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5 METODOLOGIA

5.5 Instrumentos de coleta de dados

A pesquisa de campo é um evento complexo. Os limites para a organização e a gestão de meios e materiais para realizar tal evento, além do tipo de acesso aos participantes, devem ser considerados. No caso de nossa investigação, vários fatores foram ponderados antes da escolha dos instrumentos de coleta de dados, tais como: o acesso aos docentes e ao ambiente de sala de aula, disponibilidade desses profissionais para realização de entrevista(s), entre outros. Com base no equacionamento desses fatores, elegemos como instrumentos de coleta: as entrevistas semi-dirigidas e um dispositivo que se assemelha à instrução ao sósia. Nos subitens seguintes, explicitamos o caráter de ambos os instrumentos.

5.5.1 As entrevistas semidirigidas

Conscientes de que os dados jamais apresentam a completude dos objetos, concordamos com Mead (1949) quando afirma que ninguém enxerga mais do que parte da verdade. Para a autora, quem observa vê a realidade a partir do ângulo em que se coloca. Esse ponto é marcado não apenas pelo espaço e tempo, mas, sobretudo, pela visão cosmológica do observador (CUNHA, 2007).

No dizer de Machado (2007), o trabalho do professor é uma atividade humana de relevante complexidade. Envolve as dimensões física, emocional e social deste profissional. Compreendido no sentido marxista do termo, o trabalho docente deve ser encarado como um verdadeiro trabalho humano, isto é, um trabalho que engaja a totalidade do indivíduo e que potencializa o desenvolvimento de suas capacidades.

As entrevistas são, de acordo com Cunha (2007, p.72), um instrumento que permite a obtenção de informações sobre temas complexos, inclusive aqueles emocionalmente carregados. Elas possibilitam, ao entrevistador, verificar sentimentos que subjazem a opinião expressa pelo entrevistado. Nesse sentido, consideramos adequada a escolha desse instrumento para a coleta de dados sobre o trabalho do professor de PLE, por toda potencialidade que o instrumento apresenta.

As entrevistas, ainda no dizer de Cunha (2007), são de três tipos: estruturada, semiestruturada e informal. A primeira delas, normalmente, é composta de perguntas preestabelecida, que atendem a um controle para as alternativas de respostas. As semiestruturadas se originam de um roteiro prévio de perguntas anteriormente estabelecidas, mas permitem, contudo, que o pesquisador, durante a interação, execute alterações nestas perguntas, caso julgue necessário. Já as entrevistas informais são marcadas pela casualidade, ou seja, não são estruturadas.

As entrevistas que utilizamos em nossa pesquisa são do tipo semiestruturadas, as quais nos possibilitaram uma flexibilidade de roteiro em torno de temas determinados antes de sua execução. O “modelo” utilizado por nós pode ser conferido no quadro a seguir.

Quadro 4 – Roteiro de entrevista semiestruturada. 1. Como você caracterizaria o seu trabalho?

2. Como você caracterizaria o contexto em que atua? 3. Qual é o seu papel como professor?

4. Você dá aulas de PLE. Há algo de particular nisso? Em caso afirmativo, o quê? 5. Qual deve ser o perfil do profissional que atua como professor de PLE?

6. Quais são os seus objetivos enquanto professor de PLE?

Fonte: Autoria própria

5.5.2 A instrução ao sósia

Outro instrumento ao qual recorremos para a coleta de dados é um dispositivo que se aproxima da instrução ao sósia, contextualizada nos próximos parágrafos.

A tomada de consciência das propriedades que caracterizam nossas próprias condutas, bem como das próprias inclinações, sentimentos e mecanismos de pensamentos, entre outros, consiste, de acordo com Bulea (2010), num processo capaz de motivar as aprendizagens e o desenvolvimento. Essa noção, que inelutavelmente habita o senso comum, é ferramenta constitutiva de boa parte dos trabalhos de Psicologia desenvolvimental do século XX, notadamente dos trabalhos de Piaget (1974) e de Vygotski (1934[1997]). Está presente, também, no centro dos procedimentos que analisaram as práticas que se fizeram conhecer, faz algumas décadas, no campo das ciências do trabalho e da formação de adultos. Como vistas a compreender a realidade das situações de trabalho e identificar as capacidades que os trabalhadores manifestam em tais circunstâncias; para distinguir as representações e a

vivência desses trabalhadores no cerne do próprio ofício e examinar atentamente esses conhecimentos, a fim de melhorar as condições de trabalho e de desenvolvimento das pessoas implicadas nesse contexto, elaboraram-se inúmeros dispositivos de pesquisa- intervençãoconhecidos atualmente.

