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5. A bateria matildense

5.2 Descrição da bateria da Nenê

5.2.1 Instrumentação

A instrumentação da bateria da Nenê, atualmente, é a mesma presente na maioria das escolas de samba de São Paulo e Rio de Janeiro. A disposição espacial dos naipes se organiza da seguinte maneira: na frente, formando uma fileira, as cuícas. Logo atrás, vêm os agogôs de 4 bocas, seguidos dos tamborins. Atrás destes ficam os chocalhos de platinela, fechando os naipes de instrumentos leves. Os surdos, caixas e repiniques ficam dispostos atrás destes naipes. Nas pontas alternam-se surdo de primeira e de segunda, dando contorno lateral à bateria, com cerca de 10 instrumentos de cada lado. Entre esses surdos se organizam filas de caixas e repiniques, na proporção média de 4 caixas para cada repinique. Os surdos de terceira ficam espalhados pelo meio das fileiras de caixas e repiniques, afastados uns dos outros.

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Fala de Mestre Zoinho, diretor de bateria da Império da Casa Verde, durante festa realizada na quadra matildense no início de 2008. Anotações de campo, p.16.

Naipes leves da bateria da Nenê durante ensaio técnico no sambódromo em 26/01/08.

A bateria é dividida por um corredor central por onde circulam os diretores e o mestre. Durante o desfile, as fileiras são de doze pessoas, seis de cada lado do corredor. Nos ensaios na quadra e na rua as filas são menores, variando de seis a dez ritmistas. O número de ritmistas por fileira se define de acordo com a largura frontal desejada e possível para organização da bateria (na rua, por exemplo, o espaço é mais estreito e as filas são menores). Durante o desfile carnavalesco a bateria apresenta cerca de 250 ritmistas. Durante ensaios este número é reduzido e quanto mais perto do carnaval maior o número de participantes.

Corredor de circulação da bateria entre naipes pesados, durante ensaio na quadra em 20/01/2008.

A bateria da Nenê sofreu transformações em sua instrumentação ao longo dos anos.

“A bateria tinha frigideira, frigideira dessas assim pequenas, com a baquetinha de ferro assim mais grossa. Tinha o agogô e o agogô era de dois, era de dois. Então o agogô vinha junto, com o Mestre Divino, o agogô vinha junto com a cuíca, quase na mesma batida, complementava: dundundun, e a cuíca:

dundundun, e vinha aquela... e misturava o metal junto com a percussão né, e

ficava uma coisa bonita. E tinha o tamborim, o tamborim na época que eu cheguei em 71 tinha tamborim até que era pregado com taxinha, quadrado e com taxinha. Você tinha que ficar esquentando no fogo, não tinha o tamborim que tem hoje com a tarraxa.” (Zé da Rita, entrevista concedida ao autor em 16/01/2008, p. 04)

Os instrumentos eram confeccionados pelos próprios membros da bateria, utilizando peles de couro animal em todas as peças, latões de carbureto feitos de latão ou madeira para os bojos, ao invés de porcas usava-se borboletas, os bordons das caixas eram feitos com a sobra do couro e tudo isso se refletia na sonoridade da bateria, bastante diferente da apresentada atualmente.

As mudanças na instrumentação são percebidas pela introdução e desuso de algumas peças48, pela transformação dos instrumentos, que passaram a ser produzidos industrialmente e com novos materiais, e a re-disposição espacial deles na formação da bateria. Algumas das principais mudanças nesses aspectos foi o re-posicionamento dos naipes leves à frente da bateria, que até meados da década de 1980 ficavam no fundo da ala; a introdução do agogô de quatro bocas e o desuso de peças como frigideira, reco-reco, pratos e alguns tipos de chocalho.

Os chocalhos já utilizados pela bateria da Nenê foram:

 chocalho de chumbinho: de formato cilíndrico, feito de metal, possui pequenos peças de chumbo em seu interior. Primeiro tipo de chocalho a ser usado.

 chocalho de pião (ganzá lampião): são dois chocalhos de metal com formato oval, segurados por uma pequena haste vertical, um em cada mão.

 chocalho de vara: consiste em uma vara de aproximadamente um metro e meio com um chocalho preso na parte superior.

 chocalho “Sputinik”: segundo depoimentos de Seu Nenê, foi inventado na Vila Matilde49, é um tipo de chocalho de vara mas com três chocalhos na ponta da vara, num formato similar a um tridente.

 chocalho de platinela: invenção do mestre André, na bateria da Mocidade

Independente de Padre Miguel (Rio de Janeiro), amplamente difundido por escolas de São Paulo. É o modelo de chocalho utilizado atualmente.

48 O termo peça é comum para designar um instrumento. 49

Estes instrumentos foram criados a partir do chocalho de vara carioca, que na Vila Matilde adquire a composição com três chocalhos em cada vara.

1. 2.

