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2.2 A Psicologia Evolucionista na Perspectiva da TSD

2.2.2 Os Instintos da Psicologia Evolucionista

A psicologia evolucionista tem criticado o modo em que o Modelo Standard de Ciência Social abordou o comportamento humano durante o século XX e tem promovido o resurgimento dos instintos – em contraposição à tábula rasa – tal como abordados por William James e outros psicólogos há mais de cem anos, atualmente sob a denominação de programais ou módulos mentais surgidos ao longo da evolução por seleção natural.

No entanto, o Modelo Standard de Ciência Social parece ter eclipsado a atenção dos psicólogos evolucionistas no que se refere às abordagens da psicobiologia no século passado, pois não aparecem nos seus trabalhos nem as abordagens nem as descobertas realizadas por Kuo, Lerhman e Gootlieb, dentre outros, mas sim as teorias e considerações de Konrad Lorenz (TOOBY; COSMIDES, 1992).

Consequentemente, é possível observar que a noção de instinto proposta pela psicologia evolucionista é aquela criticada por Kuo e Lehrman, que não se dispõe a compreender o desenvolvimento de tais

programas psicológicos considerados inatos, mas que explica sua presença através de causas filogenéticas, isto é, como produto da evolução por seleção natural. Assim, os módulos mentais postulados pela psicologia evolucionista pré-existem ao desenvolvimento individual e estariam pré-formados no genoma. Lehrman, crítico dessa perspectiva, estabelece:

Qualquer teoria acerca dos instintos que enxerga o “instinto” como imanente, pré-formado, herdado, ou baseado em estruturas neurais específicas, está confinada a desviar a pesquisa acerca do desenvolvimento do comportamento das análises fundamentais e do estudo dos problemas desenvolvimentais. Tal teoria acerca do “instinto” inevitavelmente tende a impedir a pesquisa do cientista acerca das relações desenvolvimentais intraorgânicas e entre organismo e ambiente, as quais estão na base do desenvolvimento do comportamento “instintivo”. (LEHRMAN, 1953, p. 359)

Como foi estabelecido no capítulo anterior, e é enfaticamente afirmado por Lehrman na passagem citada acima, não é preciso nem introduz riqueza explicativa alguma invocar os instintos como tentativa para compreender a evolução e o desenvolvimento do comportamento humano, mesmo que o objetivo seja rejeitar a noção da tábula rasa. Pois afirmar a existência dos instintos do modo em que o faz a psicologia evolucionista supõe a presença, nos genes, de informação filogenética relativa ao desenvolvimento de características fenotípicas. Nesse sentido, Tooby e Cosmides afirmam:

Cada teoria psicológica coerente tem como base

mecanismos ou procedimentos inatos,

explicitamente reconhecidos ou implícitos de modo tácito. Dizer que esses procedimentos são inatos significa que estão especificados na dotação genética do organismo, isto é, a maneira em que programas baseados geneticamente regulam os mecanismos que governam o desenvolvimento. Essa base da mente inata, geneticamente especificada, é produto do processo evolutivo, e é o meio pelo qual o processo evolutivo organiza a

psicologia do animal através das gerações. A biologia evolutiva é relevante para a psicologia

porque estuda os processos evolutivos

responsáveis por moldar as bases inatas dos mecanismos psicológicos, da mesma forma em que o faz para os mecanismos fisiológicos. (TOOBY, COSMIDES, 1990a, p. 22)

Enquanto que uma perspectiva ontogenética do desenvolvimento, como a defendida pela TSD, considera que todas as características fenotípicas surgem durante a ontogenia dos indivíduos, que envolve a interação de todos os fatores implicados, sejam eles genéticos ou não genéticos, a perspectiva da psicologia evolucionista, como pode ser observado a partir da passagem anterior, dentre outras já citadas, é preformacionista e não contempla o papel do desenvolvimento na construção dos mecanismos psicológicos, senão que postula sua existência como resultado dos programas genéticos surgidos durante o processo evolutivo por seleção natural. Segundo Tooby e Cosmides,

As pressões seletivas no presente ou as tarefas impostas ambientalmente são causalmente irrelevantes para o desenho atual dos organismos e não têm nenhum papel na sua explicação. Para um darwinista, a explicação para nosso atual sistema de adaptações reside completamente no passado, começando uma geração atrás, e se estendendo no passado através do tempo filogenético de modo a incluir a história de seleção que construiu aqueles desenhos. (TOOBY; COSMIDES, 1990b, p. 378)

Dessa maneira, a psicologia evolucionista estabelece outra dicotomia, dessa vez entre causas ontogenéticas e filogenéticas, fato que tem permitido que seus defensores ignorem os processos desenvolvimentais do comportamento humano, ou que simplesmente só façam referência a sua modulação, e privilegiem as explicações filogenéticas. No entanto, para a TSD os processos desenvolvimentais são fundamentais tanto para o desenvolvimento dos indivíduos como para a mudança evolutiva.

Portanto, é possível afirmar que os psicólogos evolucionistas, mesmo se autodenominando interacionistas, postulam praticamente uma

relação direta entre o genótipo e o fenótipo, não muito diferente à perspectiva dos geneticistas no começo do século XX, pois o papel dos fatores não genéticos no desenvolvimento do comportamento é minimizado à categoria de estímulos ou pistas ambientais que modulam esses programas genéticos. Assim, para explicar a origem, a presença e a organização dos programas mentais universais nos humanos, os psicólogos evolucionistas postulam que são inatos, isto é, que estão codificados no genoma humano, o qual não teria sofrido modificações relevantes desde o Pleistoceno.

É possível obervar que com frequência Tooby e Cosmides associam a seleção natural com o trabalho de um engenheiro, como na afirmação de que “a seleção natural é um engenheiro que desenha máquinas orgânicas” (TOOBY; COSMIDES, 2005, p. 19). Contudo, desse modo os psicólogos evolucionistas confundem o que teria que ser uma explicação ontogenética acerca do desenvolvimento das características fenotípicas com uma explicação sobre a causa pela qual uma ou mais variantes fenotípicas e não outras se encontram presentes numa população.

Nesse sentido, Lickliter e Honeycutt afirmam que a noção de seleção natural pressupõe variantes fenotípicas, mas não explica sua origem nem a maneira em que são geradas (LICKLITER, HONEYCUTT, 2003). Também Gottlieb faz referência à confusão observada na explicação da psicologia evolucionista com relação ao papel desempenhado pela seleção natural e à fonte da força criativa para a mudança evolutiva:

A seleção natural serve como um filtro e preserva fenótipos reprodutivamente bem sucedidos. Esses fenótipos bem sucedidos são produto do desenvolvimento individual e, portanto, são consequência da adaptabilidade do organismo a

suas condições desenvolvimentais.

Consequentemente, a seleção natural tem

preservado (favorecido) organismos que

respondem de maneira adaptável tanto

comportamental quanto fisiologicamente a suas condições desenvolvimentais. (GOTTLIEB, 1998, p. 796)

Assim, poderíamos sugerir que se é desejado utilizar uma linguagem metafórica que faça referência às máquinas e ao processo

pelo qual são produzidas com o objetivo de abordar o processo evolutivo, o papel da seleção natural deveria ser comparado ao de um engenheiro encarregado do controle de qualidade, que preserva as estruturas ou as máquinas melhor construídas para exercer sua função e descarta as menos adequadas, e não ao de um engenheiro encarregado do desenho das máquinas, como o faz a psicologia evolucionista.