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Proposta de análise de textos no quadro do ISD

4 O INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO: BASE TEÓRICO

4.3 Proposta de análise de textos no quadro do ISD

O ISD (Bronckart, 1999) propõe um modelo descendente de análise de textos, baseado nas ações de linguagem que estão na origem desses mesmos textos, ou seja, parte das atividades sociais em direção às atividades de linguagem e destas aos textos e seus componentes linguísticos. Lançando mão deste quadro, ensejamos compreender as redes discursivas que se constroem sobre o trabalho do professor PLE, no agir linguageiro dos próprios docentes.

Os textos são, no âmbito deste quadro teórico-metodológico, resultado da interação entre representações individuais e coletivas, para cuja produção se mobilizam recursos de uma determinada língua natural, com base em modelos de organização textual disponíveis em uma dada língua. Partindo da premissa de que todos os textos empíricos podem ser objeto de investigação, Bronckart (1999) sugere os procedimentos metodológicos para a análise desses correspondentes empíricos/ linguísticos das atividades de linguagem. Propõe que sejam considerados, para a análise dos textos, três conjuntos de observáveis: a) observáveis de ordem semântica: conteúdo referencial semiotizado no texto e índices relacionados ao contexto e à maneira como o autor se situa em relação a tal contexto; b) observáveis de ordem léxico-semântica: escolhas realizadas nos paradigmas de lexemas disponíveis em língua para fazer menção a um mesmo referente, subconjuntos de categorias e de regras gramaticais que parecem ser mais comumente mobilizadas pelo texto; c) observáveis de ordem paralinguística: unidades semióticas não verbais (quadros, imagens, esquemas, etc, as chamadas unidades paratextuais, e procedimentos supratextuais de formatação da página e de relevo (importantes na identificação dos procedimentos de planificação e/ou enunciativos. No caso dos textos orais, pode ser possível, por meio da leitura, observar alguns procedimentos supratextuais que parecem equivaler aos da formatação e da ênfase dos textos escritos (silêncios, mudanças de tom, acentos prosódicos, etc.). Ainda a respeito dos procedimentos de análise, o autor sugere que os textos devem ser submetidos a um recorte, a fim de que se delimitem os segmentos pertencentes a um mesmo tipo de discurso. Uma análise quantitativa pode validar ou invalidar o recorte inicialmente realizado. Em seguida, deve-se proceder às análises qualitativas.

Concernente às condições de produção dos textos, o ISD indica que sejam observados os seguintes aspectos:

a. A situação de ação de linguagem, que se refere às propriedades dos mundos

formais, ou seja, dos mundos físico, social e subjetivo, que podem interferir na produção textual. Tais mundos são conjuntos de representações sociais que podem ser objeto de uma descrição. No entanto, no âmbito de uma situação de produção específica, o agente dispõe exclusivamente de versões particulares dessas representações de caráter social. Por isso, é preciso que se distinga a situação de linguagem externa (que são as características dos mundos formais) e a situação de linguagem interna (que são as representações sobre esses mundos, assim como o agente as interiorizou). Mais que isso, vale admitir que é essa situação de ação interiorizada que interfere sobre a produção do texto empírico;

b. O contexto de produção, que integra a situação de ação de linguagem e pode ser

entendido como o conjunto de parâmetros que podem exercer uma influência sobre a organização de um texto. Tais fatores podem ser agrupados em dois conjuntos, a saber, os que se referem ao mundo físico (lugar de produção, momento de produção, emissor, receptor) e os que dizem respeito ao mundo sociosubjetivo (lugar social, posição social do emissor, posição social do receptor e objetivo);

c. O conteúdo temático define-se como o conjunto das informações que nele são

visivelmente apresentadas, ou seja, que são materializadas no texto por meio das unidades declarativas da língua natural utilizada. As informações que constituem o conteúdo temático são representações elaboradas pelo agente-produtor. Tais conhecimentos, que estão estocados e organizados na memória, vão variar em função da experiência e do nível de desenvolvimento do agente.

Bronckart (1999) também propõe o modelo de arquitetura interna dos textos. A este modelo o autor dá o nome de folheado textual. O teórico parte da hipótese geral segundo a qual todo texto é organizado em três níveis interativos, que definem o chamado folheado textual. São eles: a infra-estrutura geral do texto, os mecanismos de textualização e os mecanismos enunciativos.

