B) FIXAÇÕES DE M ETAS SEXUAIS PROVISÓRIAS
4. O INSTINTO SEXUAL NOS NEURÓTICOS
A PSICANÁLISE Uma contribuição importante ao co nhecimento do instinto sexual, em pessoas que ao me nos se acham próximas das normais, pode vir de uma fonte que alcançamos apenas por determinada via. Há somente um meio de conseguir, sobre a vida sexual dos assim chamados psiconeuróticos (os acometidos de his teria, neurose obsessiva, da erradamente denominada "neurasteia", certamente também de dementia praecox,
paranoia) ,* informação sólida e que não induza a erros: submetendo-os à indagação psicanalítica, utilizada no procedimento terapêutico introduzido por Josef Breuer e por mim em 1893, então denominado "catártico".
Devo antes explicitar, como fiz em outras publi cações, que essas psiconeuroses - até onde vai mi nha experiência - assentam em forças instintuais sexuais.** Não quero dizer, com isso, que a energia do instinto sexual faz uma contribuição para as forças que mantêm os fenômenos patológicos (os sintomas);
senvolvimento rumo ao complexo de Édipo, após a repressão do qual reaparece o componente constitucionalmente mais forte do instinto sexual.
* Nas edições anteriores a 1915, havia apenas "provavelmente tam bém paranoia" no lugar das seis últimas palavras.
** No original: sexuelle Triehkriifie. Nas versões consultadas: fueqas instintivas de carácter sexual, fuer'{_as pulsionales de carácter sexual, foqe pulsionali sessuali,forces pulsionelles sexuelles, sexual instinctual forces. Registremos que o termo Triehkriifie também poderia ser tra
duzido pelo significado que tem na linguagem corrente, "forças motrizes" - daí a explicação no parágrafo seguinte do texto.
TR�S ENSAIOS SOBRE A TEORIA OA SEXUALIDADE
quero afirmar expressamente, isto sim, que esse apor te é o único constante e a mais importante fonte de energia da neurose, de maneira que a vida sexual das pessoas em questão se manifesta ou exclusivamente, ou predominantemente ou apenas em parte nesses sintomas. Como disse em outro lugar,* os sintomas são a atividade sexual dos doentes. A prova para essa afirmação me é dada pelo número crescente de psica nálises de pessoas histéricas e outros neuróticos que venho conduzindo há 25 anos,** de cujos resultados informei detalhadamente em outros locais e continua rei informando. 30
A psicanálise elimina os sintomas dos histéricos com base na premissa de que são o substituto - como que a transcrição - de uma série de processos psíquicos, tendências*** e desejos investidos de afetos, que um pro cesso psíquico especial (a repressão) privou do acesso à
*Análise fragmentária de uma histeria, 1905, "Posfácio", p. 307 des te volume.
** Na edição de 1905 constava "há dez anos"; o número foi atuali zado a cada nova edição, até 1920.
30 [Nota acrescentada em 1920:) Significa apenas completar, e não atenuar essa afirmação, se a reformulo da seguinte maneira: Os sintomas neuróticos assentam, por um lado, nas reivindicações dos instintos libidinais, e, por outro lado, nas objeções do Eu, na reação àqueles.
*** No original: Strehungen; nas versões consultadas: tendencias, aspiraciones, aspira{ioni, tendances, desires. Duas outras complica ções, ao traduzir esse trecho, são o fato de que o adjetivo "psíqui cos" vem anteposto aos substantivos "processos, tendências e desejos", como todo adjetivo em alemão (e inglês, como se sabe), e pode, assim, estar qualificando os três, não apenas o primeiro, e
resolução* mediante a atividade psíquica capaz de cons ciência. Portanto, essas formações mentais, retidas no estado de inconsciência, buscam uma expressão adequa da a seu valor afetivo, uma descarga, e a encontram, na histeria, mediante o processo da conversão, em fenôme nos somáticos - os sintomas histéricos. Com o auxílio de uma técnica especial, seguindo determinadas regras, os sintomas são transformados de volta em ideias inves tidas de afetos, tornadas conscientes, e podemos obter conhecimentos precisos sobre a natureza e a origem des sas formações psíquicas anteriormente inconscientes.
