Capítulo II – Do Incumprimento da Obrigação de Alimentos – Consequências 19
3. Providências judiciárias coercivas 23
3.4. Instrumentos de cooperação internacional 30
Bens parcialmente penhoráveis
1 – São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.
2-‐ Para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número anterior, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios.
3 – A impenhorabilidade prescrita no n.º1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.
4 – O disposto nos números anteriores não se aplica quando o crédito exequendo for de alimentos, caso em que é impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo.53
Com este preceito, o legislador pretendeu, tendo sempre por guia o princípio da dignidade da pessoa humana, criar um equilíbrio na colisão entre direitos fundamentais, que é a difícil concordância prática entre o direito do credor de alimentos e o direito do devedor de alimentos a um mínimo de subsistência. Assim, deixou de estar consagrada a regra do anterior 824.º, n.º2 do CPC que permitia a penhora até um terço do vencimento, salário ou pensão, cujo montante não fosse superior ao salário mínimo nacional. “Estando em causa a
realização coativa da prestação alimentar em que o progenitor foi condenado para com o filho menor, deve atender-‐se, como valor de referência necessário a assegurar a sobrevivência do devedor, ao valor do rendimento social de inserção, que no sistema de solidariedade social se assume como o mínimo dos mínimos compatíveis com a dignidade da pessoa humana”.
3.4. Instrumentos de cooperação internacional
Num mundo globalizado, resultou clara a necessidade de criação de normas que regulassem a cobrança das obrigações alimentares além-‐fronteiras, promovendo a cooperação judiciária.
No ordenamento jurídico português estão em vigor fontes supraestaduais54,
internacionais e comunitárias que regulam as obrigações alimentares a favor de crianças e jovens.
Não querendo retirar importância a todos os outros instrumentos, saliente-‐se o Regulamento (CE) n.º 4/2009, do Conselho de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e a cooperação em matéria de obrigações alimentares, sem prejuízo de o Regulamento (CE) n.º 44/2001 (conhecido por Regulamento Bruxelas I) continuar em aplicação relativamente aos procedimentos do reconhecimento e de execução pendentes à data da sua entrada em vigor.
O Protocolo de Haia de 2007 “foi aprovado pela EU e determinou que o
Regulamento em matéria de obrigações alimentares fosse aprovado em consonância com esse instrumento”.55
No Regulamento está consagrado um regime diferente consoante a decisão a reconhecer tenha sido proferida num Estado-‐membro vinculado pelo Protocolo ou num Estado-‐membro não vinculado pelo Protocolo. Se as decisões são proferidas num Estado-‐membro vinculado pelo Protocolo de Haia de 2007, então serão reconhecidas imediatamente e em qualquer Estado-‐membro, sendo executáveis noutro Estado-‐membro sem necessidade de obter uma declaração de força executória.
Pelo contrário, se as decisões são proferidas no âmbito de um Estado-‐Membro não vinculado pelo Protocolo, serão reconhecidas sem necessidade de recurso a qualquer processo.
54 Convenção de Haia relativa à Lei aplicável em matéria de prestação de alimentos a menores, de
1956; Convenção de Haia sobre a Lei Aplicável às Obrigações Alimentares, de 1973; Protocolo de Haia sobre a Lei Aplicável às Obrigações Alimentares; Convenção da ONU de Nova Iorque, de 20 de junho de 1956 sobre a cobrança de alimentos no estrangeiro; Convenção de Haia de 15 de abril de 1958, relativa ao reconhecimento e execuçao de decisoes em matéria de obrigaçoes alimentares; Convenção de Haia sobre a cobrança internacional de alimento em benefício dos Filhos e de outros Membros da Família, de 23 de novembro de 2007.
55 GOMES, Ana Sofia, Responsabilidades Parentais Internacionais – Em especial na União Europeia,
4. Proteção penal: o crime de violação de obrigação de alimentos
O artigo 250.º do Código Penal56 prevê o crime de violação da obrigação de
alimentos, cujo agente do crime vem ser precisamente o titular da obrigação de alimentos e, por sua vez, o ofendido pelo ilícito é o credor daquela mesma obrigação.
Como adiante compreender-‐se-‐á, este crime tem por base a filosofia subjacente ao novo modo de entender as relações entre pais e filhos. Com o exercício das responsabilidades parentais no âmbito de divórcio, é patente a necessidade de aumentar o grau de envolvimento de ambos os progenitores no projeto de vida dos seus filhos. Como é claro, a delineação do projeto de vida continua a ser interesse de ambos os progenitores, não terminando com a cessação da relação conjugal, simplesmente começa com novos moldes. A medida penal que iremos dissecar tem por base a promoção de condições efetivas para a satisfação do superior interesse da criança.57
Estabelece o n.º 1 que “quem, estando legalmente obrigado a prestar alimentos e
em condições de o fazer, não cumprir a obrigação no prazo de dois meses seguintes ao do vencimento, é punido com pena de multa até 120 dias” ocorrendo, por via do
n.º 2 do artigo, uma agravação de censura punitiva através da possibilidade de opção dessa referida pena de multa ou por uma pena de prisão até um ano em caso de “prática reiterada do crime referido no número anterior(...)”.
O n.º3 do mesmo artigo estabelece que “quem, estando legalmente obrigado a
prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir a obrigação, pondo em perigo a satisfação, sem auxílio de terceiro, das necessidades fundamentais de quem a eles tem direito, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias”.
Quanto ao n.º 4, prevê uma especial forma de incumprimento da obrigação em causa, sancionando com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, “quem, com a intenção de não prestar alimentos, se colocar na
impossibilidade de o fazer e violar a obrigação a que está sujeito, criando o perigo previsto(...)”, no n.º3.
56 Na sua versão mais recente, a Lei n.º 94/2017, de 23/08.
57 VEIGA, António Miguel, Da Obrigação familiar de alimentos e das consequências penais do