecem de maneira mais intensa a desigualdade, perdem parcelas importantes da remuneração, tornam-se mais empobrecidos. E a todos eles, direciona a insegurança de, a qualquer momento, terem que sujeitar-se a condições ainda piores, dado o surgimento de novas regras que os desprotejam ainda mais.

A perspectiva segundo a qual aqui se está tratando da flexibilização do trabalho, portanto, não está associada a qualquer aspecto de maior liberdade aos trabalhadores, e sim à sua fragilização. É partindo desse pressuposto que serão construídos os capítulos seguintes da dissertação, buscando contribuir com os vários estudos que, sob semelhante perspectiva, estudam a precarização do trabalho e seus efeitos nos serviços públicos, agregando a estes a análise do caso específico dos trabalhadores do IBGE.

2. IBGE: um instituto em transformação ou em adaptação às contenções?

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística é uma respeitável instituição octagenária. Fundada nos anos 30 como parte do esforço de organização do Estado brasileiro76,

sua origem e razão de ser advém da necessidade de construir informações estatísticas nacionais confiáveis, constantes e padronizadas, ao mesmo tempo proporcionando o mapeamento e o conhecimento do território e dos seus recursos naturais. Para PENHA (1993), o Instituto contribuiu para a constituição e o fortalecimento do Estado Nacional. Celso Furtado, pesquisador