RESULTADOS DA PSICANÁLISE Dessa maneira se ve rificou que os sintomas representam um substituto para impulsos** que extraem sua força da fonte do instinto sexual. Harmoniza-se inteiramente com isso o que sa bemos sobre a natureza dos histéricos - aqui tomados como modelos de todos os psiconeuróticos - antes do adoecimento, e sobre as ocasiões para o adoecimento. O caráter histérico denota um quê de repressão sexual
que vai além da medida normal, uma intensificação das
de que o termo original desse primeiro, Vorgiinge, pode significar também "eventos, acontecimentos". Em seguida, na mesma fra se, a palavra também vertida por "processo" é seu equivalente, Pro1_e{3, que a língua alemã tomou do latim.
* No original, Erledigung, do verbo erledigen, que significa "apron tar, despachar, liquidar, resolver, pôr em ordem, executar etc."; compreensivelmente, as versões consultadas variam nesse ponto: exutorio, tramitación, elimina1_ione, réalisation, discharge.
**Strehungen; algumas das versões consultadas também variaram na tradução: tendencias, aspiraciones, impu/si, tendances, impulses.
TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE
resistências ao instinto sexual que conhecemos como vergonha, nojo e moral, uma fuga como que instintiva
[instinlctiv] ante a consideração intelectual do problema sexual, que em casos acentuados tem a consequência de se manter uma completa ignorância sexual até depois de atingida a maturidade sexual. 31
Não é raro, para a observação tosca, que esse traço essencial da histeria seja ocultado pelo segundo fator constitucional nela presente, pelo forte desenvolvimento do instinto sexual; mas a análise psicológica pode sempre revelá-lo e solucionar o contraditório enigma da histe ria, assinalando o par de opostos constituído por enorme necessidade sexual e exacerbada rejeição da sexualidade. Para o indivíduo predisposto à histeria, o motivo facilitador da doença ocorre quando, devido a seu pró prio amadurecimento ou a circunstâncias da vida, ele é confrontado seriamente com as exigências reais da se xualidade. Entre a pressão do instinto e o antagonismo da rejeição da sexualidade produz-se o expediente da enfermidade, que não resolve o conflito, e sim procu ra escapar dele mediante a transformação dos impulsos libidinais em sintomas. É uma exceção aparente o fato de uma pessoa histérica, um homem, digamos, adoecer como resultado de uma emoção banal, de um conflito em cujo centro não se encontra o interesse sexual. A psicanálise pode regularmente demonstrar que é o com-
31 Estudos sobre a histeria, 1895. Breuer diz, da paciente com a qual usou pela primeira vez o método catártico [Anna 0.): "O elemen to sexual era espantosamente pouco desenvolvido".
ponente sexual do conflito que possibilitou a doença, ao privar da resolução normal os processos psíquicos.
NEUROSE E PERVERSÃO Boa parte das críticas a es sas minhas teses se explicá, provavelmente, pelo fato de a sexualidade, à qual relaciono os sintomas psiconeu róticos, ser identificada com o instinto sexual normal. Mas a psicanálise vai além. Ela mostra que os sintomas não nascem apenas à custa do assim chamado instinto sexual normal (ao menos não exclusivamente ou predo minantemente), que representam, isto sim, a expressão convertida de instintos que poderíamos denominar per versos (no sentido mais amplo), se pudessem manifes tar-se diretamente em fantasias e atos, sem serem des viados da consciência. Assim, os sintomas se formam, em parte, à custa da sexualidade anormal; a neurose é, digamos, o negativo da perversão. 32
O instinto sexual dos psiconeuróticos mostra todas as aberrações que temos estudado como variações da vida sexual normal e como manifestações da vida se xual patológica.