3. 4.

1. detalhe de ritmista da Nenê tocando ganzá lampião durante desfile da escola em 1977.

2. Seu Nenê mostra o chocalho “Sputnik”, em 1962.

3. Bateria da Nenê durante o desfile de 1964, com destaque para os chocalhos de chumbinho e Seu Nenê tocando frigideira (vestido de branco). No fundo um membro da bateria toca trompete.

4. Bateria da Nenê durante o desfile de 1965 com destaque para os chocalhos de vara.

Quanto aos surdos, havia o antigo surdo de marcação (não confundir com surdo de marcação atual), que tocava na cabeça dos dois tempos do compasso, seguidamente. Em depoimentos de antigos ritmistas foram citados também o surdo “pai do samba” e o surdo

“burugudum” (ou “culugundum”). Este seria na verdade uma maneira de execução deste instrumento, desenvolvida por Paulistinha (compositor matildense). Até o início da década de 70, o surdo era responsável pela chamada do samba, que mais tarde passaria a ser feita no repinique. Este surdo que fazia a chamada era o mais agudo, equivalente ao surdo de terceira de hoje em dia, e era tocado com duas baquetas de madeira. No carnaval de 1980 a bateria utilizou um surdo gigantesco preso a um carrinho com rodas, que deixava o instrumento em uma altura elevada. O ritmista vinha em cima da estrutura móvel tocando o surdo no fundo da bateria.

Analisando a instrumentação da bateria da Nenê em seus primeiros carnavais, são notáveis as diferenças relativas à quantidade de peças, além os instrumentos em si. Na fotografia do primeiro desfile da agremiação matildense (na próxima página), a bateria aparece constituída por:

Pandeiro (1) Surdo (1) Tamborim (2) Prato [de louça] (1) Chocalho (2) Caixa (1)

É interessante notar nesta foto que a bateria constitui praticamente toda a escola, que apresenta-se em uma ala única.

Em 1964 ainda havia um trompete (instrumento de sopro) em meio aos tambores e chocalhos da bateria. Já foi discutida anteriormente a utilização deste tipo de instrumento nas baterias paulistanas, influência dos antigos cordões. Embora a Nenê tenha procurado se afastar de elementos musicais dos cordões, introduzindo características cariocas em sua bateria, o emblemático bumbo50, típico da instrumentação dos cordões, é identificado por Seu Nenê nas primeiras formações da bateria matildense. Segundo citação de Urbano e Moraes, transcrita da publicação “Arte e Revista”, em 1959 a bateria da Nenê teria desfilado com 4 cuícas, 30 tamborins, 8 pratos, 16 taróis, 6 chocalhos, 6 agogôs, 6

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Este instrumento é originário dos sambas rurais, também chamados de samba de bumbo, do interior paulista.

frigideiras, 4 surdos pequenos de contratempo, 6 de marcação, 3 bumbos e o inovador chocalho sputinik.

Entretanto, a terminologia “bumbo” pode ser usada para descrever o surdo, já que este integra a mesma família de membranofones. As descrições contidas em livros, reportagens e até mesmo depoimentos, tornam-se ambíguas e confundem quanto a real utilização do bumbo oriundo do samba rural paulista na bateria da Nenê, bem como o período em que isso teria ocorrido. Em reportagem publicada em 02 de março de 1962, no jornal Folha de São Paulo, Seu Nenê explica a diferença entre as baterias do Rio e São Paulo, atentando para o uso dos surdos e bumbos:

“Lá no Rio, a bateria faz compasso dois por um na marcação. Tudo é feito na base do bumbo e do surdo. O bumbo faz ‘tum’ e o surdo faz ‘bum’. Assim: ‘tum-bum, tum-bum, tum-bum’. O resto é enfeite com taról, tamborim, chocalho, triângulo etc. Aqui em São Paulo, o bumbo e o surdo trabalham mais. O enfeite existe, mas não participa da mesma marcação que entre nós é assim: ‘tum-bum-skitum-tum-pum’. A diferença mostra que nosso samba tem personalidade.”

A similaridade destes instrumentos e a difundida utilização do bumbo no período dos cordões, concomitante à existência do surdo, causam confusão devido à mesma função desempenhada por ambos os instrumentos, responsáveis por uma marcação grave, que sustenta o ritmo, embora cada um com suas peculiaridades. Candeia & Isnard, narrando os primórdios das baterias de escolas de samba do Rio de Janeiro citam que “a primeira escola a usar o ‘bumbo’ foi Estácio” (CANDEIA & ISNARD, 1978, p.43). Na descrição da bateria dos cordões carnavalesco de São Paulo na segunda década do século XX, Olga Von Simson detecta a presença mútua de bumbo e surdo (SIMSON, 2007, p.159), demonstrando que no samba paulista eles apresentavam diferenças e co-existiam nas agremiações carnavalescas antigas.

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