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2. Carnaval paulistano

2.3 Oficialização do carnaval de rua em São Paulo

O processo de oficialização do carnaval em São Paulo teve início em 1934, tendo somente se concretizado de forma plena e efetiva em 1968, interferindo diretamente na dinâmica desta festa popular.

Em 1934, passado o movimento constitucionalista, houve uma reformulação e rearticulação de vários setores do aparelho administrativo municipal pelo então prefeito Fábio de Silva Prado, que adotava uma postura “modernizante” e criou o Departamento de Cultura e Recreação. Tal órgão pretendia atender à demanda daquele momento e tinha a finalidade de incentivar as manifestações e folguedos populares (CRESCIBENI, 2000,

p.21). A obtenção de recursos, no entanto, se deu de maneira bastante precária, através de donativos financeiros coletados entre amigos do prefeito. O primeiro desfile carnavalesco promovido pelo poder público apresentava as categorias rancho, bloco e cordão.

Em 1935 ocorreria o concurso considerado como a primeira disputa oficial entre agrupamentos carnavalescos na cidade de São Paulo. Os grupos, de acordo com o regulamento, eram divididos entre blocos de até 25 pessoas, grupos de 25 a 35 elementos, cordões de 35 a 50 pessoas e ranchos com mais de 50 elementos. Os quesitos de julgamento eram sete: luxo, originalidade, cenografia, harmonia (música e coral), escultura, indumentária e iluminação17. Pela diferenciação dos grupos proposta pelo regulamento (que utilizava o tamanho e não as características das agremiações) as categorias confundiam-se, inclusive pela utilização dos mesmos quesitos de julgamento. Isso reflete um provável hibridismo dos agrupamentos, que recebiam denominações distintas de acordo com a quantidade de elementos apresentada, dividindo-se entre blocos, grupos, cordões e ranchos e não segundo a diversidade e a qualidade das performances no carnaval. Nascia em 11 de novembro de 1935 a Federação das Pequenas Sociedades Carnavalescas (ibidem p.22), afim de organizar a agremiações carnavalescas paulistas.

Em 1936 determinou-se um dia especial para o que ficou conhecido como desfile do

Cordão de Negros, com objetivo de homenagear a comunidade com maior responsabilidade

pelo desenvolvimento do carnaval de rua paulistano. O prefeito Fábio Prado, através da Lei nº 3.553, de 2 de dezembro de 1936, e Ato 1.224, de 8 de janeiro de 1937, concede a verba de 168 mil contos de réis para auxiliar as agremiações carnavalescas. O desfile contou não

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A comissão julgadora era formada por intelectuais: Menotti Del Picchia, Gumercindo Fleury, Moyses Tulmann Neto, João Baptista Ferri, Abílio Menezes e Elias Oliveira Ferreira (CRESCIBENI, 2000, p. 22).

apenas com cordões, mas todos os tipos de agrupamentos (ibidem p.22). Este evento ficou conhecido como o “Primeiro Carnaval Oficial da Paulicéia”, e foi aclamado pela imprensa: “O comércio em geral muito lucrou com o carnaval, que era uma festa inexpressiva em São Paulo e passou a ser um acontecimento para atrair turistas e lançar em circulação milhares de contos de réis” (Folha da Manhã, 25/02/36 apud CRESCIBENI, 2000, p.23).

Simson (2007), descrevendo os cordões carnavalescos paulistanos, nos conta que a obtenção de recursos financeiros acontecia de diversas maneiras, com o auxílio do comércio do bairro de origem da agremiação, organização de eventos festivos pré- carnavalescos, entre outros, demonstrando que as primeiras tentativas de oficialização do carnaval de rua paulistano não forneceram estabilidade financeira suficiente aos agrupamentos, que buscavam apoios extra “oficiais” para a manutenção de suas atividades carnavalescas. “Nas décadas de 1940 e 1950 a prefeitura raramente contribuía para a montagem dos desfiles carnavalescos” (SIMSON, 2007, p.142).