A infra-estrutura geral do texto (ou nível profundo) é constituída pelo plano mais geral do texto (organização de conjunto de conteúdo temático), pelos tipos de discursos (diferentes segmentos que o texto comporta), pelas modalidades de articulação entre os tipos

de discurso (se apresenta de diferentes formas, como, por exemplo, o encaixamento, que consiste na relação de dependência de um segmento em relação a outro).

Os mecanismos de textualização (ou nível intermediário) são mecanismos que funcionam no nível intermediário e consistem em criar séries isotópicas que contribuem para a coerência temática. Podem ser divididos em três categorias, a saber:

1) Mecanismos de conexão - colaboram para as articulações da progressão temática, são realizados por organizadores textuais, que podem ser aplicados ao plano geral do texto, às transcrições entre tipos de discurso e entre fases de uma sequência, ou ainda às articulações mais locais entre frases sintáticas. São organizadores textuais as conjunções, os advérbios ou locuções adverbiais, grupos preposicionais, grupos nominais e segmentos de frases;

2) A coesão nominal – tem a função de introduzir os temas e/ou personagens novos e de assegurar sua retomada e substituição no texto. As unidades que realizam tais mecanismos recebem o nome de anafóricos e podem ser representados pelos pronomes pessoais, relativos, demonstrativos e possessivos e alguns sintagmas nominais;

3) A coesão verbal – assegura a organização temporal e/ou hierárquica dos processos (estados, acontecimentos ou ações) verbalizados no texto e são basicamente realizados pelos tempos verbais e , ocasionalmente, pela interação entre esses tempos e algumas unidades de valor temporal, como certos advérbios e organizadores textuais. Nos últimos trabalhos do ISD, a coesão verbal tem sido apontada como pertencente à infraestrutura geral dos textos (nível profundo), por ser fundamental para a caracterização dos tipos de discurso.

Os mecanismos enunciativos (nível superficial)contribuem para a manutenção da coerência pragmática (ou interativa) do texto, colaboram para o esclarecimento dos posicionamentos enunciativos (quais são as instâncias que assumem o que é enunciado no texto? Quais são as vozes que aí se expressam?) e traduzem as variadas avaliações (julgamentos, opiniões, sentimentos) sobre o conteúdo temático. Tais mecanismos podem ser considerados como configuracionais e operam quase que independentemente da progressão do conteúdo temático.

Diferentes vozes podem se apresentar em um texto, quais sejam: a voz do autor empírico; as vozes sociais (vozes de outras pessoas ou de instituições humanas exteriores ao conteúdo temático do texto) e as vozes dos personagens (vozes das pessoas ou de instituições diretamente implicadas no percurso temático). As avaliações formuladas sobre alguns

aspectos do conteúdo temático têm sido designadas, na tradição gramatical, pelo termo modalização, expressão também adotada pelo ISD.

Em nossa pesquisa, realizaremos a análise dos textos produzidos pelos professores numa perspectiva descendente, tal qual propõe o ISD. Partiremos da atividade social (o trabalho do professor de PLE) em direção às atividades de linguagem (o agir linguageiro dos professores em entrevistas e na instrução ao sósia), a fim de compreendermos o trabalho docente, nos textos, os quais são produtos da interação entre as representações individuais e coletivas. As representações são consideradas, no contexto de nosso empreendimento investigativo, uma categoria elucidativa do agir professoral.

Seguindo a orientação de Bronckart (1999), para a análise dos textos que compõem o nosso corpus, decidimos, no que concerne às condições de produção do material linguageiro, levar em conta: a) a situação de ação de linguagem (propriedades dos mundos físico, social e subjetivo, que se constituem em um conjunto de representações sociais passíveis de descrição; b) o contexto de produção, que integra a situação de ação de linguagem e c) o conteúdo temático, que são representações elaboradas pelo agente produtor do texto e variam de acordo com a experiência e com o nível de desenvolvimento do agente.

Centralizaremos nossas observações em dois dos níveis do folheado textual, tais quais: o nível profundo (ou infra-estrutura) e o nível superficial (ou mecanismos enunciativos). Do primeiro, investigamos o conteúdo temático e os tipos de discurso, estes últimos são relevantes para a identificação das figuras de ação. No segundo, damos atenção às vozes e às modalizações, para a compreensão pormenorizada das representações que o professor de PLE elabora em seu dizer.

Nas duas próximas seções, apresentamos as noções de tipos de discurso e de mecanismos enunciativos, respectivamente.