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CAPÍTULO 4 – AS EQUIPES CLÍNICO-POLÍTICAS CONVENIADAS

4.3 INSTITUTO SEDES SAPIENTIAE - CT/SP

O Instituto Sedes Sapientiae funcionou na cidade de São Paulo como um dispositivo político na luta pelos direitos humanos, ao acolher as primeiras reuniões do movimento pela anistia no final dos anos 70. Iniciou de forma pioneira ações de apoio e cuidado aos afetados pela ditadura brasileira assim como aos exilados dos regimes autoritários dos países de fronteira no decorrer da repressão, como Argentina e Uruguai. Posteriormente, este dispositivo clínico-político se estabeleceu como um “centro de pesquisa e de transmissão de conhecimento da psicologia clínica e da educação popular” (OCARIZ, 2015, p. 24).

Com orientação psicanalítica, a equipe Clínicas do Testemunho da Sedes desenvolveu o seu trabalho de forma aberta à demanda que viria a ser constituída após a sua primeira chamada pública. Diferentemente das outras equipes clínicas, os atendimentos individuais

foram considerados mais apropriados para lidar com as situações traumáticas do público-alvo, investindo-se na relação de confiança de forma acolhedora. De acordo com a equipe técnica,

os atendimentos individuais trazem uma maior apropriação da história, melhor interação com o ambiente social e nos grupos, pois há um reconhecimento e uma força de resgate de confiança que legitima as diversas experiências de vida (INSTITUTO SEDES SAPIENTIAE, 2015, p. 4).

Desta forma, a equipe clínica realizou com seu quadro técnico os atendimentos individuais e de grupo, atendimento psiquiátrico, atendimento familiar, Grupos de acolhimento e escuta (como porta de entrada ao projeto clínico) e Grupo de Reflexão e Testemunho (GTR), para o desenvolvimento voluntário dos testemunhos. Também organizou oito Conversas Públicas que serviram de divulgação das Clínicas do Testemunho ao longo da vigência do projeto, atingindo um público de mais de 900 pessoas, realizadas na Sedes e no Memorial da Resistência, em São Paulo.

A equipe da Sedes realizou cinco Capacitações para profissionais da rede pública de saúde e da justiça. Neste intuito, organizaram a “Jornada Interdisciplinar: A VIOLÊNCIA DE ESTADO ATUAL E SUAS RAÍZES”, considerando-se o escasso conhecimento do público em geral acerca do período ditatorial, assim como dos projetos reparatórios da Comissão de Anistia (INSTITUTO SEDES SAPIENTIAE, 2015).

4.3.1 Grupo de Trabalho de Perus

Destacamos esse trabalho pelo nível de complexidade que o envolve, haja vista que não fazia parte do plano de trabalho inicial do projeto piloto. Este grupo surgiu de uma demanda da Secretaria de Direitos Humanos de São Paulo, com o objetivo de oferecer suporte clínico aos profissionais que estariam envolvidos com a identificação das ossadas do cemitério clandestino de Perus13. Trata-se de uma vala clandestina feita dentro de um

13 “A vala clandestina do Cemitério Dom Bosco, em Perus, foi aberta em 4 de setembro de 1990. Naquele cemitério, construído em 1971, havia uma vala clandestina com 1.049 ossadas acondicionadas em sacos plásticos sem nenhuma identificação. Segundo informações do então administrador do cemitério, o funcionário Antônio Pires Eustáquio, para lá eram levados os corpos de indigentes, vítimas anônimas do Esquadrão da Morte, da miséria social e da repressão política, para serem enterrados em covas individuais ou jogados numa vala comum. Entre esses restos mortais, acredita-se haver desaparecidos políticos da ditadura

cemitério oficial, contendo restos mortais de cidadãos mortos pela violência de Estado, inclusive da ditadura civil-militar.

Durante o período de reconstrução democrática, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, este cemitério passou a ser conhecido pelos principais veículos de comunicação, embora as denúncias de sua existência já fizessem parte das lutas dos familiares de mortos e desaparecidos políticos. Neste contexto, foi instituída oficialmente uma CPI da Vala de Perus, a Comissão Parlamentar de Inquérito – Perus: desaparecidos políticos, embora o trabalho investigativo só tenha ganhado maior amplitude durante a gestão do governo da então prefeita de São Paulo Luiza Erundina, com o apoio de parlamentares combativos na câmara dos vereadores da cidade paulistana. Anteriormente,

esse trabalho de investigação vinha sendo executado de maneira extraoficial e militante pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, com a colaboração do administrador do Cemitério Dom Bosco de Perus, Sr. Antônio Pires Eustáquio.

Em princípio, as ossadas de Perus foram encaminhadas para o Departamento de Medicina Legal da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp.

Depois passaram para o IML e, posteriormente, a quase totalidade das ossadas foi encaminhada para o columbário do Cemitério do Araçá, em São Paulo, onde permaneceram até 2014 (OCARIZ, 2015, p. 117-118).

4.3.2 Atendimento psicossocial aos peritos de Perus

Foi assinado um termo de compromisso entre as Clínicas do Testemunho Sedes Sapientiae – SP e a Comissão de Anistia (MJ), por meio de um Protocolo, para garantir o atendimento psicossocial aos peritos envolvidos nos trabalhos de identificação dos restos mortais encontrados no cemitério de Perus, como também no atendimento psicossocial aos familiares das “pessoas inumadas ilegalmente em Perus” (OCARIZ, 2015, p. 120).

O Grupo de Trabalho de Perus (GTP), composto por historiadores, arqueólogos, antropólogos forenses e fotógrafos, foi iniciado em janeiro de 2015. A partir de fevereiro do mesmo ano, passou a ter o formato de Grupo de Conversa, com reuniões semanais para favorecer as narrativas por intermédio dos diálogos,

civil-militar, indigentes e vítimas de grupos de extermínio que atuaram em São Paulo nos anos 1960 e 1970”

(OCARIZ, 2015, p. 117).

com o intuito de promover o partilhamento de desejos, vivências e angústias produzidas pelo trabalho com as ossadas de Perus, as entrevistas com os familiares de mortos e desaparecidos, as pesquisas no Arquivo Público de São Paulo e o registro fotográfico da reconstituição dos esqueletos (OCARIZ, 2015, p.121).