No início dos anos 50, o descaso da prefeitura com o carnaval de rua podia ser notado pelo fim da ornamentação do centro da cidade. O então vereador Derville Alegretti, autor do projeto de oficialização do carnaval paulistano, retira de pauta sua proposta, alegando que a oficialização do carnaval naquele momento seria usada para a propaganda oficial do governador Adhemar de Barros, e era “mil vezes preferível gozar um carnaval livre, honesto e democrático, do que ter que aturar elogios, auto-elogios, louvores e tudo o mais que somos obrigados a suportar com o atual governo”, sentenciando: “sem oficialização, haverá liberdade, folia verdadeiramente democrática” (CRESCIBENI, 2000, p.26). Apesar da politicagem, nesse período os grupos carnavalescos continuavam surgindo e crescendo, e dentre eles três se destacam até os dias de hoje: Nenê de Vila Matilde, Unidos do Peruche e Unidos de Vila Maria.

Em 1954, ano de comemoração do IV Centenário da cidade, foi instaurado pela “Comissão do IV Centenário”, um concurso carnavalesco estadual. Neste período os desfiles carnavalescos eram promovidos por emissoras de Rádio (Cosmos, São Paulo, Record, Bandeirantes e América), jornais (O Dia, Última Hora e Diário da Noite) ou associações comerciais, nos bairros mais afastados (Vila Esperança, Brás, Lapa, Pari, Penha, Santo Amaro, Belém) (ibidem p.27). A escola de samba Nenê de Vila Matilde, em seu quinto ano de desfile, aparece na quinta colocação na categoria escola de samba.

Em 1964, Alberto Alves da Silva (Seu Nenê), Inocêncio Tobias, Madrinha Eunice, Bitucha, Pé-Rachado e Formiga, organizam uma Coligação dos grupos carnavalescos. Devido a questões de distribuição e divisão de recursos financeiros entre os cordões e escolas coligadas, segundo Seu Nenê graças à má fé de Formiga, único diretor da Coligação que não era ligado a nenhuma agremiação carnavalesca, mas dono de uma casa de espetáculos, a Coligação foi extinta. Então Seu Nenê e Inocêncio tentaram reorganizar a Federação das Escolas de Samba e Cordões Carnavalescos de São Paulo, criada em 1958, mas sem grande expressividade. Após diversos insucessos na obtenção de apoio oficial para o carnaval, os líderes carnavalescos perceberam a necessidade de uma associação com uma figura pública reconhecida, afim de convencer o poder público a conceder apoio institucional ao carnaval paulistano. Seu Nenê descobre então a figura do radialista Moraes Sarmento, único divulgador e incentivador da música popular, especialmente do samba, no auge da Jovem Guarda18. Ele aceita o convite para presidir a Federação, passando a mediar a negociação com o Prefeito Faria Lima visando a oficialização do carnaval. A empreitada dá certo e os líderes carnavalescos, com apoio de Moraes Sarmento, conseguem a

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Movimento musical calcado no rock’n roll norte americano, que teve grande sucesso em meados da década de 1960.

