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Capítulo 1: Caminhos percorridos: indicações metodológicas

1.3 Instrumento de coleta de dados: entrevistas

Das oito entrevistas realizadas, quatro foram feitas na residência dos professores por escolha dos mesmos; duas na escola em que trabalhavamm e duas em outro local sugerido pelas entrevistadas, a saber, no Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação - Sind-UTE, subsede da rede municipal de ensino de Belo Horizonte. Particularmente as entrevistas realizadas nas residências, colocaram-me diante de um universo mais amplo com relação às informações colhidas. Foi possível conversar com alguns dos familiares, ver álbuns de família e fotos do período de escolarização dos entrevistados. Houve inclusive a oportunidade de conversar sobre outros assuntos diferentes da entrevista o que permitiu uma maior aproximação com o informante.11

Os assuntos dessas conversas foram desde a criação dos filhos, questões emocionais, familiares, econômicas, além de opiniões sobre os temas das entrevistas, que surgiram após o gravador ser desligado. Essas conversas estão registradas nos diários de campo bem como outras informações, como a descrição física dos entrevistados; descrição do local da entrevista; situações de interrupção da entrevista e outros. Burgess (1996) e Bourdieu (1998) já alertaram para essas situações de maior intimidade com os interlocutores no processo de entrevista. Para esses autores, essa proximidade com o entrevistado revela-se como algo útil e importante para a concretização dos objetivos da pesquisa a ser realizada. Bourdieu (1998) alerta, também, para a dimensão ética que essa proximidade exige.

Todas as entrevistas foram gravadas a partir de um roteiro previamente definido, tendo como eixo temático as relações raciais: 12

• percurso profissional, como se tornou professor/professora; • experiência escolar;

• como foi para a escola que trabalha atualmente; • qual a sua visão da instituição escolar;

11 O termo informante é utilizado por Thompson (1992), em A voz do Passado.

12 Foram feitas duas entrevistas piloto com um professor e uma professora do meu círculo de amizade, a partir dessas

• projetos desenvolvidos na escola;

• quando começou a desenvolver projetos sobre a questão racial; • tipos de projetos (atividades, materiais, dificuldades);

• como avalia a recepção dos alunos em relação ao projeto; • percepção que expressa sobre os alunos negros;

• como avalia os impactos do projeto na escola e em sua vida; • o que é ser professor negro na instituição escolar.

Esta última questão era colocada de forma explícita ao final, como forma de suscitar uma reflexão mais pontual sobre o tema. No caso dos professores que não desenvolviam projetos, algumas questões foram substituídas. Foi perguntado o porquê de não desenvolverem projetos voltados para a temática e o que era necessário para que isso acontecesse. Cabe salientar que as entrevistas não ficaram restritas ao roteiro. Outras questões foram surgindo à medida que se identificavam pontos importantes para a elucidação das questões investigadas. No intuito de captar as diferentes circunstâncias vividas pelos professores em relação à questão racial, a escolha pela profissão docente e sua atuação pedagógica e política no interior das escolas, alguns elementos da História Oral, no procedimento das entrevistas foram valiosos. Os depoimentos desses professores abrigam um universo de informações fundamentais para a compreensão de como se dão as relações raciais não só nas instituições de ensino, como na própria sociedade brasileira.

De acordo com Meihy (1996a, p.11), através da História Oral “algumas histórias pessoais ganham relevo à medida que expressam situações comuns aos grupos que sugerem aspectos importantes para o entendimento da sociedade mais ampla”. A técnica utilizada foi a de entrevistas semi-estruturadas, para resgatar partes da biografia dos professores, uma vez que se privilegiou a investigação sobre suas experiências a partir do tema das relações raciais.

Nas entrevistas, foi possível a aproximação de alguns aspectos da biografia dos professores captando elementos da condição humana que, muitas vezes, não conseguimos apreender por outros caminhos. Os entrevistados compartilharam não

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só parte de sua história escolar e profissional, pontos de vista sobre educação e relações raciais, mas, principalmente, partilharam fragmentos de suas próprias vidas, fatos e sentimentos que estavam perdidos em suas lembranças e que a entrevista trouxera à tona. Diversos entrevistados disseram que a entrevista mexeu com coisas esquecidas, deixadas no adormecimento, não ditas. Thompson (1992) chama a atenção para o fato de que “a maioria das pessoas conserva algumas lembranças que quando recuperadas, liberam sentimentos poderosos”. Bourdieu (1998), por sua vez, chama a atenção para um aspecto particular da entrevista em que o entrevistado tem a oportunidade de refletir sobre sua própria vida no momento da entrevista

A pessoa interrogada aproveitava a ocasião que lhe tinha sido dada de ser interrogada sobre ela mesma e da licitação ou da solicitação que lha asseguravam nossas perguntas ou nossas sugestões (...) para realizar um trabalho de explicitação, gratificante e doloroso ao mesmo tempo, e para enunciar, às vezes com uma extraordinária intensidade expressiva, experiências e reflexões há muito reservadas ou reprimidas (p.205).

O espaço da conversa, do depoimento abriu caminho para reflexões feitas no momento mesmo das entrevistas, permitiu um novo encontro consigo mesmos e trouxe à tona novas compreensões de fatos não compreendidos no passado por diversos motivos, desde a ausência de uma reflexão mais crítica das situações de discriminação vividas, até a recusa em aceitar a existência das mesmas. Não sem razão, duas professoras choraram ao relembrar determinados fatos: a emoção permeou alguns depoimentos. Não foram compartilhadas apenas palavras, mas sentimentos.

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