Foram reelaboradas e reorientadas entrevistas de pesquisa que não eram exploradas nas ciências sociais há praticamente um século. Contudo, também foram criados e gradativamente refinados novos dispositivos, como, por exemplo: a entrevista de explicitação elaborada por Vermersch (1994) e sua escola;a instrução ao sósia, proveniente dos trabalhos fundadores de Oddone et al. (1981), a reestruturada por Clot (1999); a autoconfrontação simples e a autoconfrontação cruzada, elaboradas por Clot e Faïta (2000), informa-nos Bulea (2010).

Com base nos dois últimos dispositivos mencionados, Clot (1999) realizou um procedimento de “Clínica da Atividade” que hoje representa a maior referência nessa área. O pesquisador propôs, no plano teórico, uma renovação da abordagem vygotskiana sobre o desenvolvimento e uma extensão referente aos adultos. Para tratar deste grupo, ele fornece, simultaneamente, princípios e instrumentos exploráveis na intervenção sobre as situações de trabalho e a formação dos trabalhadores.

Todo esse movimento decorre do fato de a análise das práticas não ser uma abordagem hegemônica, nem referente às modalidades de conceitualização do trabalho nem da atividade. Contemporaneamente, diversas correntes podem ser citadas: a Clínica da Atividade (particularmente, CLOT, 1999, 2001), a psicodinâmica do trabalho (DEJOURS, 1999; JOBERT, 2002), os procedimentos da explicitação (VERMERSCH, 1994, 2004) etc.; variantes que integram ou se inspiram na Ergonomia (DANIELLOU, LAVILLE e TEIGER 1983; DANIELLOU, 1996), na Psicologia (CLOT, 1999; 2001; DEJOURS, 1999), na Sociologia, ou ainda na Sociolinguística. Todas têm em comum o fato de terem desenvolvido um arcabouço de métodos e de técnicas de análise do agir.

Um desses métodos é a instrução ao sósia, que, embora tenha sido concebida pelo italiano Ivar Odonne, foi introduzida na França por Clot, o qual a desenvolveu no quadro de sua “Clínica da Atividade”. A instrução ao sósia é uma forma de atividade linguageira criada com o intuito de provocar ou favorecer a confrontação do sujeito com atividade profissional desenvolvida por ele. A aplicação do método se dá mediante três operações consecutivas.

A primeira é a descrição oral da atividade, em forma de entrevista gravada. Nesta fase, em ambiente externo ao do trabalho, são colocados em interação dois interlocutores: o modelo, no caso, o profissional ou o formado, e o pesquisador-sósia (ou formador-sósia).

Partindo-se do comando motivador“Suponha que sou teu sósia e que amanhã me encontro na situação de dever te substituir em seu trabalho. Quais são as instruções que tu deverias me transmitir a fim de que ninguém descubra a substituição?” (CLOT, 1999, p. 153), pretende-se que o modelo dê conta de sua atividade, ou melhor dizendo, que verbalize o modo utilizado por ele para adaptar às situações reais de trabalho as tarefas que lhes são prescritas. O agir que está efetivamente em jogo nesta etapa, assinala Bulea (2010), constitui o objeto de uma “projeção retrospectiva”: trata-se de um agir projetado e fictício, mas que reconfigura e ultrapassa potencialmente o agir efetivo.

A segunda fase da instrução consiste na transcrição dessa entrevista pelo próprio sujeito. E, por fim, o terceiro momento é a redação, também pelo sujeito, de um comentário sobre a entrevista transcrita.

Para Bulea (2010, p. 32),

A instrução ao sósia permite precisamente que a atividade de trabalho se torne um objeto de pensamento para aquele que age, e ela repousa num dispositivo que cria as condições de um deslocamento da atividade-objeto em um quadro diferente, eminentemente discursivo.

Em nossa investigação, cumprimos integralmente a primeira e a terceira etapas da instrução ao sósia. A segunda, no entanto, não se efetivou de acordo com o sugerido para o dispositivo. Uma vez que os participantes da pesquisa dispunham de tempo reduzido para fazer a transcrição da própria entrevista, tivemos nós de fazê-la. Daí o porquê de dizermos que, em nossa pesquisa, utilizamos um instrumento de coleta que se aproxima da instrução ao sósia.

Com o auxílio dos instrumentos especificados neste subitem e no 4.5.1, foi possível recolher uma quantidade relevante de dados, o que nos permitiu a organização de um

corpus (um conjunto de textos, da atividade linguageira dos professores participantes), sobre

o qual nos debruçamos para compreender o agir do professor de PLE.

Os procedimentos mobilizados para análise e interpretação dos dados aos quais tivemos acesso são o tema da próxima seção.