regulamentação oficial do carnaval de São Paulo que, a partir de 1968, passou a contar com verba pública para auxílio às entidades associadas à Federação. O desfile realizado no Vale do Anhangabaú passou a ter arquibancadas e iluminação adequada à festa, e o concurso entre os grupos deixaria a partir de então de ser organizado por jornais e estabelecimentos comerciais, passando a ser também responsabilidade do poder público. O prefeito Faria Lima, carioca e simpatizante dos folguedos populares, encomendou a um carnavalesco carioca um regulamento para o concurso entre agremiações paulistanas que, conseqüentemente seguiu o modelo do carnaval da capital fluminense, dominado pelas escolas de samba (SIMSON, 2007, p.216). O radialista Evaristo de Macedo, incentivador do carnaval paulistano, foi pessoalmente à sede da Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro e obteve, com o presidente desta entidade, o regulamento carnavalesco, que seria adaptado ao carnaval paulistano19. Entretanto, tal regulamentação não considerou as características paulistas dos grupos carnavalescos, que tinham origem diversa daquela das escolas de samba do Rio de Janeiro. O novo concurso estabeleceria no carnaval de São Paulo os padrões cariocas de escolas de samba, criando a urgente necessidade de adequações estruturais, estéticas, musicais e coreográficas das agremiações paulistanas ao novo modelo. A inauguração desta nova fase marcou o fim de diversos elementos tradicionais das agremiações carnavalescas paulistanas. Em 1972, como resultado, os principais cordões, Vai Vai, Camisa Verde-e-Branco e Fio de Ouro, acabaram se tornando escolas de samba. Assim a figura do baliza seria extinta, o estandarte se transformaria em bandeira, os instrumentos de sopro deixariam de figurar nas baterias, a temática livre não seria mais permitida, dando lugar ao desenvolvimento de um enredo, e a ala de baianas se tornaria obrigatória. Os grupos carnavalescos de São Paulo davam início a um processo de

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padronização que se mantém até os dias de hoje, sempre tendo como modelo as escolas de samba do Rio de Janeiro.

Em 1973, a Federação das Escolas de Samba se esvaziou, devido a problemas de administração financeira e prestação de contas, e as escolas de samba passam a tratar o desfile diretamente com a Secretaria de Turismo. Surgem três entidades propondo-se a organizar as agremiações carnavalescas: Coligação Regional das Escolas de Samba, Associação das Escolas de Samba de São Paulo e União das Escolas de Samba Paulistanas (UESP). A descentralização das escolas em três entidades enfraqueceu sua organização, e em 1976 ocorre a fusão das entidades, por imposição do Secretário de Turismo Armando Simões Neto e articulação entre os líderes carnavalescos, que centralizam a gerência do carnaval na União das Escolas de Samba Paulistanas. Nova fase se inaugura no carnaval paulistano, que passava a contar com uma gestão unificada, dando novo fôlego às agremiações. No entanto, a nova organização carnavalesca se enquadra dentro de uma lógica capitalista, tratando o carnaval como um evento mercadológico, relegando a origem negra popular a segundo plano, em busca da profissionalização das escolas de samba, num processo similar ao ocorrido no Rio de Janeiro.

Em 1986 é criada a Liga Independente das Escolas de Samba (LIESA), que passa a organizar o carnaval da “elite” das agremiações, o grupo especial e de acesso das escolas de samba20. A UESP fica então encarregada das escolas de grupos inferiores e blocos carnavalescos. Em 2008 ocorre um racha entre as escolas da Liga e atualmente vemos a tentativa de organização de uma nova entidade, intitulada “Superliga”, formada por algumas agremiações.

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Atualmente em São Paulo as escolas de samba são divididas entre grupo especial, grupo de acesso, grupo 1, grupo 2, grupo 3 e grupo 4, chamado também de vaga aberta.

Em 1991, na gestão da prefeita Luiza Erundina, é inaugurado o sambódromo paulistano, dentro do Pólo Cultural do Anhembi, transferindo o desfile das principais escolas da Avenida Tiradentes para a passarela “Grande Otelo”. O carnaval paulistano já apresenta então uma grandiosidade e um luxo comparáveis ao carioca, e o início, neste momento, da transmissão televisiva integral dos desfiles em São Paulo dá grande impulso às escolas paulistanas. Atualmente o carnaval de São Paulo está equiparado em nível de organização com o do Rio de Janeiro e igualmente enquadrado numa lógica empresarial.

Assim, observamos que a oficialização do carnaval de São Paulo representou simultaneamente o fortalecimento da festa paulistana com o desenvolvimento e surgimento de escolas de samba cada vez mais competitivas, e o fim de diversas entidades carnavalescas que não souberam adaptar-se à nova lógica imposta ao carnaval, o que representou uma perda em relação à manutenção de uma tradição carnavalesca paulista.

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