a) Em todos os neuróticos - sem exceção - en contram-se, na vida psíquica inconsciente, impulsos de inversão, de fixação da libido em pessoas do mes mo sexo. Sem uma discussão aprofundada não se pode
32 As fantasias bem conscientes dos perversos -que em circunstân cias favoráveis são transformadas em ações -, os temores delirantes dos paranoicos, projetados hostilmente em outras pessoas, e as fanta sias inconscientes dos histéricos, que a psicanálise revela por trás dos seus sintomas, coincidem até em detalhes no seu conteúdo.
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apreciar adequadamente a importância desse fator na configuração do quadro clínico; posso apenas assegu rar que a tendência inconsciente à inversão jamais está ausente, e sobretudo no esclarecimento da histeria mas culina é de grande serventia. 33
h) Nos psiconeuróticos podem ser detectadas, como fatores formadores de sintomas, todas as tendências à extensão anatômica, entre elas, com particular frequên cia e intensidade, as que solicitam para as mucosas bucal e anal o papel de genitais.
c) Um papel destacado entre os formadores de sin
tomas das psiconeuroses têm os instintos parciais,* que geralmente aparecem como pares de opostos e de que tomamos conhecimento como portadores de novas me tas sexuais: o instinto do prazer de olhar e da exibição e o instinto ativo e passivo da crueldade. A contribuição desse último é indispensável para compreender a nature za de sofrimento dos sintomas, e quase sempre domina
33 A psiconeurose também se acompanha frequentemente da in versão manifesta; nesse caso, a corrente heterossexual sucumbiu à plena repressão [ Unterdrüclcung] .
É apenas justo reconhecer que tive a atenção despertada para a universalidade do pendor à inversão entre os psiconeuróticos por comunicações pessoais de Wilhelm Fliess, de Berlim, depois que a descobri em casos isolados.
[Acrescentado em 1920:] Esse fato, ainda não suficientemente apreciado, deve influir de forma decisiva em todas as teorias da homossexualidade.
* Como assinala James Strachey, essa é a primeira ocorrência do termo Partiatriebe (que traduzimos por "instintos parciais") na obra de Freud; o conceito já apareceu algumas páginas atrás, na rubrica "Resultados da psicanálise".
um quê da conduta social dos doentes. É também me diante essa ligação entre libido e crueldade que sucede a transformação de amor em ódio, de impulsos afetuosos em hostis, característica de toda uma série de casos neu róticos e até mesmo da paranoia, ao que parece.
O interesse desses resultados é ainda aumentado por algumas particularidades da questão.*
a) Quando é encontrado no inconsciente um ins
tinto suscetível de fazer par com um oposto, verifica-se normalmente que também esse último é atuante. As sim, cada perversão "ativa" é acompanhada de sua con traparte passiva; quem é exibicionista no inconsciente é também voyeur ao mesmo tempo; quem sofre das consequências da repressão de impulsos sádicos tem, na inclinação masoquista, outra fonte que lhe aumenta os sintomas. É certamente digna de nota a concordância total com o comportamento das perversões "positivas" correspondentes. No quadro clínico, porém, uma ou outra das inclinações opostas tem o papel dominante.
�) Num caso mais acentuado de psiconeurose, ape nas raramente encontramos um único desses instintos perversos desenvolvido, em geral encontramos um nú mero considerável deles e, em regra, traços de todos; a intensidade de um instinto não depende do desenvolvi- * Nas edições anteriores a 1920, era descrita primeiramente uma "particularidade" que passou a ser omitida. Era a seguinte: "Entre os cursos de pensamentos inconscientes das neuroses, nada se en contra que possa corresponder a uma inclinação para o fetichis mo; uma circunstância que lança luz sobre a peculiaridade psico lógica dessa bem compreendida perversão".
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mento dos outros, porém. Também nisso o estudo das perversões "positivas" nos oferece a contrapartida exata.