B) FIXAÇÕES DE M ETAS SEXUAIS PROVISÓRIAS
3. OBSERVAÇÕES GERAIS SOBRE AS PERVERSÕES
VARIAÇÃO E DOENÇA Os médicos que estudaram as perversões primeiramente em casos acentuados e sob condições especiais tenderam, naturalmente, a conferir -lhes o caráter de sintomas de doença ou degeneração, exatamente como sucedeu com a inversão. Entretanto, é mais fácil rejeitar essa concepção no caso das perver sões. A experiência diária mostra que essas extensões, em sua maioria - as menos sérias entre elas, de toda forma -, são um componente que raras vezes falta na vida sexual das pessoas sãs, e que estas as julgam como as outras intimidades. Quando as circunstâncias favo-
27 [Nota acrescentada em 1915:] C f., adiante, a discussão da "am bivalência" [Segundo ensaio, parte 6] .
* Nas edições de 1905 e 1910, o parágrafo terminava aqui. Na de 1915 foi acrescentado o seguinte trecho, substituído pelo atual em 1924: "cuja importância, na psicanálise, foi reduzida à oposição entre ativo e passivo".
TR�S ENSAIOS SOBRE A TEORIA OA SEXUALIDADE
recem, também o indivíduo normal, durante um bom tempo, pode substituir por uma perversão dessas a meta sexual normal, ou conceder-lhe um lugar ao lado des ta. Em nenhum indivíduo são estaria ausente, em sua meta sexual normal, um ingrediente a ser denomina do perverso, e já bastaria essa universalidade para de monstrar como é inadequado usar reprovativamente o nome "perversão". Justamente no âmbito da vida sexual deparamos com dificuldades especiais, insuperáveis atualmente, ao querer traçar uma nítida fronteira entre simples variações no interior da escala fisiológica e sin tomas patológicos.
Entretanto, em algumas dessas perversões a qualida de da nova meta sexual é de molde a exigir uma avalia ção especial. Certas perversões se distanciam tanto do normal, em seu conteúdo, que não podemos deixar de declará-las "patológicas", especialmente aquelas em que o instinto sexual realiza coisas assombrosas (lamber ex crementos, abusar de cadáveres) na superação das resis tências (nojo, vergonha, dor, horror) . Contudo, mesmo nesses casos não se pode ter a expectativa segura de que os indivíduos que as fazem são, por via de regra, doentes mentais ou pessoas com graves anomalias de outra es pécie. Também aí não escapamos do fato de que pessoas que se comportam normalmente em outras áreas podem, sob o domínio do mais ingovernável dos instintos, reve lar-se doentes unicamente no âmbito da vida sexual. Por outro lado, uma anormalidade patente em outros aspec tos da vida sempre · costuma entremostrar um pano de fundo de comportamento sexual anormal.
Na maioria dos casos, o caráter patológico da per versão não se acha no conteúdo da nova meta sexual, mas em sua relação com o normal. Se a perversão não surge ao lado do que é normal (meta sexual e objeto), quando circunstâncias favoráveis a promovem e desfa voráveis impedem o normal; se, em vez disso, ela repri me e toma o lugar do normal em todas as circunstâncias - ou seja, havendo exclusividade e fixação por parte da perversão -, consideramos legítimo vê-la como um sintoma patológico.
A PARTICIPAÇÃO PSÍQUICA NAS PERVERSÕES Talvez justamente nas perversões mais abomináveis deva mos reconhecer que é maior a participação psíquica na transformação do instinto sexual. Nelas foi realizado um quê de trabalho psíquico a que não se pode negar, não obstante o seu horrível resultado, o valor de uma idealização do instinto. A onipotência do amor talvez não se apresente jamais com tamanha força como em suas aberrações. Na sexualidade, o que é mais alto e o que é mais baixo sempre estão ligados da maneira mais íntima ("Do céu, através do mundo, ao inferno") .*
DOIS RESULTADOS No estudo das perversões, des cobrimos que o instinto sexual tem de lutar contra cer tas forças psíquicas que agem como resistências, entre as quais a vergonha e o nojo sobressaíram mais clara-
* No original: "Vom Himmel durch die Welt zur Holle", Goethe, Fausto, "Prelúdio no teatro", v. 242.
TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA OA SEXUALIDADE
mente. É lícito supor que tais forças contribuem para relegar o instinto para dentro dos limites considerados normais, e, quando se desenvolvem no indivíduo antes que o instinto sexual atinja sua plena força, são elas, provavelmente, que lhe apontam a direção do desen volvimento. 18
Também observamos que algumas das perversões investigadas se tornam inteligíveis apenas mediante a convergência de vários motivos. Quando admitem uma análise - uma decomposição*-, devem ser de natu reza composta. Disso podemos tirar uma indicação de que talvez o instinto sexual não seja algo simples, mas sim composto de elementos que dele novamente se sepa ram nas perversões. Desse modo, a clínica terá dirigido nossa atenção para fusões que não aparecem como tais no comportamento uniforme normal. 29
28 [Nota acrescentada em 1915:] Por outro lado, essas forças que represam o desenvolvimento sexual - nojo, vergonha e morali dade - também devem ser vistas como precipitados históricos das inibições externas sofridas pelo instinto sexual na psicogênese da humanidade. Pode-se observar que elas aparecem a seu tempo no desenvolvimento do indivíduo, como que de forma espontâ nea, a um sinal da educação e de outras influências.
* No original, Zerset1_ung; as versões consultadas coincidem na uti lização do mesmo termo, "decomposição", exceto a inglesa, que faz uma paráfrase: "that is, ifthey can he talcen to pieces".
29 [Nota acrescentada em 1920:] Antecipando algo que virá, ob servo, sobre a gênese das perversões, que temos razões para su por que teria havido um começo de desenvolvimento sexual nor mal antes da fixação delas, exatamente como no caso do fetichismo. A investigação psicanalítica pôde mostrar até agora, em alguns casos, que também a perversão é o resíduo de um de-